A inserção social vai ganhar um peso equivalente ao da internacionalização na avaliação dos programas de pós-graduação realizada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). A nova regra faz parte do rol de mudanças que vêm sendo discutidas com a comunidade acadêmica desde 2016 e será implementada já na próxima avaliação quadrienal, prevista para 2021.
“Temos que olhar a pós-graduação como um processo formativo e não só um espaço de publicação (de artigos acadêmicos)”, justificou a coordenadora de Programas Profissionais da Área de Ciências Ambientais da Capes, Liliana Pena Naval. “Isso não significa que vamos fazer só ciência aplicada, mas temos que pensar em teses que possam ser aplicadas ou em algo com o setor produtivo”, acrescentou.
A executiva da Capes apresentou as novas regras da avaliação nesta terça-feira (3/12) para os professores e alunos do Programa de Sustentabilidade da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH/USP). Ela foi um dos principais palestrantes convidados do Seminário Interdisciplinar de Sustentabilidade, realizado entre os dias 2 e 3 de dezembro, no campus Zona Leste.
Promovido para debater a produção, divulgação e avaliação da pesquisa científica, o seminário também reuniu docentes da Unicamp, da federal do Grande ABC (UFABC), da USP de Ribeirão Preto e teve como convidado internacional o Prof. Dr.Tomás Augusto Barros Ramos, Pesquisador do Centro de Investigação em Ambiente e Sustentabilidade (Cense) da Universidade Nova Lisboa.
Naval apresentou em uma série de slides as principais mudanças no processo de avaliação dos cursos e programas. Os novos critérios incluem a autoavaliação, redefinição do Qualis (Periódicos e livros); acompanhamento de egressos e impacto social, econômico e cultural, entre outros critérios. As mudanças são profundas e algumas passam a valer já a partir do ano que vem, mas a perspectiva é que a implementação total ocorra em até dez anos.
A coordenadora da Capes enfatizou o impacto social e o que ela chamou de “mudança de paradigma”: o foco no trabalho dos discentes. “A produção discente valerá mais que a do docente, que só será considerada se tiver colaboração com o discente”, afirmou. Quanto ao impacto social – que passa a ter o peso de 10% – equivalente ao da internacionalização – a coordenadora da Capes disse que a ideia é valorizar a inovação e a contribuição do trabalho acadêmico para a sociedade. “Se a universidade não contribui para a sociedade, que é quem lhe paga, não tem sentido em existir”.
Embora conhecessem o teor das mudanças de um modo geral, alguns pontos anunciados por Naval surpreenderam os professores. Marcelo Marini Pereira de Souza, docente da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, se disse “perplexo” com os novos quesitos de produção técnica (patentes, material didático, guias e manuais, softwares) que, na visão dele, privilegiam as disciplinas duras (física, química) e não contemplam as sociais. “É uma pasteurização que atende apenas às áreas hegemônicas, desconsiderando o trabalho social que já fazemos na área ambiental”, criticou.
A professora Wania Duleba, uma das coordenadoras do programa de Sustentabilidade da EACH, prevê dificuldades para o acompanhamento da produção dos egressos porque a universidade muitas vezes perde o contato. “Como rastrear o impacto na sociedade?”, questionou.
Ela lembra, porém, que a EACH já mantem um projeto de impacto social junto à comunidade carente Keralux, situada ao lado do campus Zona Leste, na beira da linha férrea da CPTM. O projeto é tocado pelos estudantes que, com ajuda dos próprios moradores do Keralux, levam conscientização sobre as consequências do descarte incorreto de lixo.
Jessica Nogueira Marques, estudante do mestrado do programa de sustentabilidade da EACH questionou a coordenadora da Capes sobre a incoerência da agência em colocar os discentes como prioridade e ao mesmo tempo cortar as bolsas de estudos. Liliana Naval respondeu pela metade, afirmou que “a boa notícia” é que as bolsas deste ano haviam sido recuperadas. Mas não falou que o orçamento de 2020 da Capes, que está em votação no Congresso, já traz um corte de 50% comparado com o valor gasto este ano.
Quanto à autoavaliação, Roberto Donato, da Faculdade de Ciências Aplicadas da Unicamp e consultor da Capes, disse que pode ser uma boa oportunidade para os programas de ciências ambientais demonstrarem os resultados de atividades que já realizam na área social, mas nunca foram devidamente reconhecidas. “A transformação positiva é a coadunação dos objetivos do PPG que se torna mais qualitativo, com tendência a privilegiar as ações mais relacionadas aos alunos”, comentou.
Janes Rocha – Jornal da Ciência