Os maiores cientistas e pesquisadores brasileiros na área de saúde (sanitaristas, epidemiologistas, infectologistas) que participaram da Marcha Virtual pela Ciência deram o recado: não é hora de sair do isolamento. Foi durante o primeiro painel de debates da Marcha Virtual pela Ciência, que começou às 10h30 e terminou 12hs.
No mesmo horário, em Brasília, o presidente Jair Bolsonaro levava um grupo de empresários ao Supremo Tribunal Federal para pressionar pela redução das medidas de isolamento social que, na visão dele, estão prejudicando a economia.
Organizada pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), junto a suas Secretarias Regionais e mais de 140 Sociedades Científicas Afiliadas, além de mais de 100 instituições científicas e acadêmicas de todo o País, a Marcha Virtual pela Ciência aconteceu na última quinta-feira, 7 de maio. Esta manifestação em defesa da ciência, da educação, da saúde e da vida foi realizada em ambientes virtuais, respeitando a orientação da Organização Mundial da Saúde, de isolamento social para conter a disseminação do coronavírus.
Na primeira programação de âmbito nacional, o painel de debates “O enfrentamento da pandemia de Covid-19 no Brasil”, a presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Nísia Trindade, foi clara: “o problema da pandemia não vai se resolver a curto prazo”. A Fiocruz é uma das instituições que estão à frente dos esforços de combate à covid-19. Segundo Trindade, enquanto não houver uma vacina e meios adequados de prevenção, aliados ao uso de máscaras e todas as demais recomendações (higienização, distanciamento social, isolamento dos grupos de risco, etc.) a vigilância terá que ser permanente, agora e nas próximas fases.
“Não será possível a ideia de que voltaremos a uma normalidade (em breve) ” reiterou Nísia Trindade, ao pedir que a comunidade científica reforce esse ponto de forma clara para a sociedade.
O painel foi apresentado pelo epidemiologista Cesar Victora, da UFPEL, pelo professor de genética molecular da UFRJ, Amilcar Tanuri, pelo diretor da Escola Paulista de Medicina da Unifesp, Manoel Girão, e por Arnaldo Colombo, professor e pesquisador de doenças infecciosas da Unifesp. (Leia mais aqui)
Além dos apresentadores, o debate online contou com cinco debatedores – Nísia Trindade, presidente da Fiocruz; Gulnar Azevedo e Silva, presidente da Abrasco, Unaí Tupinambás, médico infectologista e professor da UFMG; Margareth Dalcolmo pneumologista e pesquisadora da Fiocruz; e Fernando Spilki, presidente da Sociedade Brasileira de Virologia.
A mensagem de Trindade foi reiterada por Fernando Spilki, presidente da Sociedade Brasileira de Virologia (SBV) que alertou os profissionais, pesquisadores, estudantes e o poder público: “Estamos no início desse desafio (o combate à pandemia). Cuidado com pequenas vitorias aqui ali que temos obtido”.
Spilki chamou a atenção para o fato de que o Brasil está agora entrando no inverno, estação que tradicionalmente agrava as doenças respiratórias. “Temos um longo caminho pela frente, peço a mesma coragem que os nossos jovens virologistas e cientistas de outras áreas têm demonstrado. A sociedade precisa muito de nós todos e ainda vai precisar por um bom tempo”, afirmou o presidente da SBV.
Os participantes do painel foram enfáticos na defesa de maiores investimentos em saúde, educação, ciência e tecnologia para enfrentar a pandemia. “Precisamos de fomento contínuo e de formação de recursos humanos, não adiantaria ter recursos para laboratórios, se não tivéssemos formado ao longo desse tempo, jovens talentosos que são capazes dar uma resposta imediata a esse desafio”, afirmou Spilki. Ele se referia às centenas de estudantes que estão trabalhando voluntariamente nos centros de pesquisa que estão desenvolvendo estudos para combater o Sars-Cov2.
“Não tenho dúvida que financiamento da educação, saúde, ciência e tecnologia deve ser visto como prioridade e isso está sendo muito claro nessa dificuldade que estamos passando”, acrescentou o infectologista Arnaldo Lopes Colombo, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
“O Brasil hoje é capaz de mostrar competência, capacidade de resposta científica rápida à pandemia mais grave dos últimos cem anos”, afirmou a presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Gulnar Azevedo e Silva. Ela pediu mais investimentos para a área de pesquisa e saúde, incluindo o Sistema Único de Saúde (SUS), que tem feito frente à grande demanda da população.
“Com todos os problemas e apesar de todas as desigualdades”, disse Silva, o SUS aumentou o acesso da população à saúde, mesmo que há anos venha perdendo recursos.
Unaí Tupinambás, do Departamento de Clínica Médica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), relatou a experiência de Belo Horizonte, onde, segundo ele, um “lockdown” rigoroso tornou a situação da cidade mais tranquila que no resto do país, graças a um programa de medidas em parceria com a prefeitura.
“O desafio é preparar a sociedade para sair (do isolamento)”, disse Tupinambás, que defendeu a revogação da emenda do Teto de Gastos (EC 95/2016) para ampliar os investimentos do governo em educação e saúde. O infectologista convocou a SBPC e as universidades para trabalharem juntos no desenho de uma saída. “Ainda vamos conviver por muito tempo (com a doença), vamos ter uma segunda onda, uma terceira onda. Temos que redesenhar, mudar a chave”, sugeriu.
Criticando a perda de financiamento da ciência e da saúde, a pneumologista Margareth Dalcomo, da Fiocruz, destacou o lado positivo da crise que é a valorização da ciência junto à sociedade e o surgimento da cultura de doações. “A doação é comum nos Estados Unidos, mas o Brasil nunca teve, hoje vemos que é necessária, é um aprendizado que estamos trazendo”, afirmou.
Assista ao debate na íntegra:
https://www.youtube.com/watch?v=3pweFjM8nqA&feature=youtu.be
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Janes Rocha – Jornal da Ciência