Comunidade científica cobra medidas ao ministro de CT&I
Na tentativa de dinamizar a área científica, uma dúzia de dirigentes de instituições científicas cobrou várias medidas ao ministro de Ciência, Tecnologia e Inovação, Clelio Campolina, que se reuniu com a comunidade científica na última quinta-feira (17) pela primeira vez, desde que assumiu a pasta, há um mês.
No debate, realizado na Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), na unidade da Rua Maria Antônia, no auditório da Universidade de São Paulo (USP), cientistas e pesquisadores cobraram, por exemplo, o fortalecimento da Ciência, a reversão de corte de recursos na pasta a fim de aumentar o fomento a atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação. Solicitaram ainda o apoio do MCTI no âmbito da ética nas pesquisas clínicas avaliada pelo sistema CEP/Conep (Comitê de Ética em Pesquisa/Comissão Nacional de Ética em Pesquisa), hoje sob o guarda-chuva do Conselho Nacional de Saúde, do Ministério da Saúde.
Mediando o debate, a presidente da SBPC, Helena Nader, cobrou a recuperação de R$ 1,2 bilhão do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), uma das principais fontes de recursos para atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação no País. As informações são de que parte significativa dos valores do Fundo está sendo canalizada para o programa Ciência sem Fronteiras (CsF). Helena reiterou ser a favor do Programa, mas discorda do governo federal de utilizar os recursos do FNDCT para fomentar o CsF.
Por sua vez, o ministro reconheceu que o governo está utilizando recursos do FNDCT no Programa Ciências sem Fronteiras e disse que a pasta montou uma equipe para avaliar tal situação. “Isso está em meu colo.”
Foco no Livro Azul
Na ocasião, Helena cobrou também atenção do ministro para as diretrizes traçadas na 4ª Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia, realizada em 2010, que deram origem ao chamado Livro Azul. Essa publicação, que conta com um conjunto de medidas para superar os novos desafios da política de ciência, tecnologia e inovação, representa uma bússola para transformar essa área em uma política de Estado. “A quarta Conferência é o ponto de partida. Não é (preciso) começar com o diagnóstico”, recomendou Helena.
Em resposta, Campolina disse ter cometido “uma falha”. Na ocasião, o ministro aproveitou o debate para anunciar quatro editais. “Cometi uma falha, porque falei de improviso. Mas prefiro falar de improviso para as pessoas saberem o que penso. Se venho aqui ler um papel ninguém sabe se o papel é meu ou se alguém o escreveu para mim”, desviou o ministro. Em tom de brincadeira, ele disse que as medidas do Livro Azul “estão tão presentes na nossa cabeça que a gente esquece o óbvio”, disse ele, em um gesto de “agradecimento” à Helena.
Demonstrando apoio às diretrizes da 4ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, Campolina destacou que a comunidade científica brasileira já expressou, em várias oportunidades, o que entende sobre avanço científico, quais são os desafios e as prioridades.
Burocracia nas análises de pesquisas científicas
Reforçando o pleito da comunidade científica, Carmen Rial, presidente da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), que falou em nome do Fórum de Ciências Humanas Sociais Aplicadas, saiu em defesa da desburocratização das análises clínicas com humanos realizadas pelo sistema CEP/CONEP. Nesse caso, Carmen pediu apoio ao MCTI. Ela considera fundamental o Ministério acompanhar as discussões relacionadas à ética nas pesquisas, na tentativa de acelerar a análise dos processos.
Hoje, segundo disse Carmen, há um grupo de trabalho, do qual fazem parte diversas associações de ciências humanas – liderado pela Aba – que vem tentando traçar as especificidades da ética nas pesquisas. “Seria importante que o Ministério acompanhasse essa discussão, porque está extremamente difícil fazer pesquisas no Brasil.”
Com a mesma opinião, a professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Cynthia Sarti, reforçou o apelo. “A Conep está bloqueando as pesquisas em humanos.”
Em resposta, Campolina destacou que há um discussão no CEP da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) para construir o que seria um padrão de ética do comitê da universidade. “Acredito que isso deve acontecer em todas as universidades. E precisaria fazer um esforço para construir um padrão que seja comum para todo mundo”, sugeriu o ministro, sem entrar no mérito de uma eventual participação do MCTI nas acaloradas discussões que acontecem no sistema CEP/CONEP. Nas palavras do ministro, o ideal seria criar um comitê de ética padrão que pudesse ser desagregado, depois, para áreas específicas.
Na avaliação do ministro, as discussões sobre ética nas pesquisas clínicas, sobre organismos geneticamente modificados (OGMs) e as de uso de animais na experimentação científica são questões relevantes. “O Brasil tem que tomar posições diante delas e criar algum tipo de padrão de referência de normalização e mais ainda, de ver como discutir a questão política, se vai usar ou não animais nos experimentos”, aconselhou Campolina.
Programa Ciência sem Fronteiras
Na ocasião, a presidente da ABA, Carmen, voltou a cobrar a participação da área Ciências Humanas Sociais Aplicadas no Programa. Defendeu também o aumento da verba para bolsas para pesquisadores do CNPq e acréscimo de recursos destinados às diárias de pesquisadores quando se locomovem para outros estados a trabalho – cujas verbas hoje estão defasadas.
Em resposta, Campolina destacou que o aumento do valor das bolsas é um desafio e essa medida depende do orçamento da pasta que vem passando por restrições financeiras.
No caso do Ciência sem Fronteiras, o ministro não entrou no mérito de incluir a área de ciências Humanas Sociais Aplicadas no programa. Limitou-se a dizer que o programa, em seu conjunto, está abrindo uma “impressionante” janela de oportunidades para a comunidade brasileira. “Os resultados estão sendo muito bons.”
Queda de recursos para projetos de pesquisas do CNPq – Em outra frente, Vanderlan da Silva Bolzani, da Sociedade Brasileira de Farmacognosia (Sbfgnosia), cobrou aumento de recursos destinados aos projetos de pesquisa do CNPq, dedicados a várias áreas do conhecimento. Ao criticar o corte de verba para essa categoria nos últimos anos, disse que o teto desses recursos que era de R$ 150 mil, para um projeto de pesquisa no decorrer de dois anos, caiu para R$ 120 mil.
No caso do piso desses recursos, que era de R$ 20 mil, para pesquisadores iniciantes, Vanderlan informou que existe a promessa para essa quantia subir para R$ 30 mil. Ela alerta, porém, que trata-se de um acréscimo modesto diante da defasagem inflacionária, o que inviabiliza a pesquisa nacional.
“Isso enfraquece a Ciência e a pesquisa deste País, porque pesquisa com qualidade é cara. Como fazer inovação no País se não existe pesquisa básica com qualidade?”, questiona, citando como exemplo a baixa competitividade na indústria de fármacos no Brasil. “Inovação é criação de novos produtos.” Tradicionalmente, o Brasil registra déficit de US$ 12 bilhões ao ano na balança comercial de fármacos.
Por sua vez, Campolina reconheceu que os recursos para os projetos de pesquisas são insuficientes. Como consolo, disse que essa realidade se repete também em países como a China. “Quando eu estava na China, algumas universidades também reclamaram que estão sem recursos. E os recursos sempre serão pequenos na área de pesquisa porque os desafios sempre serão maiores.”
Importação de insumos para pesquisa – Já o presidente da Sociedade Brasileira de Bioquímica e Biologia Molecular (SBBq), Moacir Wajner, cobrou uma solução para viabilizar a importação de insumos utilizados em pesquisas científicas e criticou a dificuldade para importar um animal transgênico utilizado para melhorar as pesquisas biomédicas no Brasil.
Em resposta, Campolina citou a proposta do Regime Diferenciado de Contratação (RDC), em tramitação no Congresso Nacional que, segundo disse, pode ajudar a destravar o desembarque desses materiais estrangeiros no Brasil. “Esse é um assunto que tem de continuar na agenda”, pontuou.
Quanto à importação de animais transgênicos, Campolina destacou a divergência que impera no colegiado da CTNBIO, composto por 54 membros. “Estou preocupado como tratam desse assunto. O Brasil tem de ter certa objetividade para resolver os problemas”.
(Viviane Monteiro/Jornal da Ciência)