A heparina, medicamentos anticoagulante que tem uma sólida base científica, pode impedir que o novo coronavírus invada as células. É o que mostraram testes conduzidos por pesquisadores do Instituto de Farmacologia e Biologia Molecular da Universidade Federal de São Paulo (Infar/Unifesp). O estudo é coordenado pela cientista vencedora do 1º Prêmio Carolina Bori “Ciência & Mulher”, a professora titular da Unifesp, presidente de honra da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Helena Bonciani Nader. A declaração foi feita em sua conferência “Heparina: medicamento centenário e racional para uso em covid-19″, durante o segundo ciclo da 72ª Reunião Anual da SBPC. A atividade foi apresentada pela vice-presidente da SBPC, Fernanda Sobral, e contou também com a presença do presidente da entidade, Ildeu de Castro Moreira.
Nader comanda o grupo que é referência mundial nas pesquisas sobre a heparina, polissacarídeo conhecido por sua ação como anticoagulante. Em sua palestra, ela citou o estudo conduzido por pesquisadores da Unifesp e colaboradores europeus, que revela o possível uso da substância no tratamento da covid-19. Segundo a pesquisadora, o medicamento parece ser capaz de dificultar a entrada do novo coronavírus nas células. “A heparina inibiu a invasão celular do novo coronavírus Sars-Cov-2 em ensaios de vírus vivos e a inibição é significativamente mais potente do que a observada para cepas históricas de coronavírus”, explica. Segundo ela, outros estudos ainda precisam ser realizados.
A cientista explica que a heparina é o anticoagulante mais utilizado na prevenção e tratamento da trombose e que uma em cada quatro pessoas em todo o mundo morre de causas relacionadas a esta doença. “A heparina possui uma sólida base científica e sua eficácia e segurança estão amplamente demonstradas, tanto que ela está na lista de medicamentos essenciais da Organização Mundial de Saúde e salva mais de 100 milhões de vidas a cada ano”. E embora seja uma molécula centenária, descoberta em 1916 e em uso clínico desde a década de 40, continua sendo testada e investigada para novas aplicações relacionadas à atividade antitumoral, anti-inflamatória e antiviral, conforme ressaltou.
Nader também abordou a importância das pesquisas sobre reposicionamento de medicamentos antigos, especialmente neste momento de pandemia de coronavírus. “A heparina estava ficando uma droga ‘fora de moda’ porque a indústria desenvolveu drogas monoterapêuticas, que são boas, mas que não contam com os outros efeitos como a heparina. A heparina é uma droga polivalente, que atua em diferentes pontos”, afirmou.
Quanto aos próximos passos do estudo desenvolvido pelo seu grupo da Unifesp, Nader explica que os pesquisadores estão pensando em realizar um estudo observacional e retrospectivo, que examinará um grupo de pacientes do Hospital São Paulo tratado com o medicamento, para, assim, criar um biobanco que reunirá amostras biológicas para uso da pesquisa. Segundo ela, assim será possível observar as amostras de como eram os parâmetros da coagulação antes e depois.
Premiações
Em 11 de fevereiro deste ano, no Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência, Nader foi a primeira cientista a receber da SBPC o Prêmio Carolina Bori Ciência & Mulher por sua contribuição para o avanço da ciência no País. A cientista também recebeu o Prêmio Almirante Álvaro Alberto neste ano.
Emocionada ao falar dos dois prêmios deste ano, Nader se disse privilegiada por seu trabalho ser reconhecido, mas ao mesmo tempo está triste pelo rumo tomado pelo Brasil nos últimos anos, com cortes cada vez maiores nos recursos para o desenvolvimento científico. “Estou chateada de ver que este país não consegue enxergar educação e ciência como necessidade”, afirma. Mesmo assim, Nader se diz esperançosa de que o governo consiga enxergar o que a ciência e os jovens pesquisadores já fizeram e estão fazendo pelo País e convencer as equipes econômicas, que definem o orçamento, de que educação e ciência não são gastos, e sim investimentos.
Além da trajetória científica, Nader também é uma ferrenha defensora da ciência e da educação brasileira. Sua atuação incessante foi marcada nos últimos anos por sua participação na Diretoria da SBPC, onde foi a terceira mulher a presidir a entidade, entre 2011 e 2017.
A nova edição do Prêmio Carolina Bori Ciência & Mulher está com inscrições abertas até o dia 31 de outubro. Neste ano, a categoria premiada será “Meninas na Ciência”, que homenageará uma estudante da Graduação e uma do Ensino Médio cujas pesquisas de iniciação científica demonstrem criatividade, boa aplicação do método científico e potencial de contribuição com a ciência no futuro. Saiba mais neste link.
Assista à conferência na íntegra pelo canal da SBPC no YouTube.
Vivian Costa – Jornal da Ciência