Novos projetos para a Amazônia são vistos com cautela


Após anos de promessas frustradas, a Amazônia, detentora do maior patrimônio genético do mundo, poderá finalmente ter uma política de desenvolvimento regional, que seria baseada em dois projetos que estão em andamento.

Após anos de promessas frustradas, a Amazônia, detentora do maior patrimônio genético do mundo, poderá finalmente ter uma política de desenvolvimento regional, que seria baseada em dois projetos que estão em andamento. Entretanto, antes mesmo de saírem do papel, as propostas são observadas com cautela. Especialistas avaliam que ambas são insuficientes para atender às necessidades da região.

Uma delas, em elaboração no Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), é o plano de ciência e tecnologia, que prevê o desenvolvimento sustentável da região com a utilização de seus recursos naturais, conforme antecipou o ministro Marco Antônio Raupp, em julho. A expectativa do órgão é lançar a medida oficialmente até o fim deste ano. Procurado pelo  Jornal da Ciência o ministério não quis dar outros detalhes.

Mais adiantada, a outra proposta (PLS 380/2012), institui a Política Nacional de Defesa e de Desenvolvimento da Amazônia e da Faixa de Fronteira. Aprovado, dia 19, no Senado, o projeto deve ser encaminhado para a Câmara dos Deputados (ver mais).

Na Amazônia vivem cerca de 25 milhões de pessoas que há anos esperam por melhorias nos sistemas de transportes, comunicação e saneamento básico, por exemplo. A Amazônia é considerada de interesse estratégico pelas suas riquezas naturais ainda pouco exploradas.

Entre outros pontos, o PLS 380/2012 prevê o desenvolvimento da região e a ampliação da produção sustentável. O texto também prevê a redução das desigualdades com a execução de políticas públicas, a implementação de infraestrutura de transportes, energia e saneamento e o combate a organizações criminosas.

O projeto define ainda diretrizes como a integração das Forças Armadas com órgãos de inteligência e de segurança pública, a regularização fundiária como instrumento de redução de conflitos agrários e a integração com países da América do Sul. Já a proposta do MCTI para a região é direcionada ao fomento em pesquisadores mais adequados para o trabalho na região, em infraestrutura de laboratórios e ambientes de inovação.

Apesar de considerar as duas propostas positivas para o desenvolvimento amazônico, o diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Adalberto Luis Val, defende projetos de desenvolvimento regional de longo prazo, até então pouco existentes lá, que assegurem a manutenção das florestas em pé. Hoje, segundo ele, faltam alternativas para exploração dos recursos naturais da região, com a garantia de que as florestas serão mantidas e conservadas.

O diretor do Inpa defende o fortalecimento das instituições científicas e a revisão dos marcos regulatórios de C&T, hoje em discussão no Congresso Nacional, para destravar tanto a contratação de pessoal especializado – cientistas e pesquisadores – para ajudar na execução das tarefas a serem implementadas, quanto para desburocratizar a compra de material para pesquisa científica.

 “Precisamos contratar e fixar as pessoas para que elas possam se sentir seguras e tocar seus trabalhos, já que a Amazônia é uma região distante dos grandes centros e as pessoas precisam de segurança para se fixarem na região”, defende Luis Val.

Na visão do diretor do Inpa, o projeto do MCTI, que teve a colaboração de pesquisadores e de institutos de pesquisa, precisa avançar mais para atender às necessidades locais. “É preciso ampliar a capacidade de pesquisa na região, fixar recursos humanos de alto nível e transformar o conhecimento já existente sobre a região em produtos e processos para inclusão social e geração de renda”, declara.

 “Vale lembrar que temos cerca de 25 milhões de pessoas na Amazônia que precisam estar envolvidas nos processos de desenvolvimento sustentável da região”, acrescenta.

Peculiaridades – Para que os projetos de desenvolvimento e defesa para Amazônia tenham eficácia em sua execução, eles precisam atender às peculiaridades socais e ambientais locais, segundo a análise do do físico Ennio Candotti, diretor geral do Museu da Amazônia (Musa) e vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.

 “Não é possível defender o território e desenvolver ciência e tecnologia sem promover o desenvolvimento econômico e social e retirar da miséria o povo que aqui vive”, destaca o cientista.

Sem entrar no mérito dos projetos, o físico alerta que as medidas precisam atender às necessidades da região. Nesse caso, ele propõe algumas medidas nas áreas de infraestrutura, comunicação e abastecimento de água, por exemplo.

Físico faz propostas de desenvolvimento

A primeira recomendação do físico Ennio Candotti para a Amazônia é tentar resolver a questão técnica de produzir energia a baixo custo, sem transporte de combustível. Ele sugere investir na produção de energia extraída da biomassa sem resíduos tóxicos, considerando que a energia solar tem eficiência irregular pela periódica cobertura da região por nuvens.

Outra sugestão é assegurar o abastecimento de água potável em volumes compatíveis com as necessidades das populações de municípios, vilas e povoados. “O mapeamento do aquífero que se encontra no subsolo da bacia é fundamental para esse fim”, afirma, acrescentando que a Agência Nacional de Águas tem tímidos projetos nessa área estratégica.

Valorizando e qualificando as comunidades ribeirinhas – Candotti defende que os ribeirinhos e habitantes de vilas epovoados devem ser integradosnos planos de defesa, considerando que eles são parte da solução da defesa e do desenvolvimento científico e tecnológico.

 “Não como objeto de assistência caridosa, mas como agentes profissionais do monitoramento da floresta, do trânsito nos rios, no apoio aos transportes e manutenção de repetidoras de telecomunicações”, enumera.

 “Não é possível monitorar o território – rios e lagos – entrar e sair da floresta, coletar plantas e resinas sem treinar, equipar e contar com a colaboração humana e técnica das próprias comunidades que lá vivem permanentemente”, opina. O físico aponta também a necessidade de instrumentos inovadores capazes de facilitar a circulação de informações, já que a transmissão de informações por rádio em diferentes frequências dentro da floresta é de curtíssimo alcance (dezenas de metros).

 “Métodos inovadores de comunicação devem ser desenvolvidos para permitir a transmissão em distâncias longas, permitindo a rápida circulação de informações, como exigem planos de defesa”, recomenda.

Candotti defende ainda a melhoria no sistema de informações sobre os contornos das áreas inundadas, secas, várzeas etc. De acordo com ele, as imagens por sensoriamento remoto, hoje monitoradas de São José dos Campos, interior de São Paulo, são pouco precisas e carecem de verificação in situ no solo (com instrumentos e agentes locais).

A logística local também é contemplada pelas sugestões de Candotti. “Não há hidroaviões para o transporte de civis e militares. Milhares de quilômetros de pistas nos rios e lagos poderiam ser utilizados para transporte de cargas leves, ribeirinhos, agentes de saúde, educação, treinamento e manutenção de equipamentos de geração de energia, comunicação, refrigeração”, propõe.

Defesa territorial  – Outro problema da região, segundo Candotti, recai sobre a rede de comunicação civil via rádio, precária e de manutenção irregular, por não usar hidroaviões. Segundo ele, essa precariedade compromete o apoio civil às ações de defesa do extenso território amazônico, particularmente nas fronteiras.

No que se refere ao patrimônio genético, o cientista destaca que a defesa e a proteção dessa riqueza natural só pode se concretizar pela pesquisa científica. Ele lembra que o principal patrimônio genético amazonense encontra-se no nível microscópico, nos micro-organismos, fungos, enzimas e toxinas. Com isso, dificilmente podem ser objeto de ações de defesa física ou armada.

 “A única forma de proteger o patrimônio genético do microcosmo amazônico é a pesquisa científica em institutos qualificados que possam revelar suas características e valores antes que agentes de outros países e interesses o façam. Na Zona Franca de Manaus, por exemplo, não existe nenhuma indústria nacional que explore esses micro-organismos”, diz.

De acordo com Candotti, o Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA), que deveria dedicar-se ao estudo e mapeamento do patrimônio genético, não realiza o trabalho necessário. “É sabotado há mais de uma década pela burocracia tecno-científica de Brasília e local por razões insondáveis”, afirma.

Baixo retorno de estímulos fiscais – Outro problema da região, na visão de Candotti, é o desequilíbrio entre a política industrial e o desenvolvimento socioeconômico, uma das principais vulnerabilidades da Amazônia e de toda a região Norte.

Para ele, as sociedades amazonense, paraense, dentre outras, têm pouco retorno socioeconômico dos incentivos fiscais do governo concedidos às empresas alocadas lá, sejam do polo industrial de Manaus ou de mineração no Pará ou Amapá.

 “No polo industrial de Manaus, nenhuma das indústrias instaladas tem qualquer relação com os ambientes amazônicos, nem sequer utilizam insumos ou produtos naturais fornecidos pela região. Se os incentivos fiscais fossem retirados, haveria uma migração da maioria das indústrias para outros estados, deixando crateras de desemprego e miséria”, presume.

Candotti insiste em mencionar que os grandes empreendimentos, como mineração e hidroeletricidade, pouco contribuíram para a melhoria do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) dos estados da região.

Cita também o polo industrial de Manaus ou os empreendimentos minerais do Pará. “Não contribuíram para criar e qualificar universidades de pesquisa que a rica biodiversidade da região reclama”, avalia.

 “Não existe defesa possível em uma região povoada por comunidades pobres onde o Estado e os serviços públicos estão ausentes”, resume.

(Viviane Monteiro – Jornal da Ciência)