Dentro da programação de acolhimento aos calouros e para abrir o primeiro semestre letivo de 2020, a Universidade Federal de Viçosa (UFV) recebeu, na última segunda-feira (2), o presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) e reitor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), João Carlos Salles Pires da Silva, e o presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Ildeu de Castro Moreira.
Ambos foram protagonistas da Aula Magna que teve como tema “Os desafios e as perspectivas da Ciência e da Educação Superior”. As palestras, transmitidas – e ainda disponíveis – pelo Facebook, lotaram o Espaço Acadêmico-Cultural Fernando Sabino, do campus Viçosa. Elas também puderam ser acompanhadas pelas comunidades dos campi Florestal e Rio Paranaíba, além do telão instalado no Espaço Multiuso do campus Viçosa. Os convidados foram recepcionados pelo reitor Demetrius David da Silva e pela vice-reitora Rejane Nascentes.
O professor Ildeu, que, em novembro, já havia participado do Simpósio da Pós-Graduação em Física do campus e também do UFV Entrevista, foi o primeiro palestrante da noite. Ele fez uma análise da ciência brasileira nos últimos anos e elencou alguns de seus desafios. Antes, porém, lembrou aos calouros da plateia que eles são o futuro e trazem consigo a expectativa que se tem com relação ao que se deseja para a universidade e o Brasil.
O presidente da SBPC destacou os avanços que a ciência brasileira registrou nas últimas décadas e mostrou que, apesar de suas deficiências, o país tem um sistema científico potente, que, no entanto, está ameaçado por uma série de razões, especialmente pela diminuição de recursos, que vem se agravando desde 2015. Nesse sentido, chamou a atenção para ações coletivas que precisam ser realizadas para que se superem as dificuldades e desafios que se têm pela frente e se tenha a capacidade científica para continuar avançando.
Por meio de gráficos comparativos entre o Brasil e outros países, o presidente da SBPC mostrou a correlação direta que há entre desenvolvimento e crescimento do PIB com a política de educação em ciência e tecnologia apoiada pela continuidade de recursos. Segundo ele, a sociedade brasileira precisa estar ciente das distorções que envolvem a distribuição de recursos federais. Em 2018, por exemplo, o orçamento executado foi de R$ 2.621 trilhões. Desses, apenas 0,24% foi para ciência e tecnologia.
Apesar da crise, o professor Ildeu acredita que ela possa ser revertida, como já aconteceu em outros momentos. Mas, para isso, considera importante pensar que vivemos em um país único, que não pode mais continuar sendo tão desigual, e, como tal, a sociedade tem que discutir grandes projetos nacionais. Dentre eles, a Amazônia, que precisa ter uma ocupação inteligente e sustentável.
Presidente da Andifes
O professor João Carlos Salles ampliou um pouco mais a discussão, lembrando, claro, que a dinâmica da pesquisa precisa ser mantida, mas que não é somente a verba destinada à ciência e tecnologia que está “minguando”. Em sua avaliação, “está havendo uma defasagem orçamentária em relação a um projeto pactuado pela sociedade, que são as universidades”. Ele lembrou que, em 2014, houve uma execução de orçamento de custeio e capital de R$10,3 bilhões. Quatro anos depois, foram R$ 8,6 bilhões, ou seja, R$ 1,7 bilhão a menos no sistema das universidades, sem considerar, dentre outros aspectos, a expansão e a inflação. “Isto é grave para a educação como um todo. Educação não é custo, é investimento; é a aposta do presente no futuro”, afirmou.
O presidente da Andifes ressaltou a importância de se compreender a universidade como um espaço de pesquisa, ensino e extensão e como um “ser ambíguo”, onde se tem, por exemplo, competição por recursos ou prestígio, conflitos, repetições e adoecimento. Mas ela também é, em sua opinião, o lugar da colaboração acadêmica, da criatividade, da superação das diferenças, da ampliação dos direitos e do combate à ignorância. “E é este lugar que está ameaçado”, reforçou. Esta ameaça coloca em risco, projetos como o da UFV e de tantas outras universidades que estavam avançando em suas edificações e na ampliação do número de seus cursos.
Para o reitor da UFBA, nenhum lugar tem a confluência de saberes e a confrontação de gerações, bem como o poder de refletir e definir seus rumos, exercendo sua autonomia, como a universidade. Por isso, em meio a este momento difícil, ele acredita que “só se pode seguir com serenidade, exercendo as responsabilidades, dialogando com as categorias e continuar condenados à utopia da universidade pública”.
Após responder às perguntas da plateia, os palestrantes receberam os agradecimentos do reitor Demetrius David da Silva, que reforçou algumas das reflexões que fizeram. Uma delas diz respeito à forma de lidar com a sociedade. Em sua avaliação, as universidades perderam sim o apoio de uma parcela da sociedade que precisa ser resgatada, mostrando “o que fazemos e o patrimônio que somos para o país”.
O reitor lembrou que, muitas vezes, as universidades são criticadas pelo fato se serem um polo de ciência, tecnologia e inovação e não conseguirem interferir na realidade que as cerca. E comentou: “apesar da pujança da UFV, por exemplo, estamos numa região com um dos menores IDHs de Minas Gerais. Este é um grande desafio”. O professor Demetrius reconhece que esta não é uma missão única da universidade, mas que é preciso fazer muito mais e de forma mais organizada.
Para o reitor, a articulação dos gestores das universidades com os políticos, atuando no Congresso Nacional, é um caminho importante de conscientização sobre as pautas das universidades e para conseguir reverter algumas ações que podem afetá-las. Além disso, considera fundamental a unidade de ações que as universidades vêm tendo, por meio da Andifes. Sem ela, acredita, “nossa situação se torna ainda mais complexa”.