“A burocracia emperra pesquisas no Brasil.”

Para Sergio Luiz Gargioni, presidente do Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa transformar a ciência em inovação, isto é, incorporá-la nos produtos e processos que possam melhorar desempenho econômico das empresas, o que é natural em outros países, no Brasil ainda é cercado de desconfiança dos órgãos de controle e de burocracia por parte do poder executivo.

O engenheiro mecânico Sergio Luiz Gargioni, presidente do Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap) tem larga experiência na gestão da ciência e inovação. Além de ter sido professor da Universidade de Brasília, ele já exerceu diversos cargos de governo, entre os quais o de superintendente de Desenvolvimento Industrial e Infraestrutura e Secretário de Órgãos Colegiados e do CNPq e o de Secretário Executivo do Conselho Nacional da Pós-Graduação da (Capes). Além do Confap, atualmente preside a Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação de Santa Catarina (Fapesc).

Nesta entrevista exclusiva para o portal da SBPC, Gargioni fala dos avanços da ciência e da inovação no Brasil nos últimos anos, aponta os gargalos e ressalta o papel das fundações estaduais de amparo à pesquisa (FAPs). De acordo com ele, o volume de recursos tem aumentado quando somadas todas as fontes. Entre elas, o presidente do Confap destaca as FAPs, cujo orçamento global das 26 unidades soma mais de R$ 2,5 bilhões em 2013. Mas também há obstáculos. “Transformar a ciência em inovação, isto é, incorporá-la nos produtos e processos que possam melhorar o desempenho econômico das empresas, coisa muito natural e destacada em outros países, no Brasil ainda é cercado de desconfiança dos órgãos de controle e de burocracia por parte do poder executivo”, critica.

 

Como está hoje a ciência feita no Brasil em relação aos últimos 10 ou 20 anos?

Evoluiu muito quando medida pelo número de publicações em revistas de qualidade. De fato, o cientista brasileiro tem padrão internacional. Se as condições lhe são dadas, o resultado aparece. O volume de recursos disponibilizados tem aumentado quando somamos todas as fontes, e aqui incluo as FAPs, fundações estaduais cujo orçamento global das 26 unidades soma mais de R$ 2,5 bilhões em 2013. Todavia, podemos fazer muito mais. Transformar a ciência em inovação, isto é, incorporá-lo nos produtos e processos que possam melhorado desempenho econômico das empresas, coisa muito natural e destacada em outros países, no Brasil ainda cercado de desconfiança dos órgãos de controle e de burocracia por parte do poder executivo.

Quais os principais avanços da ciência no Brasil?

A lei federal de inovação abriu caminho para que cada estado brasileiro criasse sua lei estadual e assim abordasse a inovação com mais seriedade. Talvez por ser algo relativamente novo, nem todas as leis estão surtindo os efeitos desejados e são necessários ajustes, mas pelo menos o processo foi deslanchado. Mais recursos financeiros, maior cooperação internacional, maior produção de pesquisadores foram os elementos alavancadores do avanço da ciência brasileira.

E os principais gargalos e desafios?

Sem dúvida, um dos gargalos é a burocracia que emperra pesquisas e parcerias público-privadas, motivo pelo qual o Confap estimulou a revisão da legislação brasileira para CT&I e acompanha cada passo dado na direção da criação deste novo marco legal no Congresso.

Em relação ao Confap, o que senhor destacaria na atuação do órgão nos últimos anos?

Estados que ainda não tinham sua Fundação de Amparo à Pesquisa criaram-na nos últimos anos. Em 2011, por exemplo, Rondônia passou a ter a Fundação de Amparo ao Desenvolvimento das Ações Científicas e Tecnológicas e à Pesquisa do Estado de Rondônia, e assim está conseguindo organizar o sistema de CT&I no Estado. Pois o Confap articula as 26 Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa de forma crescente, facilitando o intercâmbio de experiências entre elas. Atualmente só Roraima ainda não tem sua FAP.

Também tem aumentado a participação do Confap em órgãos colegiados do governo federal, responsáveis pela definição de políticas, estratégias e programas. Na condição de presidente do Conselho, sou membro efetivo do Conselho Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, instância máxima para a definição das grandes linhas de atuação das áreas, dirigido pela presidente Dilma Rousseff.

Autoridades como o Ministro de Ciência, Tecnologia e Inovação, Marco Antônio Raupp, têm participado cada vez mais dos fóruns nacionais promovidos pelo Confap e Consecti [Conselho Nacional de Secretários para Assuntos de Ciência, Tecnologia e Inovação]. Ele esteve no Fórum promovido em São Paulo, neste ano, e confirmou presença no próximo, em Brasília. Ainda em 2013, firmamos acordo entre o Confap e a Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior] para consolidar a parceria; antes, cada FAP fazia convênios com a Capes individualmente.

Mais importante talvez tenha sido a mobilização do Confap e do Consecti para propor um Código Nacional de C&T. Isso teve muitos desdobramentos e um deles, a PEC 290/2013, está sendo analisada na Câmara dos Deputados.

E quais as perspectivas e planos para o futuro próximo?

Vamos manter a mobilização junto ao poder executivo e, especialmente no Congresso Nacional, para aprovar a PEC 290/2013 o quanto antes. Ela deve dar início ao processo de simplificação da burocracia nas atividades de CTI, particularmente em  licitações para aquisições de equipamentos e importação dos mesmos. Colocar todos os recursos da pesquisa em rubrica única de investimento e ampliação dos incentivos seriam avanços adicionais.

Consolidar o SIFAP, um sistema de indicadores de esforço e performance das FAPs, aumentar a cooperação entre elas e difundir as melhores práticas de gestão são também metas do Confap, Vale lembrar que os orçamentos de todas as FAPs, somados, ultrapassam o montante de 2 bilhões de reais e vem crescendo de forma acelerada, seja porque seus recursos próprios ganham musculatura sejam porque as parcerias com CNPq, FINEP, Ministério da Saúde, MCTI e outras agências já são uma realidade consolidada.

Qual tem sido o papel das FAPs para o a ciência feita no Brasil?

Identificar as especificidades locais, conceber soluções e mobilizar recursos financeiros, materiais e humanos para a execução de projetos que possam atender os interesses, as necessidades da sua comunidade e vocações locais. O que é bom para São Paulo pode não ser prioridade na Amazônia e vice-versa. Também procuraremos alertar, conscientizar e mobilizar os diferentes formadores de opinião para o grande alcance estratégico de uma boa política de Ciência, Tecnologia e Inovação implantada de forma competente e eficaz.

A maior e mais antiga FAP é a Fapesp, de São Paulo, que já completou 50 anos em 2012. Seu orçamento anual ultrapassa 1 bilhão de reais. As FAPs do Rio de Janeiro (Faperj) e de Minas Gerais (Fapemig) também têm seus orçamentos executados conforme determinado em lei, isto é, recebem no mínimo 1 % da receita do seu estado.  Por outro lado, várias FAPs de estados menores como Amapá, Acre e Tocantins foram criadas há menos de 10 anos e ainda se ressentem de ter sua gestão estabilizada com regularidade de recursos.

A maioria delas pode ser considerada de tamanho médio, seja por pertencer a estados de economia mediana, seja porque os governos estaduais não aportam os recursos que lhe são devidos. Independentemente dos tamanhos das FAPs, o Confap consideramos cada uma com a mesma importância estratégica.

Hoje o Brasil é responsável por 2,7% da produção científica mundial, o que o coloca como 14º colocado no mundo. Essa é uma boa produção e boa colocação? Ou poderia estar melhor?

Sempre pode ser melhor e será na medida em que estímulos vão sendo criados e gargalos eliminados. A questão a ser analisada não é exclusivamente esse indicador, isto é, o percentual de pesquisa, mas se essa pesquisa está alinhada com os desafios da sociedade brasileira. Pesquisa na área nuclear, embora alguns defendam como relevante, quando comparada com as que geram mais alimentos ou colocam nossa produção de software em um estágio de maior competitividade, tem prioridade menor. Hoje destacamos o sucesso da Coreia do Sul, por exemplo, mas lá houve um plano estratégico nacional que alinhou todos os interesses em linhas bem estreitas.  Uma delas foi de produzir eletrônica de entretenimento e automóveis.

O que falta para estar melhor?

Ter mais recursos. De outra ponta, melhorar o processo com pessoas mais qualificadas, burocracias minimizadas e uma definição estratégica mais focada. Fazemos de tudo um pouco, também importante que seja assim, caso tenhamos fôlego para tudo. Melhor seria focar em áreas estratégicas e levar o resultado da pesquisa até o final, modelo Embrapa. Difícil definir áreas. Veja o exemplo dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia: deveria contemplar poucos grupos, mas hoje são 126 e alguns deles têm pouca eficácia.

Há pessoas na comunidade científica que acham que a ciência feita no Brasil tem pouco impacto no mundo? O senhor concorda? Em caso afirmativo, por que não ocorre impacto? Como aumenta-lo?

De fato não é impactante, a menos que nos concentremos, conforme argumento colocado na resposta acima. Particularmente, preferia medir o impacto na economia baseada em conhecimento. Quantos empregos criamos com a ciência? Quantas novas empresas foram criadas, quantos problemas sociais resolvidos? Nosso conhecimento está disperso, enquanto que em outros países não. Observem o que as universidades do Reino Unido, por exemplo, estão fazendo na direção de um programa estruturado como o Low Carbon.

Parte da comunidade científica também reclama que há certo descaso dos órgãos financiadores com a ciência básica. Eles estariam mais focados na inovação, na ciência aplicada. Como o senhor vê esta questão?

O conceito de ciência básica parece não ter relevância. Existe a boa ciência que se transforma e a ciência que não passa de uma publicação isolada. Se observarmos as grandes invenções no mundo decorrem da chamada ciência básica da Matemática, da Física e da Química.  Nanotecnologia é exemplo de ciência aplicada diretamente a produtos. Os setores de embalagens, cosméticos, têxteis e tantos outros têm revolucionado seus produtos com inclusão de componentes nanoestruturados. O segmento de TIC também é clássico.

Qual sua opinião sobre o programa Ciência sem Fronteiras? Qual o impacto que ele terá?

Sou favorável. A meta é arrojada e talvez não precisasse ser essa. Houve aprendizado no processo de gestão até aqui, hoje conseguimos administrar melhor. Os países receptores estão muito contentes com o programa, afinal o Brasil passou a ser um bom mercado para suas universidades. Resta saber qual lado aproveita melhor o investimento de preparar melhor o brasileiro. Em tamanho menor, Brasil já fez isto formando quase todos os doutores da década de 70 no exterior.

E a volta desse pessoal do Ciência sem Fronteiras? O Brasil está se preparando para quando eles voltaram?

Não temos programa consistente de médio e longo prazo. Sem isso, o resultado será incerto, meio que por acaso. Teremos bons exemplos isolados para justificar o programa, politicamente, todavia sem um projeto estratégico de Brasil, não teremos impacto significativo. Vale a pena ver programas semelhantes que Coreia, China e Singapura têm realizado. Certamente, são muito mais estruturados.

O senhor gostaria de acrescentar alguma coisa?

Apesar da falta de um plano estruturado, o investimento em capacitação será sempre necessário e valoroso. Mesmo com menor eficácia do que poderia ser, o efeito multiplicador é enorme. Pena que quase só a comunidade técnica-científica defende. Isto deveria ser convicção de todos os dirigentes, legisladores, e controladores públicos. Mais ainda, de toda a sociedade a ponto de se convencer de uma vez por todas, a necessidade de fortalecer a pesquisa e a inovação não deixando faltar recursos, afinal são tão poucos, basta ver os orçamentos de MCTI e de todas as suas agências, comparados com outros orçamentos públicos cujo valor agregado é incomparavelmente menor. Por isso, entidades como Confap, SBPC [Sociedades Brasileira para o Progresso da Ciência], ABC [Academia Brasileira de Ciências], Abipti [Associação Brasileira das Instituições de Pesquisa Tecnológica], Anpei [Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras] têm convergência de opiniões e convicções.

(Evanildo da Silveira)