Por Janaína Simões
2/5/2012 – A resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE) que obriga as instituições de ensino superior, federais e privadas, a terem dois cursos de mestrado e quatro de doutorado até 2016 para manterem o título de universidade mobiliza o sistema de ensino superior da Região Norte. O alerta sobre as dificuldades para se cumprir a meta foi dado por Selma Baçal, pró-reitora de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), que destacou a ausência de cursos de doutorado em parte das universidades federais presentes na Região Norte do Brasil.
“Este é um drama que vivem os reitores e pró-reitores de pós graduação, cujas instituições correm o risco de passar para categorias de faculdades isoladas”, afirmou ela, durante participação na mesa-redonda “Pós-graduação Stricto Sensu: Demanda Amazônica”, evento que encerrou a programação da Reunião Regional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) realizada entre os dias 27 e 29 de abril no campus avançado da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), na cidade de Oriximiná (PA). Além de Selma Baçal participaram da mesa-redonda Claudio Guedes Salgado, professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), e Rodrigo da Silva, professor da UFOPA.
Entre as instituições citadas por Selma Baçal que precisam se estruturar para atingir as metas obrigatórias para 2016 estão universidades como a Federal do Acre e de Roraima, por exemplo. Ambas não têm cursos de doutorado e precisam organizá-los em um curto espaço de tempo, tarefa difícil dada a falta de professores com grau de doutor para lecionarem, entre outros problemas do ensino superior na região. Segundo ela, dois grandes desafios se impõem para o sistema de ensino superior: a formação, atração e fixação de recursos humanos e a obtenção de recursos para bolsas e infraestrutura para ensino e pesquisa.
As carências da região amazônica
Em sua apresentação, Rodrigo da Silva, da UFOPA, pontuou as dificuldades enfrentadas pela região amazônica no desenvolvimento de um sistema de pós-graduação mais robusto. “Curso de pós não se faz sem ter uma base científica, sem ter pesquisa de qualidade instalada. Qualidade se faz com a natureza humana de que a gente dispõe nesses cursos, mas é preciso estabelecer condições de pesquisa adequadas”, destacou.
“Temos de assumir as dificuldades que temos, e são muitas. Precisamos da união dos nossos gestores de universidades, que devem correr atrás dessa capacitação de infraestrutura física para garantir velocidade maior em termos de ganhos de quantidade e qualidade nas pesquisas”, acrescentou. Par ele, um dos principais desafios é atrair doutores para as instituições da região, capazes de formar grupos de pesquisa nas diferentes áreas do conhecimento. Mas convencer os pesquisadores a irem para a Região Norte depende de fornecer condições adequadas de trabalho. “Em Manaus, por exemplo, só no ano passado chegou a banda larga de verdade, ou seja, com qualidade, e ainda assim existem dificuldades nas conexões”, exemplificou.
O professor também falou da grande dificuldade de separar laboratórios de pesquisa para uso da graduação. “Temos de qualificar nossos graduandos, trazer desde cedo os alunos para dentro dos laboratórios de pesquisa”, recomendou. Outro problema é que muito ainda precisa ser construído na Amazônia. “Tem doutores que querem chegar na região e já produzir. Não querem chegar e ter que construir prédios”, disse, acrescentando que existe ainda um problema político. Quando muda a administração, é comum mudarem também os pesquisadores de instituição, depois dos docentes terem lutado para constituir um centro de pesquisa.
Ele também falou que os quesitos de produtividade das agências de fomento não levam em conta as horas de esforço e trabalho que um pesquisador tem para constituir um novo centro de pesquisa em uma universidade. “Aqui no Norte temos uma série de dificuldades que não são levados em conta: quantos laboratórios você teve de ajudar a montar?”, questionou. “Na nossa região, temos de formar as pessoas, não adianta achar que vamos ganhar em quantidade e qualidade trazendo pessoas do Centro-Sul, mas nada disso é levado em conta. Orientamos alunos da iniciação científica júnior, mas não tem espaço para colocar esse dado no Lattes”, comentou.
Ainda sobre a questão de infraestrutura, Silva lembrou que a UFOPA, por exemplo, conseguiu uma série de equipamentos, mas vários ainda estão encaixotados porque não há local construído para serem instalados. “Também faltam técnicos para manipular e fazer a manutenção dos equipamentos. Precisamos de planejamento e reconhecimento dos gestores dos institutos de pesquisa para que invistam nisso”, prosseguiu.
O pesquisador também lamentou a situação da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Pará (Fapespa), que ainda não conseguiu garantir um volume estável no orçamento, e deu como contra-exemplo a fundação do Amazonas (Fapeam), que já assegura percentuais constantes da receita do Estado para financiar suas atividades. Acrescentou, ainda, que a atual política do CNPq de vincular os editais com as FAPs está prejudicando os Estados com fundações ainda não consolidadas. “Em uma FAP nova, o CNPq deveria entrar com um aporte maior. Os grandes editais, ficam limitados à Fapemig, Faperj e Fapesp”, apontou, citando as fundações de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo.
Outro problema para os bolsistas de pós-graduação da Região Norte está no fato de os editais não contemplarem as necessidades regionais, especialmente a questão da logística. Os pesquisadores precisam fazer, em geral, muito trabalho de campo, mas as agências de fomento não financiam de maneira adequada as despesas com transporte, um aspecto crítico para quem mora na Região Norte. “Ter editais mais específicos, direcionados para a Região Norte podia ajudar”, analisou, citando a questão também da pesquisa interdisciplinar, uma característica dos grupos de pesquisa da região, dada a complexidade das questões relacionadas à Amazônia.
A expansão da pós-graduação na região, em números
Como coordenador da mesa-redonda, Claudio Guedes Salgado comparou números nacionais com os indicadores da Região Norte no que se relaciona a pós-graduação. Enquanto no Sudeste o maior número de bolsas é concedido para a área de saúde, no Norte são para as áreas biológica e humanas, segundo dados levantados junto à Capes. Ele contou ainda que, no ano 2000, a Capes concedeu 20.490 bolsas no total, sendo 311 delas para a Amazônia, e 13.535 para o Sudeste. Em 2010, o total de bolsas foi de 58.107, sendo 4.501 delas para a Amazônia e 26.760 para o Sudeste.
Também se expandiu o número de programas de pesquisa. Em 2000, eram 1.440 programas no Brasil, 39 deles na Amazônia e 865 no Sudeste. Dez anos depois, o total de programas, no nível nacional, era de 2.840 – 186 deles na Amazônia e 1.381 no Sudeste. “Houve avanço no número de bolsas, mas esse avanço não necessariamente se reflete mudança na equidade existente entre as diferentes regiões”, comentou.
“Está havendo expansão na região amazônica, surgindo cursos novos, mas a qualidade é um problema”, destacou. Na região amazônica não há cursos com nota máxima da Capes, que é sete, durante o período 2000 a 2010, enquanto no Sudeste havia 18 cursos nota sete em 2000, e 97 em 2010. Salgado disse que existe um grupo de pessoas que defende que qualidade se atinge no longo prazo. “Mas temos de acelerar, transformá-lo em médio ou curto prazo”, prosseguiu.
Ele também destacou que 55% dos recursos aplicados pelo CNPq foram para o Sudeste e 3,34% para os Estados do Norte. Os indicadores mostram que os recursos para o Norte aumentam, mas o percentual dos investimentos feitos na região em relação ao total se mantém na casa dos 2% a 3%. “Há demanda, pois vemos que os projetos estão sendo enviados. Os indicadores mostram que cerca de 3% dos projetos enviados para os editais CNPq, em média, são do Norte. Precisamos discutir como podemos alterar esse quadro”, afirmou.