SBPC e Sociedades Científicas Afiliadas discutem ações para 2020

O encontro, que ocorreu na quarta-feira (11) e reuniu cerca de 80 representantes das Sociedades Científicas Afiliadas à SBPC, avaliou o momento atual da ciência e definiu estratégias de ações para ciência, tecnologia, inovação e educação em 2020

foto-geral-forum-afiliadasCerca de 80 representantes das Sociedades Científicas Afiliadas à SBPC se reuniram na última quarta-feira, 11 de março, para avaliar o momento atual da ciência, além de discutir e definir estratégias de ações para ciência, tecnologia, inovação e educação em 2020. Dentre alguns pontos acertados está a criação de três Grupos de Trabalho (GT) que discutirão temas a serem levados ao presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Benedito Aguiar, ao ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), Marcos Pontes, e o último tem o objetivo de debater como as entidades vão atuar juntas nas eleições municipais.

O presidente da SBPC, Ildeu de Castro Moreira, abriu a reunião reiterando a difícil situação do País e a necessidade da comunidade científica se alinhar para tomadas de decisões urgentes. “Precisamos nos articular melhor para não deixar essa situação ruim, em particular nas áreas da educação e da C&T, avançar mais ainda. Temos um imenso potencial científico e precisamos mostrar que é com isso que conseguiremos superar a crise atual”, disse. Moreira solicitou também a todas as sociedades científicas que se mobilizem no enfrentamento do coronavírus – e que a ciência é essencial para isto –  e que divulguem amplamente as informações das autoridades na área de saúde, bem como de especialistas qualificados, em seus sites e redes sociais.

Moreira destacou a atuação da SBPC, em parceria com as entidades científicas, nas questões políticas, como o orçamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a luta contra a fusão com a Capes, a permanência do FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) na Finep e a exclusão dele da PEC dos Fundos, e a revisão da Portaria  227, no artigo que restringia o número de pesquisadores que poderiam receber financiamento para participação em eventos nacionais e internacionais, entre outros. “Tivemos alguns ganhos importantes, mas o orçamento para 2020 para CT&I está muito reduzido e temos que pensar num quadro mais geral das dificuldades que estamos vivendo para avançarmos e não ficarmos apenas apagando incêndios. Precisamos intensificar nossa atuação em Brasília, em particular no Congresso Nacional”, ressaltou.

O presidente da SBPC citou ainda que ele e o presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Luiz Davidovich, se reuniram em dezembro com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro José Antonio Dias Toffoli, para discutir as preocupações com o baixo nível de investimentos em ciência e tecnologia no País. Segundo Moreira, um dos assuntos abordados na conversa com Toffoli foi que a Constituição brasileira não está sendo cumprida no que diz respeito à obrigação do Estado de promover e incentivar o desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e tecnológica e a inovação. O artigo 218, em seu primeiro parágrafo, determina que “a pesquisa científica básica e tecnológica receberá tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o progresso da ciência, tecnologia e inovação”. Se o FNDCT, o principal fundo de recursos para P&D, está com 90% dos recursos contingenciados e até ameaçado de extinção, isto se configuraria em não cumprimento de um preceito constitucional importante.

Nesse sentido, o presidente da SBPC abordou a necessidade de se discutir na sociedade brasileira, e a comunidade científica é um vetor importante para isto,  a construção de um projeto nacional, para além das crises atuais. “Ao mesmo tempo em que a gente resiste em prol da C&T, não podemos deixar de avançar. Nós somos uma parte privilegiada da sociedade brasileira; muitos de nós ocupam cargos públicos dentro de universidades e instituições de pesquisa. Nós temos a responsabilidade de ajudar a se pensar o País de uma maneira mais ampla, e não só nas nossas áreas. Temos a obrigação de refletir um pouco sobre o país em que vivemos e gerar alternativas para o desenvolvimento dele”, disse.

Entre as ações definidas na reunião está a criação de três Grupos de Trabalho para levantamento de problemas e proposição de soluções para os problemas da ciência e educação nas diversas instâncias. “O GT da Capes será necessário para pensar os pontos mais preocupantes que foram abordados na reunião – como os recursos da Capes, a sua reestruturação anunciada e a nova distribuição de bolsas – e de como vamos atuar junto à agência nesse momento. Quanto ao GT do MCTIC, além de levarmos os assuntos pertinentes da comunidade, como a questão do CNPq e da Finep, na próxima reunião com o ministro Marcos Pontes, vamos discutir alternativas para uma ação mais prolongada junto ao governo e ao Congresso”, explicou Moreira.

Quanto ao Grupo de Trabalho das Eleições Municipais, Moreira disse que a ideia é criar um documento didático, explicando porque a ciência, tecnologia e inovação são importantes para os municípios, em particular para a gestão pública, além de colocar algumas questões aos candidatos, como, por exemplo, “Qual a sua política para CT&I no município?” “E a educação científica nas escolas? “Que mecanismos propõe para apoiar o desenvolvimento científico e tecnológico na sua região?”. “É fundamental aproveitarmos esse momento para inserir a ciência e a tecnologia na agenda da gestão pública dos municípios. Saneamento básico, saúde, energia e transporte nas cidades, por exemplo, são pautas que devem ser cobradas com clareza dos candidatos e nas quais a C&T tem um papel relevante. Obviamente, fazendo isto de forma apartidária, como é da natureza das sociedades científicas.”

Américo Bernardes, presidente da Sociedade Brasileira de Metrologia (SBM), sugeriu que os participantes do GT das eleições entrem em contato com a Frente Nacional dos Prefeitos, para facilitar a comunicação com os municípios maiores do País. “A Frente é importante porque conta com municípios com mais de 200 mil habitantes, que têm instituições de ciência ou secretarias de CT&I e que são polos regionais. Outro foco deve ser o Conselho dos Institutos Federais, que contribuiu com uma expansão do ensino científico e tecnológico com instituições superiores em cerca de 600 munícipios. Essas instituições podem dialogar com os candidatos”, afirmou.

O presidente de honra da SBPC, Ennio Candotti, acrescentou que é importante chamar a atenção dos candidatos às Prefeituras Municipais para a importância de financiar a ciência.  Ao lembrar que a SBPC esteve à frente da criação das Fundações de Apoio à Pesquisa (FAPs) nos estados, Candotti sugeriu uma campanha para o financiamento das Fundações de Apoio Municipais. “Temos de buscar o apoio e mobilização da comunidade científica para buscar novos recursos”, disse.

Congresso

O ex-deputado Celso Pansera, coordenador da Iniciativa para Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP.br), fez uma apresentação do trabalho realizado pelo  grupo que reúne várias entidades, dentre elas a SBPC, no Congresso Nacional, junto aos parlamentares. “Temos conseguido frear maiores retrocessos e a SBPC tem sido fundamental nessa luta”, destacou Pansera.

A assessora parlamentar da SBPC, Mariana Mazza, chamou a atenção para as próximas batalhas, entre elas, a votação do MP 914/2019, que altera o processo de escolha dos dirigentes das universidades e dos institutos federais. Mazza também disse que em breve deve sair o Decreto de Fluxo de Pagamento, mais conhecido como Decreto de Contingenciamento. Segundo ela, o Congresso continua discutindo mudanças no orçamento, e ainda não se sabe se isso poderá afetar o setor.

Capes

novo modelo de concessão de bolsas de pós-graduação – mestrado e doutorado – da Capes, divulgado em fevereiro, foi um dos temas mais abordados pelos presentes. Ana Regina Rego, presidente da Federação Brasileira das Associações Científicas e Acadêmicas da Comunicação (Socicom), e Leandro de Oliveira, da Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM), ressaltaram suas preocupações sobre a questão da meritocracia, e do que ela significa, e da falta de participação das entidades nesse processo, principalmente após a declaração do presidente da Capes na parte da manhã do encontro. “Além da questão da meritocracia, que é preocupante, ainda tem a questão das áreas prioritárias, que, segundo ele, ‘deverão estar atentas’ aos grandes problemas da nação. Mesmo assim, acredito que temos de criar uma frente para que a gente vá a todas as instâncias, se for necessário, para influenciar nessas definições”, explica Rego.

Frederico Garcia Fernandes, da Associação Nacional de Pós-Graduação em Letras e Linguística (Anpoll), observou que o novo modelo que a Capes propõe deixa em evidência que haverá um menor número de bolsas direcionadas às ciências humanas em relação a outras áreas. “Não é possível que uma ciência seja comparada a outra. Todas as áreas são importantes e precisam ser olhadas de forma igual. Não podemos confundir questões estratégicas com questões emergenciais”, disse.

Maria Filomena Gregori, da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), lembra que o ano passado o foco era o CNPq. Mas, que este ano a maior preocupação da comunidade deve ser a Capes, por causa dessas mudanças. “Não tem como esse ano não focarmos na Capes. O discurso do presidente da Benedito Aguiar na parte da manhã foi estarrecedor. Ele citou três questões complexas que merecem atenção. Uma delas é a reestruturação geral da Capes sem que isso seja decidido, não apenas pelo Conselho, mas também pelas sociedades científicas. Isso diz respeito a nós. São as Sociedade Científicas que apoiam e fazem a avaliação. E de repente ele faz um discurso como se tivesse um governo a parte?”, disse.

O presidente Reinaldo Ramos de Carvalho, presidente da Sociedade Astronômica Brasileira (SAB), ressaltou que seria importante que encontros mais aprofundados ocorressem com as direções das agências, em particular com a Capes, para que a comunidade científica pudesse contribuir de forma mais efetiva. “Esses Grupos de Trabalho serão ótimos para discutir pontos importantes, e assim, levá-los para as próximas reuniões. As nossas articulações precisam ser mais focadas e assertivas”, disse.

Prioridades

Outro assunto discutido no encontro foi sobre a inovação, e a necessidade de debater seu papel hoje. Maíra Baumgarten, presidente da Associação Brasileira de Estudos Sociais das Ciências e das Tecnologias (Esocite/BR) e conselheira da SBPC, corrobora com a ideia de articulação da comunidade científica para a criação de um Projeto de País. “Mas, dentro dessa conjuntura, é preciso avançarmos em alguns pontos, dentre eles a ampliação do entendimento da inovação. Por muito tempo, ela foi vista como uma grande saída para o País. A proposta é debater mais temas sobre o assunto para ampliar o entendimento para o Estado”, explica. Baumgarten registrou que muitas vezes se pensa de forma restrita no conceito de inovação, dando destaque apenas ao componente de inovação tecnológica. Ressaltou, também, que é necessário e fundamental discutir a avaliação da pós-graduação e pensar indicadores mais adequados à realidade social brasileira.

Outro que abordou a questão da inovação foi Carlos Martins, da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo (Andaparq). “Eu concordo com o Ildeu que, além de resistir, é preciso seguir adiante. E no meu juízo, ir adiante também passa pela inovação. Eu me preocupo com como a comunidade científica está reagindo ao tema. Nós temos aceitado de forma passiva a visão unidimensional de inovação, universidade x empresa. Mas temos que deixar claro que a inovação é importante, desde que ela seja compreendida de maneira mais ampla já que o tema é relevante para todas as áreas”, disse.

Jonny da Ferreira, da Associação Brasileira de Centros e Museus de Ciência (ABCMC), ressaltou que, por conta das reduções de recursos da Capes e do CNPq, a formação de professores e a popularização da ciência estão sendo prejudicadas. “A formação de professores de qualidade é extremamente importante para que se tenha um crescimento cientifico e que a gente conquiste alunos para atuarem nas áreas de ciências. Estamos preocupados com os programas de bolsas como as de Residência Pedagógica e o Pibid (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência)”, disse.

Já Jacob Carlos Lima, presidente da Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS), citou os ataques sofridos por algumas disciplinas, como Sociologia e História, além dos questionamentos aos recursos destinados aos estudos nas ciências humanas. “Não adianta fazer apenas notas de repúdio. Temos de ter ações mais efetivas e concretas de enfrentamento porque o projeto deles (do governo) é de desmonte”, afirmou.

Rochele de Quadros Loguercio, presidente da Associação Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências (Abrapec), também destacou que existe um plano de desmonte da ciência por parte do governo. “Os três participantes da manhã falaram sobre a questão da indústria, que é necessário formar mestres e doutores para a indústria. Mas, no meu entendimento, o que existe é um desmonte do conhecimento. Esse governo faz sistematicamente ataques a todas as áreas com o interesse de alimentar uma indústria que não é a nacional”, disse.

Moreira aproveitou o encontro para convidar a comunidade científica a se mobilizar para organizar ações de reflexão sobre o passado, o presente e o futuro do País relacionadas com as comemorações do Bicentenário da Independência do Brasil. “Na época do primeiro centenário, em 1922, houve uma movimentação importante da comunidade científica, então muito reduzida, de intelectuais, de artistas e de setores progressistas da sociedade e muitas ações ocorreram nos anos seguintes que contribuíram para uma mudança significativa no País. Tenho certeza de que desta vez poderá ocorrer algo similar. Depende de nós”, disse.

Vivian Costa – Jornal da Ciência