Entrevista Helena Nader: O Brasil no caminho da ciência

Presidente da SBPC diz à revista Paraná faz Ciência, que país precisa investir mais no desenvolvimento educacional, científico e tecnológico nacional. Na entrevista, Helena também falou sobre o Fórum Mundial da Ciência, que será realizado no Rio de Janeiro, entre os dias 24 e 27 de novembro, e sobre o papel do estado do Paraná no cenário científico brasileiro.

Pela segunda vez, a biomédica Helena Bonciani Nader, 65 anos, professora titular da Escola Paulista de Medicina – Universidade Federal do Estado de São Paulo (EPM-Unifesp), ocupa o cargo de presidente da SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. A entidade estimula o trabalho em defesa da ciência e da educação de qualidade, articula pesquisas científicas de interesse geral do país, facilita a cooperação entre os cientistas e promove a compreensão do público em relação à ciência e à tecnologia. A sólida trajetória profissional e sua experiência à frente da entidade lhe permitem uma visão clara da situação e perspectivas da ciência no país.

Em 1967 ela passou no vestibular para o recém-criado curso de ciências biomédicas da Escola Paulista de Medicina, hoje Universidade Federal de São Paulo. Fez o doutorado e o defendeu em dezembro de 1974. Sua primeira ida aos Estados Unidos foi durante o ensino médio, quando realizou o último ano com bolsa do American Field Service (AFS) na Pensilvânia, recebeu bolsa para cursar a universidade nos EUA, mas resolveu voltar.

Retornou aos Estados Unidos para fazer pós-doutorado na University of Southern California como bolsista da Fogarty International Fellowship sob gestão do National Institute of Health (NIH). Novamente recebeu oferta para ficar, dessa vez trabalhando no Veterans Administration Hospital na California, e mais uma vez, optou por retornar ao Brasil. “Achei que lá eu seria mais um e, que aqui, talvez pudesse ajudar na construção da ciência brasileira e dar um pouco do que recebi de volta ao meu país.”

Associada da SBPC desde a graduação, nunca imaginou que um dia chegaria a ocupar o cargo que tem hoje na entidade. Seu nome foi indicado pelo Conselho da Sociedade para concorrer ao cargo de vice-presidente para a gestão 2007-2009. Em seguida ocupou o lugar do presidente, que se retirou para assumir outro cargo. “Fiquei muito emocionada quando a comunidade me deu a honra de ser eleita para o cargo de 1a vice-presidente e depois novamente para a gestão 2009-2011”. Hoje ela exerce o cargo como presidente eleita.

Como é visto o Brasil no meio científico internacional?

O Brasil é responsável por 2,7% da produção científica mundial. Em dez anos, o país, que hoje ocupa a sétima posição na economia mundial, subiu do 17º para o 13º lugar, segundo o ranking baseado nos artigos científicos publicados em revistas indexadas. Em algumas áreas do conhecimento, a ciência brasileira está acima desta média. E também de acordo com dados internacionais, o Brasil ocupa a 57ª posição em educação básica e o 58º lugar em inovação, segundo classificação publicada em julho de 2012 pela Organização Mundial de Propriedade Intelectual e pelo instituto Insead, considerada como o mais completo “termômetro” do grau de inovação no mundo. Essas posições indicam a necessidade de aumento nos investimentos voltados para o desenvolvimento educacional, científico e tecnológico nacional. Mas, os resultados dos estudantes brasileiros no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) estão muito abaixo da média dos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), e os dados do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) mostram que o desempenho dos nossos alunos em ciências vem caindo.

Em que áreas da ciência o Brasil mais se destaca?

Em agricultura, por exemplo, estamos em primeiro. E em algumas áreas da medicina somos segundo ou terceiro colocados. Não é só no número de publicações científicas que o Brasil tem se destacado, mas também pela qualidade.

Qual o papel do Paraná no cenário científico brasileiro?

O Paraná começa a se destacar como um dos estados brasileiros que fazem investimentos significativos em CT&I. De acordo com dados publicados recentemente na imprensa paranaense, os investimentos com ciência e tecnologia cresceram 82% nos últimos cinco anos, reflexo do aumento da arrecadação do estado. O recurso aumentou de R$ 164,2 milhões, em 2008, para R$ 299 milhões no ano passado. O Fundo Paraná, que por lei recebe 2% da receita tributária do estado para financiar pesquisas, universidades e outras instituições científicas, tinha previsão de aplicar inicialmente R$ 120 milhões em 2012, mas esse valor chegou a R$ 170 milhões. O Conselho Paranaense de Ciência e Tecnologia (CCT) aprovou recentemente investimentos de R$ 141 milhões para o setor em 2013. A Fundação Araucária de Apoio à Pesquisa (FAP) do Paraná, também tem aumentado seus investimentos em CT&I. No ano passado, ela disponibilizou cerca R$ 84 milhões. Para 2013 o orçamento ultrapassa R$ 100 milhões. Como se vê, as autoridades do Paraná perceberam a importância de investir em CT&I.

O fato de o Fórum Mundial da Ciência ser realizado pela primeira vez fora da Europa, tendo o Brasil como país escolhido para sediá-lo, nos coloca em destaque?

É um privilégio e uma oportunidade ímpar para colocar nosso país no centro da ciência internacional. O Fórum Mundial de Ciências ocorrerá em novembro no Rio de Janeiro. Com o intuito de reverberá-lo pelo país, foram realizadas sete reuniões preparatórias – em São Paulo, Belo Horizonte, Manaus, Salvador, Recife, Porto Alegre e Brasília, nas quais se discutiu o papel da ciência, da divulgação e integridade cientificas e educação, além de tópicos específicos em cada reunião.

Do que tratará o Fórum Mundial da Ciência 2013 “Ciência para o desenvolvimento global sustentável”?

Os temas são atuais e fundamentais para a gestão da C,T&I no país na era da globalização e da economia do conhecimento. Como uma das agendas no encontro, o Brasil pretende recuperar o debate em torno dos vínculos entre ética e ciência já realizado no Fórum de 2005. A ideia é concentrar o debate em torno dos imperativos éticos que devem nortear a produção do conhecimento. Todas as ciências – da natureza, exatas e da terra, biomédicas e humanidades – têm uma tarefa distinta a cumprir, não havendo hierarquia entre elas, assim como todos os países devem ter direito a usufruir plenamente dos benefícios do conhecimento e o dever de contribuir para o avanço da ciência, para o desenvolvimento e o progresso da humanidade.

Quais são os objetivos deste encontro?

O objetivo do evento é discutir e enfrentar os desafios que se impõem à humanidade em nossos tempos e a reafirmação do princípio da mobilização do conhecimento científico para essa tarefa. O encontro também vem para enfatizar a importância da pesquisa básica como fonte de conhecimento e alicerce fundamental de uma sociedade inovadora.

O brasileiro, em geral, consegue ver alguma relação entre ciência e os impactos nas várias áreas do seu dia a dia e na sua qualidade de vida?

O brasileiro, como a maior parte dos povos, não vê com clareza a ciência no seu dia a dia. Tanto que em todas as sociedades está se estudando como aperfeiçoar o diálogo do cientista com a população. E nós na, SBPC, estamos buscando fazer isso de algumas formas, por exemplo, ampliando o diálogo com o estudante no ensino básico, ensino fundamental e com o professor. Nas nossas reuniões anuais ou regionais há um diálogo com a sociedade que está participando dos eventos, mas ainda estamos aquém do que seria importante e necessário.

Em que estágio da formação educacional deve começar o estímulo à ciência?

O estímulo à ciência deve ser dado desde a primeira infância, o quanto antes melhor. Hoje as crianças estão cada vez mais precocemente introduzidas às tecnologias, vemos crianças de 2 anos brincando com iPads e telefones celulares. Esse acesso precoce às tecnologias gera um descompasso entre aquelas crianças brasileiras que conseguem ter em um ambiente familiar e escolar o acesso e aquelas que não têm. Isso cria um desnível que se acentua ao longo dos anos. O MEC preconiza a implantação de uma pré-escola verdadeira, incluindo as creches, voltada para brincar e educar.

Para estimular o interesse pela ciência em seus alunos, as escolas precisam ter muitos recursos?

Se pudéssemos ter laboratórios equipados seria o ideal, mas infelizmente a realidade brasileira não é essa. As escolas mais afastadas são as que deveriam ter laboratórios mais bem equipados. Durante uma reunião especial de ensino e atualização para crianças, adolescentes e professores, em Alcântara (MA), vimos que nem os professores tinham tido a oportunidade de conhecer um instrumento que é básico no dia a dia para quem ensina biologia, que é o microscópio – a emoção deles quando viram um foi enorme! Mas se não dá para ter um microscópio, podemos fazer alguns experimentos e tentar suprir essa deficiência. É difícil, mas dá.

O que o Brasil mais precisa, no momento, em termos de ciência?

Para um país que é a sétima economia do mundo e que pretende entrar no rol de países desenvolvidos, o nosso desafio ainda é enorme no que se refere à educação. Para enfrentar este desafio é fundamental aumentar o montante de recursos por meio de uma política de financiamento. As nações mais desenvolvidas investem em ciência e tecnologia para ampliar sua base de conhecimento e aumentar seu potencial de inovação, de modo a gerar mais emprego e melhorar a distribuição de renda.

O que move um pesquisador científico a seguir em frente?

A busca pelo saber, pelo desvendar, acreditar que vale a pena. Olhar para trás e ver tudo o que você já conseguiu e olhar para frente, para o futuro e ver que ainda há muito por fazer. Nós cientistas somos privilegiados, pois estamos sempre em contato com o novo: a vida não se repete, ela simplesmente se renova.

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