Instituições definem estratégia de luta contra o desmonte da ciência

A Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP.br) irá intensificar as frentes de ações em defesa da Educação e da CT&I no País. Em 25 de setembro, será realizada uma Marcha Pela Ciência no Congresso. O objetivo é recuperar o orçamento da área e engajar a sociedade civil

As entidades científicas que compõem a Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP.br) definiram estratégias para intensificar as ações em defesa da Educação e da Ciência, Tecnologia & Inovação (CT&I). O objetivo é sensibilizar os parlamentares e todos os setores da sociedade para a causa da ciência, ameaçada de desmonte no governo Jair Bolsonaro, pelos cortes orçamentários que atingem universidades, bolsas de estudos e projetos de pesquisa. Uma Marcha Pela Ciência já está definida para ser realizada no dia 25 de setembro no Congresso Nacional.

A decisão foi tomada em reunião quarta-feira (4/9) pelas instituições coordenadoras da iniciativa: Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC); Academia Brasileira de Ciências (ABC); Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap); Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes); Conselho Nacional de Secretários Estaduais para Assuntos de CT&I (Consecti); Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Científica e Tecnológica (Confies) e Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif).

De acordo com o presidente da SBPC, Ildeu de Castro Moreira, a mobilização visa juntar forças que possam se contrapor ao processo em curso no governo que prejudica fortemente a área. “O desmonte do sistema nacional de CT&I deve preocupar não só os cientistas, os pesquisadores, mas toda a sociedade brasileira, os empresários, os trabalhadores, todos”, afirmou Moreira.

No Congresso, a iniciativa tem como foco principal o início da tramitação da proposta de Orçamento Geral da União para o ano que vem (PLOA 2020) e projetos de lei específicos para reforço da verba pública para o setor. O PLOA 2020 propõe um corte de 18% nos recursos totais do Ministério da Educação (MEC) em relação aos valores autorizados de 2019. As reduções vão da educação básica à pós-graduação, mas o impacto será muito maior no financiamento de pesquisas e nas contas de grandes universidades federais.

O Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) sofreu queda de 22,53% no Orçamento Geral da pasta, que terá R$ 11,8 bilhões em 2020. Excluídas as despesas obrigatórias, a Reserva de Contingência e serviços da Dívida Pública, o decréscimo no orçamento do MCTIC é de 38%, com apenas R$ 3,5 bilhões para aportes gerais nos programas e unidades.

Segundo Moreira, o objetivo da ICTP.br é não apenas reverter os cortes – que ele qualificou de “draconianos e ameaçadores” -, mas propor uma elevação dos recursos, retornando aos limites de 2017. “Vamos propor que os valores sejam aumentados para o total de dois anos atrás, que não é muito, mas ajuda a deter a queda acentuada que estamos sofrendo”.

No dia 18/9 haverá uma reunião prévia da Iniciativa em Brasília, para contatos com parlamentares ligados à Comissão Mista do Orçamento (CMO). Será proposta uma Audiência Pública na comissão sobre o PLOA 2020 para CT&I e Educação, quando relatores setoriais forem indicados. “O mês de setembro é fundamental porque o PLOA já foi enviado, os parlamentares estão começando a discutir e nós queremos influenciar nesse processo, por isso é fundamental a participação da comunidade científica e acadêmica no Congresso Nacional”, reiterou Moreira.

Reforço de verbas

Além da lei orçamentária, as entidades que representam a ICTP.br também vão defender junto aos parlamentares a aprovação dos Projetos de Lei que tratam da destinação de 25% do Fundo Social do Pré-Sal para CT&I (PL 5.876/2016, dos deputados Celso Pansera – PT-RJ- e Bruna Furlan -PSDB-SP -, e o PLS 181/2016, do senador Lasier Martins, do Podemos-RS). Será dado apoio ainda ao projeto que veda o contingenciamento do FNDCT, Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PLP 358/2017 do deputado Daniel Vilela, do MDB-GO) e/ou o PLS que transforma o FNDCT em fundo financeiro (PLS 315/2017, do senador Otto Alencar, do PSD-BA).

Além disso, haverá atuação em favor da PEC 24/19, da deputada Luisa Canziani (PTB-PR), que exclui da Lei do Teto (Emenda Constitucional 95) recursos próprios das universidades, permitindo que sejam usufruídos integralmente pelas instituições. “É um absurdo que o governo tenha um discurso que estimula as universidades a buscar recursos próprios e, no entanto, quando elas conseguem, esse dinheiro é apropriado pelo Tesouro quando chega no teto. É um contrassenso absoluto”, argumenta o presidente da SBPC. Segundo ele, em audiência com representantes da CT&I (em 28/8), o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), revelou ser favorável à PEC 24/19.

Engajamento da sociedade

Na reunião de quarta-feira foi decidida ainda uma ampla ação coordenada de divulgação junto à sociedade. Será publicado em jornais e nas redes sociais um Manifesto à Nação em defesa da Ciência Brasileira, buscado apoio de todos os setores – acadêmicos, profissionais, empresariais, trabalhadores, entidades da sociedade civil, setores militares progressistas e personalidades de destaque (artistas, intelectuais, esportistas, etc.). O Manifesto será apresentado em vários estados em uma campanha de engajamento que inclui fotos e atos com pesquisadores, técnicos e estudantes.

“A ideia é promover e estimular a realização de atividades em defesa da CT&I em todas as instituições de pesquisa e universidades, com banners, com o Manifesto na entrada das instituições, fotos nas redes sociais, atos e ‘abraços’ às instituições como foi feito no Inpa”, explicou Moreira.

Ele se referia ao “abraço” que dezenas de servidores, pesquisadores, alunos de mestrado e doutorado deram à sede do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), em prol da manutenção dos recursos e defesa da instituição.

Além disso, serão promovidos e estimulados debates e eventos em todas as instituições de pesquisa, universidades e Institutos Federais de Ensino Superior (IFES) sobre a situação da CT&I no País. Passeatas e marchas pela ciência nas capitais e em outras cidades também estão na programação, dependendo da avaliação da capacidade de mobilização e datas apropriadas.

“É muito importante que as comunidades acadêmica e científica se mobilizem mais nos seus locais de trabalho e em ações junto à população”, disse Moreira. Segundo ele, a mensagem que será levada à sociedade brasileira é que a Ciência é um patrimônio nacional que tem que ser preservado.

Fonte dilapidada

A grande aposta dos representantes da ICTP.br está na sensibilização do Congresso já que o espaço para negociação com o Executivo tem se apresentado bastante restrito. “Temos tentado falar com o governo, mas o Ministério da Fazenda está irredutível, tem sido insensível, o que evidencia a política de desconstrução da CT&I de fato”, disse Moreira.

É preciso ficar claro para o Congresso, afirma o presidente da SBPC, que o fomento para a pesquisa e os recursos para o FNDCT são essenciais, são a fonte mais importante para pesquisa e desenvolvimento do País que vem sendo dilapidada, em desvio de finalidade. Moreira acrescenta que a reserva de contingência na proposta orçamentária, que este ano foi de R$ 4 bilhões e ano que vem será ainda maior, retira recursos da CT&I para o Tesouro Nacional pagar os encargos da dívida pública e fazer o chamado equilíbrio fiscal. “É inconcebível que bilhões de reais sejam utilizados para outras finalidades como pagar a dívida pública, cobrir os juros astronômicos”.

Para Moreira, diante desse quadro, a mobilização da comunidade e da sociedade em geral é fundamental para apoiar esse esforço. “As pessoas ficam muito indignadas, com razão, como o corte de bolsas, que afetam profundamente milhares de estudantes e jovens pesquisadores. Mas além dessa briga pelas bolsas, tem que fazer uma briga mais ampla, defender o sistema como um todo, porque não adianta ter a bolsa se o laboratório está parado” destacou Moreira.

Campanha tem apoio

As entidades componentes da ICTP.br se comprometeram a apoiar a campanha lançada pela SBPC da produção de vídeos com depoimento de bolsistas do CNPq e da Capes.

Lançada esta semana, a campanha “Ciência, para que Ciência?”, reunirá e divulgará vídeos com depoimentos de estudantes e pesquisadores sobre a importância de seus trabalhos e como o financiamento público é vital para garantir o desenvolvimento e continuidade dessas pesquisas.

A campanha tem como objetivo chamar a atenção para o impacto que as pesquisas têm no desenvolvimento econômico e social do Brasil e como os cortes severos impostos pelo governo às duas principais agências de fomento do País – Capes e CNPq – impedem o desenvolvimento de estudos importantes para o Brasil, comprometem o futuro da ciência e dos cientistas e trazem prejuízos para toda a população.

Janes Rocha e Mariana Mazza – Jornal da Ciência