O Grupo de Trabalho do Código Florestal da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) divulgou uma carta dirigida a congressistas com críticas a emendas propostas para a Medida Provisória 901/2019, que transfere ao domínio dos estados de Roraima e do Amapá terras pertencentes à União. Uma das emendas, apontada como “contrabando legislativo” pelos cientistas do grupo, reduz o percentual obrigatório de Reserva Legal nos estados do Amapá e de Roraima de 80 para 50%. A emenda já consta no Projeto de Lei de Conversão 31/2019, que está para ser votado no Plenário da Câmara dos Deputados nas próximas semanas.
No documento, o GT do Código Florestal calcula que a proposta levaria a uma redução da área de vegetação nativa, atualmente protegida, da ordem de 3.591 milhões de hectares no Amapá e 4.551 milhões de hectares em Roraima.
“Estas reduções só poderiam, eventualmente, ser consideradas pelos órgãos ambientais caso os estados tivessem o Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE) aprovado e mais de 65% do seu território ocupado por unidades de conservação (UC) da natureza de domínio público devidamente regularizados, e por terras indígenas (TI) homologadas conforme estabelece o Art. 12, §5º da Lei 12.651/2012”. A emenda, no entanto, permite que apenas uma das duas condições seja suficiente.
O GT da SBPC observa ainda outra complacência da emenda, que acrescenta outras áreas originalmente não previstas no Código Florestal, como terras das Forças Armadas e perímetros das rodovias federais, para chegar aos 65% do território ocupado por UCs e TIs regularizadas. Por possuir mais de 65% do seu território ocupado por Unidades de Conservação da natureza de domínio público e terras indígenas homologadas, a regra não se aplica ao Amapá. “A emenda constitui um ‘contrabando legislativo’, ou seja, uma proposta ‘jabuti’ voltada para beneficiar determinados interesses, principalmente no estado de Roraima que, desde 2002, conta com um ZEE elaborado pelo Serviço Geológico do Brasil que ainda não foi implementado por discordâncias e interesses diversificados”, afirma o grupo.
Os especialistas apontam ainda a inconstitucionalidade de outra emenda incorporada ao PL de Conversão, que reduz em 4.745 hectares a Floresta Nacional de Roraima. “O Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu que a redução de áreas preservadas por meio de medidas provisórias é inconstitucional (ADI 4717)”, denunciam.
“No momento em que o desmatamento na Amazônia atinge uma escalada sem precedentes, autorizar a redução da Reserva Legal de 80% para 50% contribuirá para a destruição não apenas da biodiversidade local, mas também dos serviços ecossistêmicos da floresta amazônica que são, por exemplo, responsáveis pela ocorrência de chuvas nas áreas já convertidas ao cultivo nas regiões Centro-Oeste e Sudeste”, alerta o GT.
Leia abaixo o documento na íntegra:
EMENDAS À MP 901/2019: MAIS UMA TENTATIVA DE REDUZIR A PROTEÇÃO DA FLORESTA AMAZÔNICA
GT do Código Florestal da SBPC
A Medida Provisória 901, de 21 de outubro de 2019 (MP 901/2019), foi proposta para alterar a Lei 10.304/2001, que transfere para o domínio dos estados de Roraima e do Amapá terras que hoje pertencem à União. Entretanto, durante sua tramitação no Congresso a MP recebeu diversas emendas, inclusive uma que é, de fato, uma proposta “jabuti”, que altera dispositivos do Código Florestal e atinge profundamente a Amazônia. Esta emenda foi aceita pelo relator conforme consta do Projeto de Lei de Conversão 31/2019, que está para ser votado no Plenário da Câmara dos Deputados.
Caso aprovado o PL de Conversão 31/2019 na forma atual, o percentual obrigatório de Reserva Legal nos estados do Amapá e de Roraima cairá de 80 para 50%. O atual Código Florestal (Lei Nº 12.651/2012) define a Reserva Legal como: Art. 3º Para os efeitos desta Lei, entende-se por: III – Reserva Legal: área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, delimitada nos termos do art. 12, com a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora nativa. Cálculos indicam que a emenda proposta levaria a uma redução da área de vegetação nativa, atualmente protegida, da ordem de 3.591 milhões de hectares no Amapá e 4.551 milhões de hectares em Roraima.
Estas reduções só poderiam, eventualmente, ser consideradas pelos órgãos ambientais caso os estados tivessem o Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE) aprovado e mais de 65% do seu território ocupado por unidades de conservação (UC) da natureza de domínio público devidamente regularizados, e por terras indígenas (TI) homologadas conforme estabelece o Art. 12, §5º da Lei 12.651/2012. Para contornar a questão de estados não terem os respectivos ZEEs aprovados, a emenda aceita pelo relator muda E para OU – “…quando o estado tiver o ZEE aprovado ou 65% de seu território…”. Além disso, para chegar aos 65% do território ocupado por UCs e TIs regularizadas, a emenda acrescenta outras áreas, como terras das Forças Armadas e perímetros das rodovias federais, originalmente não previstas no Código Florestal. Esta inclusão se refere especialmente ao estado de Roraima, pois o Amapá ainda possui mais de 65% do seu território ocupado por Unidades de Conservação da natureza de domínio público e terras indígenas homologadas. A emenda constitui um “contrabando legislativo”, ou seja, uma proposta “jabuti” voltada para beneficiar determinados interesses, principalmente no estado de Roraima que, desde 2002, conta com um ZEE elaborado pelo Serviço Geológico do Brasil que ainda não foi implementado por discordâncias e interesses diversificados. A emenda dá, ainda, ao poder público o direito de reduzir as áreas de Reserva Legal de 80 para 50% sem consulta aos Conselhos Estaduais do Meio Ambiente.
Outra emenda acrescentada ao texto original, incorporada pelo relator do PL de Conversão 31/2019, reduz em 4.745 ha a Floresta Nacional de Roraima. Esta emenda é inconstitucional, pois o Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu que a redução de áreas preservadas por meio de medidas provisórias é inconstitucional (ADI 4717).
O Projeto de Lei de Conversão 31/2019 deve ir à votação na Câmara nas próximas semanas e depois passará pelo Senado. Os setores que defendem estas emendas no Congresso Nacional alegam que a redução da RL de 80% para 50% é imprescindível para aumentar a área produtiva e assegurar o desenvolvimento dos estados. Sabidamente a expansão da fronteira agrícola não beneficia nem melhora a qualidade de vida da população local, mas sim de alguns poucos proprietários latifundiários que enriquecem destruindo a floresta e, junto com ela, um enorme potencial do país em biodiversidade, além de eliminar as possibilidades de opção para as gerações futuras.
No momento em que o desmatamento na Amazônia atinge uma escalada sem precedentes, autorizar a redução da Reserva Legal de 80% para 50% contribuirá para a destruição não apenas da biodiversidade local, mas também dos serviços ecossistêmicos da floresta amazônica que são, por exemplo, responsáveis pela ocorrência de chuvas nas áreas já convertidas ao cultivo nas regiões Centro-Oeste e Sudeste.
Solicitamos, pois, a rejeição dessas emendas à MP 901/2019, para que se evite a degradação e a destruição de uma floresta dotada de grande biodiversidade, além de comprovadamente útil para o regime de chuvas em outras regiões do Brasil e para o desenvolvimento sustentável do País.
GT do Código Florestal da SBPC
Jornal da Ciência