A situação das comunidades quilombolas de Alcântara (MA) foi tema do debate nesta quinta-feira (5/11) do terceiro ciclo da 72ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). O painel “Comunidades quilombolas de Alcântara e o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas: desinformação e riscos” abordou os pontos mais críticos do tema”.
Coordenado pela antropóloga Cinthya Carvalho, da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), a atividade teve a participação de Davi Pereira Júnior, quilombola de Itamatutiua Alcântara, coordenador da Associação de Pesquisadores da Amazônia (ASPA) e doutorando na Universidade do Texas.
Também foram expositores o cientista político e advogado Danilo da Conceição Serejo Lopes, representante do Movimento dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara (Mabe) e o historiador Yuri Michael Pereira Costa, membro do Comitê Especial de Atendimento a Grandes Impactos Sociais (CEAGIS), da Comissão Permanente dos Direitos dos Povos Indígenas e Quilombolas do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e do Grupo de Trabalho em Políticas Etnorraciais (GTPE-DPU).
Cinthya Carvalho que também é pesquisadora do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia (PNCSA) e conselheira da SBPC, iniciou o painel lembrando que a SBPC acompanha a situação da implantação do centro de lançamento de Alcântara desde 1990, por meio do Grupo de Trabalho (GT) de Alcântara. “Ao longo destes anos foram organizados vários seminários e debates e esse GT contou com iniciativas de vários pesquisadores e professores, com a significativa contribuição do antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida” destacou a professora. Segundo ela, o painel é uma continuidade desse trabalho.
O território quilombola existe na região desde meados do século 18. Hoje, é formado por 150 povoados, com cerca de 12 mil habitantes que estão há décadas sendo ameaçados de expulsão do local. As ameaças subiram de nível desde que, em 2019, o Brasil firmou com os Estados Unidos acordo para lançamento de foguetes do Centro de Lançamento de Alcântara. O Acordo de Salvaguarda Tecnológica (AST) foi aprovado pelo Congresso em outubro do ano passado e, segundo os debatedores do painel, recebeu apoio até mesmo do governo do estado do Maranhão, que se coloca como oposição ao governo federal.
Yuri Michael Pereira Costa, do CNDH, apontou a relação entre a situação dos quilombolas da Base de Alcântara com o passado escravagista do País, denunciando a narrativa estabelecida pela imprensa e pelo discurso oficial de que os quilombolas são contrários à modernização do Brasil com suas demandas. “É um discurso deturpado, maldoso, mas, sobretudo, extremamente violento”, criticou Costa. “O que há de antimoderno aqui é o próprio Estado brasileiro que continua alicerçando sua ideia de modernidade como algo incompatível com seus povos tradicionais”, afirmou.
Danilo da Conceição Serejo Lopes, que atua no grupo de assessoria jurídica que advoga em favor dos quilombolas de Alcântara, acrescentou que o Centro de Lançamento não tem relatório de impacto ambiental e desde 1980 funciona sem licença ambiental pelo Ibama. “Nós não sabemos dimensionar ou mensurar os impactos ao meio ambiente e às pessoas em Alcântara que são causados pelas atividades espaciais a cada lançamento de foguetes, e todos sabem que envolvem componentes químicos lançados ao ar, combustíveis sensíveis à saúde das pessoas que estão nas comunidades quilombolas.”
Davi Pereira Júnior fez uma explicação detalhada sobre o plano do governo com o AST que, além de deslocar as comunidades que hoje ocupam a área para o interior da região, vai impedir o acesso delas ao mar e inviabilizar a produção agrícola e pecuária da qual elas vivem atualmente. Com isso, afirma Pereira Júnior, vai haver um aumento da pressão por alimentos e recursos naturais no interior que já está ocupado com outras comunidades. “É uma catástrofe anunciada”, declarou o pesquisador.
Pereira Júnior lembrou que com o AST o governo brasileiro está abrindo mão do desenvolvimento científico que poderia ser proporcionado pela base de lançamento de Alcântara em troca de dinheiro pelo aluguel do local para os estadunidenses. “Está jogando contra a própria ciência nacional, porque o Estado brasileiro consolida a transformação do projeto espacial brasileiro em commodity e tenta imputar às comunidades quilombolas essa responsabilidade.”
Assista ao painel na íntegra pelo canal da SBPC no Youtube.
Jornal da Ciência