Como sintonizar a educação com os avanços tecnológicos, as demandas da sociedade e as mudanças impostas pela pandemia do novo coronavírus. Essa foi a reflexão feita por cinco especialistas em educação convidados para o painel da quarta-feira (15/7) da Mini Reunião Anual Virtual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
Para debater “A educação nos novos tempos”, a SBPC trouxe os professores Suzani Cassiani, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); Claudia Costin, da Fundação Getúlio Vargas (FGV); Carlos Eduardo Bielschowsky da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Maria Beatriz Luce, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
O debate foi coordenado pelo professor da Universidade Federal do Ceará, Francisco Herbert Lima Vasconcelos, atualmente secretário de Educação do município de Sobral, que vem se destacando por bons índices de desempenho no ensino fundamental.
Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica da UFSC, Suzani Cassiani questionou a forma como o ensino de ciência e tecnologia tem sido aplicado na superação de questões tão marcantes do mundo contemporâneo como a fome, o meio ambiente e o racismo e outras opressões.
A provocação, disse ela, é pensar em um ensino de ciências tanto fundamental, quanto médio e superior, abordando questões relevantes da realidade de um país desigual como o Brasil. “Por exemplo, quando vamos falar de nutrição no ensino de ciências, a gente nunca fala de fome. Às vezes a criança está com fome ali na escola e a gente está falando de alimentação saudável”. Cassiani propôs que a educação cientifica e tecnológica considere a luta contra as injustiças sociais, dando visibilidade aos discursos contra a opressão.
Fora da caixa
Além do conteúdo, os especialistas discutiram a forma da retomada das aulas pós-pandemia e o papel do Ensino a Distância (EAD) que se impôs diante da recomendação de isolamento social. Para a professora Claudia Costin, há uma necessidade de reinvenção, não apenas dos professores, mas também dos alunos, gestores e o próprio Ministério da Educação (MEC), que tem sido o grande ausente desde o início da pandemia.
“A crise é um grande momento para pensar fora da caixa”, afirmou Costin, destacando um ponto positivo que foi o resgate da valorização dos professores pelos pais, que nestes quatro meses foram obrigados a ficar o dia inteiro com as crianças e orientá-las nos estudos.
Mestre em Economia Aplicada, ex-ministra de Administração e Reforma do Estado e ex-diretora global de Educação do Banco Mundial, Costin destacou o esforço de secretários estaduais para organizar a volta às aulas. Segundo ela, o retorno dos alunos tem que ser escalonado, já que o vírus ainda estará no ar e uma vacina não deve chegar esse ano.
“Tem que começar pelos mais velhos, que podem aprender os protocolos e ensinar os menores”, afirmou. Segundo ela, nenhum país iniciou a volta pelas creches, pois é quase impossível evitar o contato entre crianças pequenas e delas com os cuidadores. Entre as condições para uma volta segura às aulas, Costin recomendou um cuidado especial com a saúde mental dos professores, sob a orientação de psicólogos, e uma conversa franca envolvendo docentes e alunos sobre o que se aprendeu com a pandemia.
Outra lição da pandemia, afirmou Costin, é a necessidade urgente de ampliar a conectividade e a inclusão digital dos professores e alunos, dentro e fora da escola. “Ficou claro que a conectividade de escolas e residências virou prioridade, que deveria virar um serviço público, universalizado”.
Público x privado
Carlos Eduardo Bielschowsky apresentou estudos que avaliam e comparam os resultados do ensino superior público e privado, tanto na modalidade presencial quanto EAD. Doutor em física pelo Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), ex-secretário de Educação a Distância (Seed) do MEC, Bielchowsky disse ver duas tendências no cenário dos novos tempos da educação: a estagnação do crescimento no ensino superior público e evidências da precarização do ensino superior privado. Também chamou a atenção para uma mudança de postura docente com o ensino remoto emergencial.
No setor público, as evidências são de que o ciclo de inclusão, que fez triplicar o número de matrículas entre 1999 e 2016, chegou ao fim. No ensino privado, a concentração em poucos grupos ofertantes é o que pode precarizar o ensino, afirmou o pesquisador. Segundo ele, os dez maiores grupos privados tinham 3,64 milhões de alunos em 2018, o que representava 36% do total. Destes, 24% estavam em cursos presenciais e 75% em EAD. “Isso é preocupante quando olhamos a questão da qualidade”, comentou.
Apontando para a correlação entre qualidade e concentração de matrículas em poucos grupos, o professor apresentou um quadro dos resultados do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) entre 2016 e 2018, em um universo de mais de 1,1 milhão de alunos participantes. Praticamente 98% dos 473 mil alunos do grupo Kroton e 86% dos 224 mil alunos da Unip – ambos na modalidade EAD – estão em cursos com Enade 1 ou 2, os de qualidade inferior. “Ou seja, claramente, a cartelização do ensino superior com forte utilização de EAD não está favorecendo a qualidade do ensino”, afirmou Bielschowsky.
O especialista disse não ser contra o EAD, mas que a simples transposição da técnica presencial para uma tela de computador ou de celular é um problema sério porque não é atrativo para o aluno. “Para uma boa educação a distância é preciso uma postura didática diferente, com capacitação dos docentes, com uma equipe interdisciplinar e apoio logístico”.
Política de Estado
No contexto atual de ausência do MEC como formulador de diretrizes, a pedagoga Maria Beatriz Luce, ex-secretária de educação básica do Ministério, ressaltou a importância da participação e representação no debate de um projeto democrático de ensino.
Partindo do princípio de educação como uma política de Estado, não de governo, o desafio, disse ela, é pensar dentro de um marco de ética, respeito às culturas e ao meio ambiente. “Temos que pensar política educacional sempre reconhecendo que é um campo de tensão permanente entre o direito à educação, a conquista de mais direitos, igualdade de condições no acesso e o dever do estado, com a participação da sociedade”, afirmou.
Para a volta às aulas pós-pandemia, Luce defendeu a valorização do debate na comunidade escolar e acadêmica. “Não queremos voltar à normalidade sem uma agenda mais forte, mais debatida.”
Assista ao debate na íntegra no canal da SBPC no YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=vCR3DkInx5A
A Mini Reunião Anual Virtual da SBPC segue por toda a semana e maiores informações podem ser obtidas acessando este link: http://ra.sbpcnet.org.br/mini-ravirtual/
Jornal da Ciência