Especialista considera equívoco invasão ao Instituto Royal

É preocupante a invasão "equivocada" de grupos defensores de animais ao Instituto Royal, levando 178 cães da raça beagle, além de outras cobaias científicas. A afirmação é do pesquisador titular (Fiocruz), Marco Aurélio Martins. "É preocupante pelo discurso equivocado sobre a importância que a pesquisa tem", diz ele, em entrevista ao Jornal da Ciência.

É preocupante a invasão “equivocada” de grupos defensores de animais ao Instituto Royal, levando 178 cães da raça beagle, além de outras cobaias científicas. A afirmação é do pesquisador chefe do Laboratório de Inflamação  da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Marco Aurélio Martins. “É preocupante pelo discurso equivocado sobre a importância que a pesquisa tem”, diz ele, em entrevista ao Jornal da Ciência. A invasão aconteceu na madrugada da última sexta-feira (18), na instituição instalada em São Roque, a 51 km de São Paulo.

Para ele, o ataque de ativistas aos experimentos científicos é uma tentativa de desinformar “irresponsavelmente” a população em geral, leiga dos conhecimentos científicos. “Passar para população de que a experimentação animal é algo simplesmente cruel, que agride os animais, que só faz mal a eles sem nenhum benefício nem para os seres humanos, nem para os próprios animais, é desinformar”, declara.

Martins reforça que o uso de animais nos experimentos científicos ainda é necessário para estudar várias áreas da saúde pública,desde as doenças tropicais, como malária e outras mais graves, como câncer, asma e hipertensão. “Como podemos abrir mão de estudar esses problemas tão complexos se não tivermos ferramentas experimentais?”, pergunta. “Todos os medicamentos disponíveis nas prateleiras das farmácias e no mercado veterinário dependeram da experimentação animal, em algum momento.”

Martins insiste em dizer que todos os testes científicos com animais obedecem às normas nacionais, previstas na Lei Arouca Nº 11.794, em vigor há três anos. De acordo com ele, o uso de animais nos experimentos científicos não é exclusividade do Brasil. Conforme entende o biólogo, todos os países avançados em ciência e tecnologia permanecem usando os animais em experimentação. “Não é verdadeiro dizer que não se faz mais uso de animais na Europa e nos Estados Unidos”, diz. “A restrição é maior (apenas) para primatas, como macacos e chimpanzés.”

JC – O senhor conhece a política do Instituto Royal aplicada nos experimentos científicos de animais?

Martins – Sou ligado a um instituto nacional de ciência e tecnologia de fármacos, INCT-Inofar, do qual o Royal é um dos colaboradores. Conheço a reputação e a seriedade do Instituto. Mas nunca o visitei e nunca utilizei o centro como prestador de serviços.

Qual a sua avaliação sobre a invasão dos ativistas ao Instituto Royal?

Vejo com muita preocupação. É uma radicalização. Já tivemos iniciativas semelhantes no Brasil no passado, mas nada tão veemente. Na própria Fiocruz, por volta de 2000, houve uma invasão, quando pesquisadores foram processados pelo fato de gambás serem encontrados fora da caixa deles. Mas nunca vi algo tão radical, como agora, de ver o pessoal entrar e liberar os animais. Me preocupa muito este momento, no qual o Brasil vive uma tensão social, de manifestações, como os Black Blocs. Já vimos esse filme em outros países, em que esse ativismo levou a problemas enormes, de agressividade.

Esse cenário preocupa a área científica?

Preocupa pela desinformação irresponsável. Passar para a população em geral, leiga, de que a experimentação animal é algo simplesmente cruel, que agride aos animais, que só faz mal aos animais sem nenhum benefício para os seres humanos e nem para os próprios animais. Isso é desinformar. Não é difícil sensibilizar, sobretudo, as pessoas que não sabem como as pesquisas são realizadas. Ou informar, equivocamente, de que apenas o Brasil é o único país que utiliza os animais em experimentos científicos. Preocupa o discurso equivocado sobre a importância que a pesquisa tem. Os profissionais da ciência do Brasil se deparam hoje com uma responsabilidade muito grande. Temos de ser muito hábeis e contar com a colaboração da imprensa para que as palavras não sejam deturpadas. É preciso ter cuidado de passar para a população em geral, de tranquilizá-la, de que os centros de pesquisas estabelecidos no Brasil são de excelência, não são centros de terror.

Quais os benefícios que o experimento cientifico com animal traz para a população e para os próprios animais?

Todos os medicamentos disponíveis nas prateleiras das farmácias e no mercado veterinário dependeram da experimentação animal, em algum momento. O risco de não fazermos isso, de não fazer os experimentos é enorme para a população na hora de disponibilizar os potenciais medicamentos.

Os experimentos científicos com animais precisam atender à legislação interna…

Claro que a comunidade científica sabe que precisa seguir as regras. Somos obrigados a obter licenças, existem leis que controlam a experimentação animal, tanto no Brasil como no mundo. No Brasil, a legislação é a Lei Arouca, em vigor há três anos. No caso, se houvesse uma denúncia de maus-tratos na Fiocruz ou mesmo no Instituto Royal, o Concea [Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal] tem o papel de receber a denúncia, de avaliar e investigar para tomar as atitudes. Os maus-tratos de animais de experimentação são passíveis de criminalização. Se tiver acontecendo irregularidade, isso tem de ser exemplarmente punido. O que não pode é autorizar que as pessoas saiam invadindo o local e liberando animais de experimentação. Isso trará prejuízos não apenas para o andamento das pesquisas científicas, mas para a credibilidade do desenvolvimento de novos fármacos no país, para a população e para os próprios animais. Se é que existem maus-tratos aos animais que isso seja levado aos órgãos competentes e que se puna quem tiver agindo de maneira errada.

É o caso do Instituto Royal?

Não acredito que seja. Pelo que conheço sobre a reputação das pessoas responsáveis não tenho razão nenhuma para acreditar que tivesse ocorrendo algum tipo de irregularidade interna. Se tivesse acontecendo, numa hipótese terrível, hoje a nossa sociedade já dispõe de um canal, que é Concea.

As pesquisas ainda são necessárias com os animais?

Claro que são, porque precisamos de mecanismos para avançar nas formas de tratamento (de saúde) que temos hoje, na terapia. Ainda temos problemas enormes em várias áreas da saúde pública, desde as doenças tropicais, como malária e outras mais graves, como câncer, asma e hipertensão. Como podemos abrir mão de estudar esses problemas tão complexos se não tivermos ferramentas experimentais? Como impedir cientistas e especialistas, dentro das condições de boas práticas e de boa conduta ética, de entender as doenças e buscar uma forma de controlá-las? Isso seria interromper a investigação científica. Não se pode passar para a opinião pública a ideia de que não se pode mais usar os animais em experimentos científicos.

Outros países ainda usam animais em experimentos científicos?

Claro que usam. Todos os países considerados avançados em ciência e tecnologia continuam usando os animais em experimentação. Não é verdadeiro dizer que não se faz mais uso de animais na Europa ou nos Estados Unidos. A restrição é maior (apenas) para primatas, como macacos e chimpanzés.

Os protocolos proíbem a crueldade nos animais?

Não pode haver crueldade. Isso é crime. Ao montar um protocolo experimental o pesquisador tem de garantir que o animal esteja dentro das condições de bem estar, para que possa, inclusive, acreditar nos resultados a serem obtidos da experimentação.

(Viviane Monteiro – Jornal da Ciência)