“Congresso pode alterar prioridades definidas pelo governo e favorecer a ciência no Orçamento”

Ildeu de Castro Moreira, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), conversa com a Agência Senado sobre a preocupante proposta orçamentária prevista para o setor em 2021 e a luta da comunidade científica para sensibilizar parlamentares e reverter o quadro de crise. "É por meio da ciência que podemos construir um projeto de país para as próximas décadas. Os países que fizeram isso avançaram"

O presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ildeu de Castro Moreira, concedeu uma entrevista à Agência Senado na qual conversou sobre a proposta de Lei Orçamentária 2021 apresentada pelo governo que prevê cortes ainda mais profundos para a ciência e tecnologia brasileiras. A comunidade científica está em intenso diálogo com o Congresso Nacional para sensibilizar os parlamentares sobre as graves consequências do desfinanciamento do setor para o desenvolvimento do País. “É por meio da ciência que podemos construir um projeto de país para as próximas décadas. Os países que fizeram isso avançaram”, afirma Moreira. Leia abaixo a entrevista:

Agência Senado – A pandemia do novo coronavírus fez as pessoas acordarem para a importância da ciência?

Ildeu de Castro Moreira – Acredito que sim. Principalmente em razão da esperada vacina, o termo “ciência e tecnologia” se espalhou como nunca nos meios de comunicação e nas redes sociais. Isso é positivo. Ficou claro para as pessoas que a ciência é fundamental para enfrentar uma tragédia destas. Mas parece que não há a mesma consciência no governo brasileiro. Os países, em geral, estão investindo muitos recursos contra a covid-19. O Brasil, porém, tem investido muito pouco. Houve um edital recente do CNPq para financiar projetos ligados ao enfrentamento do vírus. Se todos os projetos apresentados fossem atendidos, exigiriam R$ 1,7 bilhão. Apenas os projetos de alta qualidade, aqueles recomendados por mérito, demandariam R$ 600 milhões. O edital, contudo, só disponibilizou R$ 50 milhões. Em meio a uma pandemia que já matou 140 mil brasileiros e vai matar mais, essa escassez de recursos é um absurdo.

Havia a expectativa de que a situação da ciência melhoraria quando o Ministério da Ciência e Tecnologia foi assumido pelo astronauta Marcos Pontes, um egresso do meio acadêmico e científico?

Sempre esperamos que a situação melhore, independentemente da origem do ministro. Já tivemos excelentes ministros cientistas, como Sergio Rezende e Marco Antonio Raupp, e também excelentes ministros de perfil político, como Ronaldo Sardenberg e Eduardo Campos. Temos um canal direto de diálogo com o atual ministro. Fazemos críticas, apresentamos sugestões. O problema é que, quando a questão financeira chega ao Ministério da Economia, a coisa fica difícil, porque predomina o “terraplanismo econômico”, aquela visão estreita que não alcança a importância da ciência. O Ministério da Ciência e Tecnologia continua sendo frágil dentro do governo, com recursos muito esvaídos, e precisa brigar para ter mais força política e orçamento.

O que o Senado e a Câmara dos Deputados podem fazer?

O primeiro passo é aprovar o projeto de lei do senador Izalci Lucas que impede o contingenciamento dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico [FNDCT]. Neste ano, 90% do fundo está contingenciado, o que é inaceitável. O projeto já foi aprovado pelo Senado e agora depende da Câmara. O segundo passo que o Parlamento deve dar é injetar recursos na ciência. Todo ano, nós, as entidades científicas, vamos ao Congresso explicar aos parlamentares que o setor precisa de mais verbas. Sempre conseguimos contar com a sensibilidade dos senadores e dos deputados, e algumas correções são feitas no projeto de lei do Orçamento do ano seguinte. No entanto, são correções pequenas. O Congresso deveria ser mais firme e assumir a sua missão de discutir as prioridades do país e fazer as mudanças necessárias. Nas discussões do projeto orçamentário do governo, as prioridades podem ser mudadas, recursos de uma área podem ir para outra. O Congresso não é obrigado a acatar a vontade da área econômica do governo. Nos Estados Unidos, o presidente Donald Trump tentou reduzir as verbas para ciência no ano passado, mas os dois partidos majoritários do Congresso se uniram e impediram que isso ocorresse.

Tendo mais recursos, a ciência brasileira vai mesmo crescer?

Sem dúvida. O Brasil tem um potencial gigantesco sendo desperdiçado. Veja toda a biodiversidade da Amazônia. Em vez de ser apropriada e explorada economicamente de forma sustentável, ela está sendo derrubada, queimada, destruída. Curiosamente, o Brasil até hoje não tem um grande programa nacional para a Amazônia. Também não tem um grande programa nacional para o mar ou para a energia renovável, apesar de todo o potencial. É por meio da ciência que podemos construir um projeto de país para as próximas décadas. Os países que fizeram isso avançaram. A China tinha o mesmo PIB do Brasil em 1995. A riqueza de um cidadão sul-coreano era a mesma de um cidadão brasileiro 30 anos atrás. A China e a Coreia do Sul, ao contrário do Brasil, apostaram pesadamente em ciência e educação. Veja onde estão agora.

Agência Senado