A principal agência de financiamento científico do Brasil terá que suspender mais de 80.000 bolsas de estudo para pesquisadores de pós-doutorado e estudantes de graduação e pós-graduação a partir de setembro, a menos que receba mais recursos do governo.
O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) anunciou os cancelamentos iminentes em 15 de agosto. O CNPq também não oferecerá novas bolsas de estudos, de acordo com o comunicado. O governo do Brasil não liberou os 330 milhões de reais (US$ 89 milhões) que congelou no orçamento da agência como parte de cortes de gastos mais amplos em março. Se a administração do presidente Jair Bolsonaro não liberar parte do dinheiro em breve, o fundo de bolsas do CNPq ficará sem dinheiro no próximo mês.
“O governo está colocando em risco o futuro de toda uma geração de cientistas brasileiros”, diz Paulo Artaxo, físico da Universidade de São Paulo. O cancelamento das bolsas terá um impacto devastador na ciência brasileira, que depende desses jovens pesquisadores, diz ele.
Não apoiar os alunos nos programas de pesquisa “é um tiro no próprio pé”, diz Alexandre Turra, oceanógrafo do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo.
Uma questão de sobrevivência
A bióloga Nicole Malinconico é uma das muitas alunas de pós-graduação que podem ter que abandonar a pesquisa se as bolsas de estudo do CNPq caírem. Ela se mudou para São Paulo em janeiro e se inscreveu no programa de doutorado do Instituto Oceanográfico.
“Agora, mesmo que eu entre no doutorado, sem a bolsa eu não vou conseguir me manter em São Paulo”, diz Malinconico. Ela planeja solicitar uma bolsa de estudos oferecida pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), uma agência local de financiamento científico. Mas a competição por fontes alternativas de dinheiro cresceu vertiginosamente, diz ela. Malinconico teme que ela tenha que desistir de sua carreira de pesquisadora para procurar um emprego fora da academia, como muitos de seus amigos estão fazendo.
“Para muitos estudantes, uma bolsa de estudos é muito mais do que apoio à pesquisa, é um salário que eles usam para viver, comer e pagar suas contas”, diz Daniel Martins-de-Souza, bioquímico da Universidade de Campinas. Brasil. Sem esse apoio, muitos pesquisadores ficarão desempregados, o que poderia mudar os números gerais do desemprego no Brasil, diz ele.
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), sediada em São Paulo, juntamente com outras 102 instituições de pesquisa e acadêmicas do País, lançou uma petição on-line em 13 de agosto exigindo que o governo ajude o CNPq a cumprir seus compromissos de financiamento. O abaixo-assinado já conta com mais de 300.000 assinaturas.
Retrocesso
Pesquisadores no Brasil têm trabalhado sob uma nuvem de incertezas desde março, quando o governo de Bolsonaro anunciou que iria congelar 42% do orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). Isso incluiu o congelamento no orçamento do CNPq, que é uma agência do MCTIC. Na mesma época, o governo também anunciou que cortaria 30% dos recursos que destina às universidades federais.
Muitos pesquisadores deixaram o Brasil para melhores situações no exterior, enquanto outros que ficaram lutam para manter seus laboratórios funcionando.
“A ciência está andando para trás no Brasil”, diz Marcos Buckeridge, diretor do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol. O instituto inclui 31 laboratórios em 5 estados brasileiros que desenvolvem tecnologia para produzir biocombustíveis usando materiais como plantas ou resíduos animais. Ele teme que, se o CNPq parar de financiar bolsas de estudos para estudantes e pós-doutorados, nos próximos meses o instituto não terá pesquisadores suficientes para realizar experimentos.
O CNPq e o MCTIC estão em negociações com o Ministério da Economia por mais dinheiro até o final do ano para que a agência possa apoiar bolsas de estudos, diz a porta-voz do CNPq Mariana Galiza de Oliveira. Mas não está claro se a agência receberá o dinheiro a tempo de evitar uma interrupção nos pagamentos para os atuais bolsistas, diz ela.
Nature, com tradução do Jornal da Ciência