Entrevista com candidato: “Jamais a ciência e a cultura foram tão importantes na vida de tantas pessoas no mundo”

Para o filósofo Renato Janine Ribeiro, candidato à Presidência da SBPC, a entidade deve focar no alinhamento do Brasil com o futuro promissor que o conhecimento de qualidade tem trazido para o mundo

2015-05-na-coreia-diante-de-lagoO filósofo Renato Janine Ribeiro acredita que a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) está sendo chamada – hoje e ao longo dos próximos dois anos – a ter uma liderança decisiva para o Brasil não só retomar as conquistas dos governos democráticos, mas também utilizar toda a contribuição da ciência, da cultura e da tecnologia para formular, a exemplo do que começa a acontecer em países desenvolvidos, novas e viáveis utopias, capitaneadas pelo conhecimento, numa grande aliança pela vida melhor. Candidato à Presidência da entidade no mandato 2021-2023, Janine Ribeiro acha essencial que o conhecimento científico se difunda por toda a sociedade. “O que supõe muitas ações, desde a luta pela recomposição e fortalecimento dos orçamentos de CT&I, Educação, Cultura e Meio Ambiente, com projetos de inclusão social, de desencarceramento e de pacificação da sociedade.”

A votação para os cargos da Diretoria e Secretarias Regionais para o biênio 2021-2023 e à renovação de parte do Conselho para o quadriênio 2021-2025 da SBPC começa no dia 27 de maio. A lista completa dos candidatos, com seus respectivos currículos, bem como mais informações sobre o processo eleitoral, estão disponíveis no site da SBPC: http://portal.sbpcnet.org.br/eleicoes-2021/.

Professor titular da cadeira de Ética e Filosofia política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP), Janine Ribeiro foi ministro da Educação entre abril e outubro de 2015. Filósofo, escritor e colunista, é também membro do Conselho Consultivo de Inhotim. Leia a seguir a entrevista que ele concedeu ao Jornal da Ciência sobre sua candidatura à presidência da SBPC:

Jornal da Ciência – Por que o senhor decidiu concorrer à presidência da SBPC?

Renato Janine Ribeiro – Porque nunca a ciência, a educação e a tecnologia – bandeiras essenciais da SBPC – foram tão importantes no mundo e, especialmente, no Brasil. Primeiro, para enfrentarmos a pandemia que talvez mate um milhão de pessoas em nosso país, perante um governo federal inerte. Segundo, para retomarmos o que Ciência, Educação e Tecnologia têm trazido de bom para o mundo, aumentando a duração e a qualidade da vida.

Assim, penso que a SBPC precisa de um foco muito claro, de um lado, para garantir a manutenção de conquistas relevantes da comunidade e também da sociedade brasileira, de outro lado, para alinhar o Brasil num futuro promissor que o conhecimento de qualidade tem trazido para o mundo, em especial, os países com mais investimento no saber. Devemos sempre ter em mente que estamos lutando, por um lado, contra a grande regressão efetivada estes anos, por outro, em favor das enormes bênçãos que o conhecimento traz à nossa sociedade. Esta é uma batalha decisiva. Jamais a ciência e a cultura foram tão importantes na vida de tantas pessoas no mundo. Precisamos recuperar seu financiamento e, assim, beneficiar a sociedade humana com o que elas hoje proporcionam.

JC – Quais são suas propostas para a condução da entidade?

RJR – Antes de mais nada, precisamos unir todas as forças vivas do Brasil nesta dupla pauta: o enfrentamento da pandemia e da ignorância, hoje grassando no País com efeitos devastadores; mas também a formulação de propostas positivas para retomar nosso avanço científico, cultural e tecnológico, nosso compromisso com o meio ambiente, um crescimento econômico sustentável e socialmente justo, finalmente, o avanço da justiça social e dos direitos. A SBPC tem um histórico importante nesta área e está sendo chamada, hoje e nos próximos dois anos, a ter uma liderança decisiva para o Brasil sair deste atoleiro, avançando na linha do que foi conquistado em algumas décadas de governos democráticos.

JC – Como vê a situação da Ciência, Tecnologia & Inovação (CT&I) no mundo e no Brasil hoje?

RJR – Há uma ambiguidade de base em tudo hoje. Por um lado, como disse Angela Merkel (Chanceler da Alemanha), vivemos a pior situação desde o fim da II Guerra Mundial. O PIB (Produto Interno Bruto) retrocede mundo afora, cai a expectativa e a qualidade de vida, as pessoas se deprimem. Por outro, nunca a ciência e o conhecimento tiveram um papel tão importante.

As vidas salvas da pandemia se devem à ciência, à saúde pública, à educação. E estes são alguns dos focos principais da SBPC e de nossa comunidade. Lembro Churchill, no pior momento da guerra: “Nunca tantos deveram tanto a tão poucos”. Ele falava dos pilotos da RAF (força aérea britânica) enfrentando a barbárie nazista – nós podemos falar dos cientistas e pessoal de saúde e educação fazendo frente à pandemia e à ignorância.

Precisamos então que esses “tão poucos” – alguns milhões, na verdade, só para falar do Brasil – se tornem multidão. Necessitamos e queremos que o conhecimento científico e rigoroso se difunda por toda a sociedade. O que supõe muitas ações, desde a luta pela recomposição e fortalecimento dos orçamentos de CT&I, Educação, Cultura e Meio Ambiente, como projetos de inclusão social, de desencarceramento, de pacificação da sociedade.

JC – Como vê o cenário político para os próximos dois anos e como acredita que pode afetar a CT&I?

RJR – As forças democráticas do Brasil precisam formular um programa comum para restabelecer a plenitude da democracia no País. Este programa deve ser abrangente, enfrentando a barbárie em todos os aspectos. Mas eu pude constatar, como ministro da Educação entre abril e outubro de 2015, que, apesar do forte conflito entre aqueles que na época eram os dois principais partidos brasileiros, os pontos de maior acordo entre eles estavam justamente nas áreas que são diretamente nossas: Educação, Ciência, Tecnologia, Inovação, Cultura, Meio Ambiente.

É preciso recompor estes pontos de encontro, mas deixando claro que também temos de retomar a inclusão dos grupos historicamente discriminados, garantindo no Brasil a justiça social e a igualdade de oportunidades. A injustiça social e a desigualdade, além de destruírem enorme número de vidas e talentos individuais, também atrasam o desenvolvimento, inclusive econômico, de nosso país. É enorme o desperdício de energia e capacidade que a injustiça social acarreta no Brasil.

JC – Como pretende manter o equilíbrio fiscal da entidade nos próximos anos?

RJR – Uma possibilidade é ampliarmos o número de sócios da SBPC, em acordo com as sociedades científicas, de modo a promover a dupla filiação deles a cada uma das 162 afiliadas e à própria SBPC, simultaneamente.

JC – Além de parcerias com as sociedades científicas afiliadas, como atrair novos sócios?

RJR – Penso que a necessidade de definirmos novos projetos de vida é premente. Estamos agora no fundo de um poço, mas os anos anteriores ao desastre pandêmico mundial e ao desastre político nacional foram marcados por avanços inéditos no conhecimento e no que ele pode produzir. Podemos perfeitamente formular uma utopia, no melhor sentido da palavra, para uma vida melhor pessoal e coletiva. A boa notícia é que a principal contribuição para este futuro está nas áreas de nossa atuação, já mencionadas, bem como na atividade física não competitiva. Uma grande aliança pela vida pode ser o ponto de partida não só para recompor o tecido social esgarçado, mas para mobilizar aqueles, jovens e não jovens, que sintam entusiasmo por melhorar o mundo. A SBPC pode e deve ser o espaço das novas e viáveis utopias.

JC – Como vê a atuação das Secretarias Regionais?

RJR – Ela é decisiva. São elas que capilarizam a ação da SBPC em cada estado em que atuam. Devem ser estimuladas, dentro do espírito de uma grande aliança entre a pesquisa científica e tecnológica, o ensino superior e o tecnológico, a cultura e a atividade física não competitiva, como protagonistas, tendo também a educação básica como um local importante de nossa atuação. Não há futuro para o Brasil sem uma participação ativa em cada rincão do nosso território – e a expansão do ensino federal superior e tecnológico, ocorrida de 2003 a 2015, bem como o fortalecimento no mesmo período da Capes e do CNPq devem estar entre os fundamentos para a redução das desigualdades regionais e sociais do País, contando com as Secretarias Regionais como poderosas associadas.

JC – Como vê a participação das 162 afiliadas à SBPC?

RJR – Deve ser mantida a sistemática de amplo diálogo e cooperação entre elas e a SBPC. Como antes afirmei, seria desejável que, nas sociedades que têm membros individuais, a filiação fosse simultânea à sociedade e à SBPC, de modo a fortalecer umas e outras. Também se deve colocar em discussão, no caso das áreas do conhecimento que têm associações de pós-graduação, mas não de pesquisadores individuais, a possibilidade de criar estas últimas, para fortalecer ainda mais a atuação daqueles que fazem a pesquisa no Brasil.

Jornal da Ciência