A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) tem que manter seu papel na mobilização da sociedade para a garantia dos direitos conquistados e garantidos pela Constituição, na visão do professor e neurocientista Carlos Alexandre Netto, candidato à presidência da instituição no mandato 2021-2023. “É preciso resgatar o papel da Educação e da Ciência para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa e menos desigual, e contribuir para a construção de um projeto de País, com esperança e garantia de direitos”, opinou.
A votação para os cargos da Diretoria e Secretarias Regionais para o biênio 2021-2023 e à renovação de parte do Conselho para o quadriênio 2021-2025 da SBPC começa no dia 27 de maio. A lista completa dos candidatos, com seus respectivos currículos, bem como mais informações sobre o processo eleitoral, estão disponíveis no site da SBPC: http://portal.sbpcnet.org.br/eleicoes-2021/.
Graduado em Medicina, com mestrado e doutorado em Bioquímica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pós-doutorado na Universidade de Londres, Alexandre Netto é professor titular do Departamento de Bioquímica da UFRGS. Já participou da Diretoria da SBPC e é membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC) desde maio de 2014. A seguir a entrevista que ele concedeu ao JC:
Jornal da Ciência – Por que decidiu concorrer à Presidência da SBPC?
Carlos Alexandre Netto – A Presidência da SBPC é um cargo de enorme responsabilidade devido ao papel da entidade na defesa da ciência e da educação, e à representatividade de suas ações e manifestações públicas. Fui convidado por alguns membros do Conselho da SBPC, do qual faço parte, para apresentar meu nome à Diretoria nas eleições deste ano. Com o andamento das tratativas, meu nome foi lembrado para a Presidência. Um pouco surpreso e muito honrado, aceitei o desafio. Participo da SBPC desde os anos 90: fui secretário regional no Rio Grande do Sul e tive a oportunidade de organizar, em nível local, a última Reunião Anual realizada em Porto Alegre. Completo agora o segundo mandato no Conselho, tendo coordenado o Grupo de Trabalho sobre Ensino Superior e participado do GT sobre políticas da Capes. Sou professor universitário e neurocientista, com bom histórico de publicações e orientações de Mestrado e Doutorado (http://lattes.cnpq.br/5561942279332110), e sou Membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC). Fui presidente da Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento (SBNeC) e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Bioquímica e Biologia Molecular (SBBq). Também tenho boa experiência em gestão universitária: fui Diretor do Instituto de Ciências Básicas da Saúde, pró-reitor de Pesquisa, pró-reitor de Graduação e reitor da UFRGS (2 mandatos, de 2008 a 2016). Assim, entendo que tenho bom conhecimento das grandes questões que afligem os setores de ciência e tecnologia e da educação, e de suas consequências na dinâmica da sociedade brasileira, bem como experiência na gestão de grupos motivados por causas comuns e na mobilização da comunidade científica e acadêmica.
JC – Quais são suas propostas para a condução da entidade?
CAN – Nossa proposta para a gestão 2021–2023 é pautada pela defesa intransigente da Ciência, da Educação e da Vida, expressa em ações concretas nas áreas que mais afligem as comunidades científica, acadêmica e escolar, bem como da Democracia e do Estado de Direito. Trabalharemos com a participação das instâncias internas, Diretoria, Conselho, Secretarias Regionais e Sociedades Científicas Afiliadas e em coordenação com a sociedade civil organizada em temas prioritários, como: a) a recomposição orçamentária das áreas de Ciência e Educação – é preciso garantir o fim da Reserva de Contingência do FNDCT e o repasse de R$ 5,1 bilhões ainda em 2021; b) a defesa da liberdade acadêmica como princípio das atividades de ensino e pesquisa; c) a valorização e a popularização da Ciência como forma de combater o negacionismo; d) a revisão, ou revogação, da Lei do Teto (EC95), pois a visão do Estado-Empresa asfixia as áreas sociais, e a própria máquina pública, enquanto privilegia o sistema financeiro; e) a manutenção das duas agências federais de apoio à pesquisa e à pós-graduação, CNPq e Capes, como entidades independentes e complementares; f) a defesa das Fundações de Amparo à Pesquisa e de suas ações com vistas ao avanço da CT&I, articulando políticas regionais e federais; g) a manutenção de Institutos de Pesquisa e de grandes estruturas de pesquisa, como o Projeto Sirius, maior acelerador de partículas do hemisfério sul; h) a enfática defesa do meio ambiente, das populações indígenas e quilombolas, o acompanhamento dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) e das medidas de mitigação das mudanças climáticas; i) a reiterada e imperiosa garantia dos Direitos Humanos, incluindo os direitos da mulher e as questões de gênero; j) a valorização e o apoio às Secretarias Regionais e aos Grupos de Trabalho da SBPC, e a articulação crescente com as Sociedades Científicas Afiliadas; k) ações em defesa do orçamento para CT&I e Educação junto ao Congresso devem continuar, especialmente na Iniciativa de Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP.br) e ações em instâncias do Poder Judiciário talvez sejam necessárias; l) a ampliação da qualidade e a diversidade da comunicação da SBPC com a sociedade, com aumento da presença em redes sociais e nas atividades virtuais.
A SBPC continuará atuando na resistência ao obscurantismo e ao negacionismo e na defesa da Democracia e do Estado de Direito. É preciso resgatar o papel da Educação e da Ciência para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa e menos desigual, e contribuir para a construção de um projeto de País, com esperança e garantia de direitos.
JC – Como o senhor vê a situação da Ciência, Tecnologia & Inovação (CT&I) no mundo e no Brasil hoje?
CAN – A CT&I é um dos pilares do bem-estar e do desenvolvimento humano e econômico. Motivados pelas consequências desastrosas da pandemia de coronavírus, vários países do hemisfério norte estão aumentando os investimentos em CT&I. É o caso dos Estados Unidos, de países da Europa e da China. Sendo a melhor aproximação possível da verdade, o enorme avanço das ciências biomédicas permitiu entender a covid-19 e desenvolver vacinas em tempo recorde. Tecnologias foram aperfeiçoadas e outras criadas, como a vacina baseada em RNA, a partir de pesados investimentos públicos e privados. No Brasil, a intensa atividade de pesquisa em diversas Universidades, no Instituto Butantan, na Fiocruz e noutras instituições contribuíram no esforço global para desvendar as ações do coronavírus e na produção local de vacinas, hoje já em uso na imunização da população. Vacinas desenvolvidas totalmente no Brasil estão em fase de teste e, havendo financiamento público, poderão ser produzidas e utilizadas. Porém, contrariando a lógica e o bom-senso, e o exemplo de países mais desenvolvidos, o Brasil terá em 2021 o menor orçamento para CT&I dos últimos anos! Houve diminuição dos recursos para projetos, para cursos de pós-graduação, para inovação e para a manutenção das bolsas de pós-graduação e de pesquisa. E como também houve redução do orçamento das universidades federais, que concentram grande parte da produção científica nacional, o País está na iminência do colapso do Sistema de CT&I. Isso compromete o presente e o futuro do Brasil. A SBPC vem buscando apoio no Congresso, com a participação de outros atores, para a recomposição orçamentária, especialmente após a entrada em vigor da Lei do Teto de Gastos (EC95), editada para limitar o gasto público, e que, na prática, tem asfixiado todas as áreas sociais. Ainda, há a questão do negacionismo da ciência que inclui os terraplanistas, os movimentos anti-vacina, a negação das medidas de contenção da covid-19 e a pregação por tratamentos ineficazes. Apesar de ser um fenômeno mundial, os efeitos do negacionismo são mais deletérios quando os governos deixam de basear as políticas públicas no conhecimento científico.
JC – Como vê o cenário político para os próximos dois anos e como acredita que pode afetar a CT&I?
CAN – Vivemos um período em que a conjuntura social e política é crítica e preocupante. A pandemia de coronavírus se converteu na maior crise sanitária da nossa história, hoje com mais de 400 mil óbitos, e trouxe uma crise humanitária de grandes proporções. O Governo Federal tem uma clara política anti-ciência e anti-educação, expressos tanto na asfixia orçamentária dos setores, como no discurso oficial e nas ações dos mandatários. Há também retrocessos nas áreas de meio ambiente e direitos humanos e o crescimento da pobreza e da insegurança alimentar. É bem possível que o governo e as forças políticas devotem boa parte do tempo e da energia à CPI da Covid, recém instalada, e suas consequências. Mesmo que a imagem da Ciência e o discurso a seu favor possa ganhar alguma força, a questão fundamental é a recomposição orçamentária para CT&I e Educação e a destinação dos fundos do FNDCT já em 2021.
O ano 2022 será de campanha majoritária num cenário fortemente polarizado, mas distinto daquele de 2018. Será importante a mobilização da sociedade para a garantia dos direitos conquistados e garantidos pela Constituição. A SBPC deverá cobrar compromisso das candidaturas com CT&I e Educação (bem como Saúde, Meio Ambiente, Direitos Humanos…). Interromper a curva de desinvestimento federal será um passo importante para o estabelecimento de políticas que garantam o desenvolvimento sustentável do País.
JC – Como pretende manter o equilíbrio fiscal da entidade nos próximos anos?
CAN – A SBPC tem um quadro de servidores e despesas fixas bem ajustado ao seu orçamento, e não tenho conhecimento sobre dívidas de maior impacto. Portanto, o equilíbrio fiscal dependerá da receita. Apesar de valores decrescentes, recursos dos ministérios, especialmente do MCTI tem sido disponibilizados. À exceção de 2021, foi prática recente a captação de emenda parlamentar para a entidade, outra importante forma de financiamento. Trabalharemos com a perspectiva de aumentar a dotação do MCTI, do MEC e de outros ministérios através de ações específicas e desenvolvimento de projetos. Também buscaremos apoio no Congresso junto às bancadas mais sensíveis à pauta de CT&I para a destinação de emendas parlamentares. As Secretarias Regionais serão estimuladas a buscar recursos nas Fundações de Apoio dos estados e a realizar campanhas para novos sócios. A possibilidade de realizar parcerias com empresas e fundações privadas poderá ser discutida na Diretoria e Conselho.
JC – Como atrair novos sócios?
CAN – Aumentar a representatividade da SBPC é um desafio constante. Em tese, todos os professores, técnicos e estudantes universitários poderiam ser sócios, tendo em vista a missão da entidade. Professores dos outros níveis de ensino, estudantes de ensino médio e técnico e membros de sociedades científicas também. Apesar de boa parte da população acreditar na importância da ciência, não tem sido fácil atrair novos sócios, especialmente nessa época de distanciamento social, em que as Reuniões Anuais e os Eventos Regionais presenciais não podem ser realizados. Penso na realização de campanhas de novos sócios em duas frentes: nas Secretarias Regionais, associadas aos eventos locais de discussão e de divulgação científica (mesmo os virtuais); e nas Sociedades Científicas Afiliadas. Também fazer chamadas para associação nas atividades veiculadas pelos canais virtuais e redes sociais da SBPC.
JC – Como vê a atuação das Secretarias Regionais?
CAN – As Secretarias Regionais são estrutura chave para que a SBPC cumpra seus objetivos, pois elas possuem a capacidade de mobilização da comunidade científica local. Trabalharemos em sintonia com elas, estimulando as reuniões regionais e outros eventos, e considerando os interesses científicos e culturais locais. Os eventos e as iniciativas de caráter nacional também contarão com a ativa participação dessas secretarias, tanto na concepção como divulgação. Desde logo, contaremos com as Regionais para a preparação das comemorações do Bicentenário da Independência, em 2022, programação que reúne a SBPC e outras entidades e que deverá discutir estratégias de desenvolvimento, baseadas em ciência e tecnologia, de longo prazo para o País. Pretendemos estimular a criação de Núcleos em cidades com a presença de campi universitários e centros de pesquisa, que poderão reforçar as Regionais ou até evoluir para novas Secretarias, sempre com o objetivo de aumentar a mobilização da comunidade científica.
JC – Como o senhor vê a participação das 162 afiliadas à SBPC?
CAN – As sociedades científicas afiliadas possuem missões específicas para suas áreas de conhecimento, mas todas coincidem na defesa da ciência e da educação como princípios basilares. Recente mudança estatutária prevê a inclusão de três representantes das sociedades afiliadas no Conselho, o que será efetivado no ano corrente. A ativa participação das afiliadas na instância decisória do Conselho, bem como em apoios em manifestações públicas, confere maior representatividade à SBPC e reforça seu papel frente à sociedade. Faremos também o esforço de incluir mais sociedades científicas como afiliadas, especialmente naquelas grandes áreas do conhecimento que se encontram pouco representadas no quadro atual. Com maior representatividade e capacidade de mobilização, a SBPC será uma voz cada vez mais eloquente em defesa da ciência.
Jornal da Ciência