Por Janaína Simões
29/4/2012 – Os estudos do potencial do uso de produtos naturais para terapia contra o câncer precisam também analisar os efeitos dos mesmos sobre as células saudáveis. Do contrário, se o foco se mantiver apenas nas células tumorais, terão o mesmo problema dos efeitos adversos dos tratamentos convencionais. É o que alertou o chefe do Laboratório de Neuroendocrinologia do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), Anderson Manoel Herculano, em conferência realizada no dia 28 de abril na Reunião Regional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em Oriximiná (PA).
Segundo ele, no Brasil, predominam os cânceres de próstata, no caso dos homens, e de mama e colo de útero, no caso das mulheres. Os índices são alarmantes. As projeções do Ministério da Saúde indicam que, este ano, 323 mil casos de câncer devem ser diagnosticados no País. O Pará registra o maior índice de câncer gástrico do Brasil. “Muitos atribuem o fato ao hábito alimentar na região”, comentou. Por outro lado, o Estado tem toda a floresta amazônica para explorar os potenciais da biodiversidade para encontrar tratamentos alternativos para a doença.
Um exemplo são os estudos que investigam substâncias com alto teor de vitamina C e antioxidantes (a ciência já identificou que processos de estresse oxidativo têm capacidade de promover alterações de DNA) – substâncias que pertencem às lignanas, um óleo vegetal natural presente, por exemplo, na linhaça, e os flavonóides.
“São algumas substâncias que estão mostrando alto potencial terapêutico, mas é importante fazer estudos para avaliar potencial risco desses produtos naturais também em células normais”, apontou. Os tratamentos existentes atualmente afetam as células saudáveis, gerando muitos efeitos colaterais. Muitas pesquisas sobre produtos naturais repetem o problema: focam apenas a ação nas células tumorais. O ideal, para o pesquisador, é que os produtos naturais em estudo sejam realmente uma alternativa para as drogas já existentes, superando os efeitos adversos observados nos tratamentos atuais.
Câncer: células “desprogramadas”
Em sua conferência, intitulada “Produtos naturais e terapia contra o câncer”, Herculano explicou como se dá o processo de formação de neoplasia. O nome câncer foi dado à doença após observações de formação de massa celular com aspecto semelhante ao caranguejo. O câncer é o crescimento desordenado e descontrolado de uma linhagem celular particular – em geral uma linhagem que não deveria estar se duplicando.
As células são programadas geneticamente para morrer, processo chamado de senescência celular. Uma célula neoplásica é aquela que perdeu sua capacidade de controlar o processo de morte celular e o número de divisões. Uma célula da pele, que se renova mais rapidamente tem uma senescência muito menor que um neurônio do sistema nervoso central, por exemplo.
As células neoplásicas vivem mais tempo do que deveriam viver no tecido e, ao apresentar total descontrole da divisão celular, formam as massas de tecido. O grau de severidade do tumor está associado a esse descontrole e formação. “Dependendo da situação, essa massa celular começa a comprometer a homeostasia de um órgão”, explicou. Homeostasia é o conjunto de processos de auto-regulação de um organismo que tem por objetivo manter uma condição estável, de equilíbrio.
A metástase ocorre quando células do tecido afetado caem na corrente sanguínea e migram para diferentes partes do organismo. Elas começam a duplicar, crescem mais rapidamente do que as células normais do tecido onde se instalaram, passam a integrar partes desse tecido e afetam o estado de homeostasia do órgão para onde migraram.
O processo de formação do câncer
Para entender o câncer, os pesquisadores precisaram pesquisar a fundo quais fatores regulam a perda da senescência pela célula, ou seja, sua capacidade de controlar o ciclo celular. O núcleo da célula tem comportamentos diferentes ao longo do ciclo e um refinado controle intracelular do processo. Esse controle do ciclo é sensível ao que ocorre no entorno da célula, ou seja, no meio ambiente em que a célula está inserida.
A membrana celular representa uma barreira física que faz comunicação entre meio intra e extracelular. Substâncias que ficaram nesse meio ambiente por longo tempo vão entrar em contato com essa parede, gerando estímulos para proteínas da célula que vão influenciar o núcleo da mesma, justamente a organela que regula ciclo celular. Isso pode provocar a má formação de proteína pela membrana celular, acelerando o processo de mitose, a divisão celular, desencadeando o processo neoplásico caso o sistema imunológico não reconheça a proteína defeituosa e elimine a célula.
Se as células vivem em ambiente que as estimulam a produzir muitas proteínas com defeito, aumenta a chance de o organismo não reconhecer as proteínas mal formadas, permitindo a sobrevivência das células que perderam a capacidade de controlar seu ciclo de vida.
Sabe-se também que as ciclinas são proteínas relacionadas com regulação do ciclo celular – controlam ocorrência e velocidade do ciclo, que é dividido em etapas. “Se tem um fator ambiental que reduz a expressão de ciclina na fase I, por exemplo, pode haver redução dessa etapa do ciclo. Ao haver essa redução de fase, você tem uma aceleração de todo o processo”, completou. Essa aceleração tem outro efeito colateral: as enzimas corretoras não têm tempo para fazer seu trabalho, a célula perde capacidade de rever erros e corrigir falhas no ciclo e mutações ocorrem mais frequentemente, ampliando as chances da formação neoplásica.
As substâncias contidas no fumo, por exemplo, podem causar mutação do gene que sintetiza a ciclina, fazendo a célula entrar precocemente em fases mais avançadas do ciclo. Outras células começam a fazer o mesmo processo, o que provoca a formação de uma massa de célula que se divide mais rapidamente do que outras, um prenúncio de neoplasia. “Se há migração das células para outros órgãos, temos a metástase”, comenta.
Como a morte celular influencia na formação do câncer
Um fenômeno celular importante na senescência é a apoptose, a morte celular programada ou morte silenciosa da célula. Um dos processos que deflagram apoptose é a presença de fragmentos de DNA no citosol, líquido que preenche o citoplasma, espaço entre a membrana plasmática e o núcleo, e onde ficam o retículo endoplasmático e outras organelas da célula. Quando as enzimas fazem a checagem e detectam fragmentos de DNA, uma ordem é enviada ao núcleo celular, dizendo que essa célula tem de morrer. Mas pode haver um erro de comunicação e a ordem da apoptose se transformar em uma sinalização para que a célula entre na fase da multiplicação, podendo desencadear um processo neoplásico.
Outro processo de morte celular é a necrose. A célula, nesse caso, morre por causa de uma agressão, que provoca vazamento do conteúdo do citoplasma. “No caso das terapias para tratar o câncer, o tipo de morte que o agente terapêutico vai gerar é muito importante. Se administrar algo que gera necrose na região, a pessoa pode morrer. A droga, para ser eficiente, não pode gerar necrose, mas apoptose”, explicou.
As terapias de controle e tratamento – quimio e radioterapia – se baseiam em fármacos com capacidade de se intercalar no DNA, se aproveitando do fato de uma célula neoplásica ter grande capacidade de multiplicação. “Quando a célula duplica, ela incorpora o fármaco no DNA. Na incorporação, o metabolismo faz a célula começar a se degradar”, descreveu.
Há um inconveniente nessa terapia: a divisão a taxas elevadas não é um privilégio da célula neoplásica. Várias outras células saudáveis fazem o mesmo. “Por isso os pacientes em tratamento sofrem com queda de cabelo, por exemplo. As células apropriadas à produção de cabelo se multiplicam rapidamente e incorporam o fármaco”, acrescentou. Ao incorporar o fármaco, as células ligadas à produção de cabelo se degradam, e os cabelos caem.
Aí entram os produtos naturais. “São fortes candidatos para quimio ou outra terapia”, defendeu. Os pesquisadores buscam novas drogas com alguns pré requisitos para que sejam mais vantajosos do que os tratamentos existentes: não podem exercer toxicidade em células normais, do contrário, promove dano generalizado; precisam promover a morte celular por apoptose; não podem gerar necrose nem induzir a eventos genotóxicos, ou seja, não pode provocar alterações no DNA, do contrário pode estar gerando mais chances de neoplasia.