Pesquisadores intensificaram nesta semana críticas à possível extinção das agências de fomento do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). O governo estuda fundir o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), e possivelmente substituí-los por uma nova agência, em formato de fundação, controlada pelo Ministério da Educação (MEC). Já a Financiadora de Inovação e Pesquisa (Finep), atualmente vinculada ao MCTIC, seria absorvida pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
“Mesmo diante do quadro de retração dos investimentos em Ciência e Tecnologia e de sua desvalorização na agenda de governo, a possibilidade de fusão e do consequente enfraquecimento do CNPq e da Capes, de forma arbitrária e sem amplo debate, causa espanto e indignação”, diz um manifesto divulgado pela Coalizão Ciência e Sociedade — um grupo de 70 pesquisadores, de diversas instituições (17 deles ligados à Universidade de São Paulo). “É injustificada a desarticulação de órgãos que constituem referência em incentivo e apoio à pesquisa, à qualificação de recursos humanos e ao desenvolvimento.”
“Não há espaço para planejamentos míopes e de curto prazo quando se trata do Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia. Os impactos de tais mudanças geram danos que não podem ser mitigados rapidamente e condenam o Brasil à perda de competitividade, de independência e de condições para o enfrentamento de crises que afetam vários setores da economia e da sociedade”, conclui o manifesto.
Centenas de pesquisadores e servidores da área de ciência e tecnologia deram um abraço simbólico nesta quarta, 16, no prédio do CNPq em Brasília. O ato foi organizado pelo Sindicato Nacional de Gestores em Ciência e Tecnologia (SindGCT) e a Associação dos Servidores do CNPq (Ascon), em resposta a relatos de que já haveria uma Medida Provisória (MP) pronta para decretar a fusão das agências, aguardando apenas a assinatura do presidente Jair Bolsonaro para ser publicada.
“Tem um documento? Parece que tem. Eu nunca vi, mas parece que tem”, disse o presidente do CNPq, João Luiz Azevedo, na terça-feira (15/10), em reunião com representantes dos Comitês de Assessoramento (CAs) da agência.
Sem economia
Visivelmente irritado com a situação, Azevedo criticou fortemente a ideia da fusão — independentemente de ela acontecer dentro do MEC ou do MCTIC. “Se tem alguém achando que vai economizar dinheiro fundindo a Capes com o CNPq (…), não vai economizar nada”, disse. “E o que é pior: se tem alguém no nosso sistema dizendo para alguém no governo que vai economizar, ou não entende o sistema (…) ou está mentindo e está mal-intencionado.”
Segundo fontes próximas à pasta, a pressão pela fusão estaria partindo do MEC, como forma de consolidar seu controle sobre as universidades públicas federais — que dependem largamente do CNPq para financiar suas atividades de pesquisa científica. O presidente da Capes, Anderson Correia, defendeu a fusão na última reunião do Conselho Superior da agência, segundo o relato de conselheiros presentes. Procurada pela reportagem na semana passada, a agência respondeu apenas que o MEC “acatará a decisão que o presidente da República considerar mais conveniente para o Brasil”.
A proposta do governo para 2020 é cortar o orçamento de fomento à pesquisa do CNPq em quase 90% (restando-lhe apenas recursos para bolsas) e reduzir o orçamento geral da Capes em quase 50%. Já o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), cujos recursos são gerenciados pela Finep, deve começar o ano com 87% de seus valores já contingenciados. Pesquisadores temem que esse esvaziamento das agências seja um prenúncio de fechamento do próprio MCTIC, que ficaria extremamente fragilizado numa próxima reforma ministerial.
O ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, criticou publicamente a proposta na semana passada. “Sobre a ideia divulgada de junção do CNPq e CAPES: a posição do MCTIC é contrária à fusão, pois seria prejudicial ao desenvolvimento científico do País. Existe algum sombreamento de atividades e pontos de melhoria na gestão. Esses problemas já estão sendo trabalhados no CNPq”, escreveu Pontes em sua conta oficial no Twitter, no fim da tarde de sexta-feira, 11 de outubro — mesmo dia em que entidades do setor enviaram uma carta conjunta a parlamentares e governantes, criticando a fusão. Mais de 70 entidades científicas, acadêmicas e tecnológicas endossaram o manifesto.
Missões distintas
Críticos destacam que a missão das agências são complementares, porém distintas, e exigem expertise específica. Resumidamente: o CNPq trabalha com pesquisa científica e a Capes, com programas de pós-graduação; enquanto que a Finep usa recursos do FNDCT para financiar projetos de infraestrutura de pesquisa e inovação tecnológica, tanto no setor público quanto privado.
“As bolsas que a gente faz são muito diferentes das bolsas que a Capes faz”, destacou Azevedo, na reunião dos CAs. Assim como a Capes não tem expertise para julgar bolsas e projetos de pesquisa científica, o CNPq não tem expertise para avaliar cursos de pós-graduação, completou ele. “Então, não vai economizar nada; vai continuar com o mesmo número de servidores ou vai economizar uma quantidade ridícula de dinheiro, que não justifica o transtorno que vai causar no País.”
Uma petição em defesa do CNPq, lançada em 13 de agosto pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), já recebeu quase 1 milhão de assinaturas na plataforma change.org.