PLN ignora recursos não reembolsáveis, essenciais para a CT&I do País

“O PLN 8 foi aprovado do jeito que o Ministro da Economia queria. Mas não da maneira que queremos e solicitamos”, comenta Ildeu de Castro Moreira, presidente da SBPC

O Congresso Nacional aprovou na última terça-feira (1º) projeto que destina crédito suplementar no valor de R$ 1,888 bilhão para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), principal fonte de recursos para pesquisa e desenvolvimento (P&D) do País. Mas os recursos liberados só podem ser utilizados para financiar operações de crédito para empresas, mantendo sem recursos os projetos estratégicos desenvolvidos por universidades e instituições de ciência e tecnologia e a subvenção econômica para empresas, que dependem de recursos não reembolsáveis.

Foram apresentadas 27 emendas ao projeto, de parlamentares de vários partidos, em sua grande maioria para liberar os recursos como não reembolsáveis, uma vez que já há a disponibilidade de bastante recurso para crédito empresarial, mais de R$ 6 bilhões,  inclusive com baixa contratação na Finep. No entanto, o relator do PLN 8/2021 e líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), rejeitou todas as emendas sugeridas.

“O PLN foi aprovado do jeito que o ministro da Economia queria. E não aceitaram nenhuma de nossas solicitações. É um absurdo, porque o próprio Congresso não se empenha para o cumprimento da LC 177/2021 que ele mesmo aprovou, com grande maioria, dois meses atrás, extinguindo a Reserva de Contingência do FNDCT”, comenta Ildeu de Castro Moreira, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Ele destaca que os recursos do FNDCT são fundamentais para a infraestrutura de laboratórios e instituições de pesquisa e universidades, para a inovação, particularmente em pequenas e médias empresas, via subvenção econômica, e para projetos de instituições de C&T de cooperação com empresas, entre outros. Para ele, a estratégia do ME é fragmentar a liberação dos recursos do FNDCT e só liberar a parte de recursos não reembolsáveis no final do ano quando já não houver mais tempo para utilizá-los. “Trata-se de uma violação, na prática, de lei aprovada”, completa.

Entidades científicas ligadas ao ICTP.br, entre elas a SBPC, enviaram carta aos líderes de partidos, blocos partidários, comissões e parlamentares no dia 31 de maio alertando que o PNL 8 deveria prever a liberação integral e imediata dos recursos do FNDCT exigida pela Lei Complementar 177/21. E que a destinação dos recursos unicamente para créditos reembolsáveis não atenderia às necessidades dos projetos científicos em curso no País.

De acordo com as entidades, neste momento de grave crise sanitária e econômica, o investimento em CT&I é absolutamente essencial para o enfrentamento da pandemia e para a superação das dificuldades econômicas e sociais do País. Foi por entender isto que o Congresso Nacional aprovou recentemente, por uma maioria muito expressiva, a LC 177/21, que extinguiu a Reserva de Contingência do FNDCT e o transformou em fundo financeiro. Tal aprovação resultou também da atuação conjunta dos setores ligados à CT&I. No entanto, a LOA 2021 (Lei nº 14.144/21), promulgada em 23/04/2021, manteve em seu bojo a Reserva de Contingência do FNDCT, ao arrepio, portanto, da LC 177/21 que fora aprovada quatro semanas antes pelo Congresso Nacional.

Desde então, o Governo Federal já encaminhou dois PLNs para desbloquear recursos do FNDCT alocados anteriormente na Reserva de Contingência. Nenhum dos dois projetos, no entanto, libera integralmente os recursos ilegalmente mantidos na Reserva.

FNDCT

O FNDCT foi criado em 1969 para apoiar financeiramente programas e projetos prioritários de desenvolvimento científico e tecnológico nacionais, tendo como fonte de receita os incentivos fiscais, empréstimos de instituições financeiras, contribuições e doações de entidades públicas e privadas.

Em 1998, o Governo Federal criou os fundos setoriais, cujos recursos foram alocados no FNDCT. A intenção era permitir um fluxo contínuo de recursos orçamentários e financeiros com mecanismos eficientes de decisão no apoio à pesquisa e ao desenvolvimento, em todos os níveis, com altos padrões de qualidade. Em 2015 criaram a Reserva de Contingência.

O FNDCT teve entre os anos de 2006 e 2020 cerca de R$ 25 bilhões contingenciados e atualmente está com mais de 90% de seus recursos presos nessa Reserva de Contingência. No decorrer da sua existência, outras batalhas foram travadas, como a luta para que não fosse extinto e sua transformação  em um fundo financeiro.

Em dezembro passado, o Projeto de Lei Complementar 135/2020, de autoria do senador Izalci Lucas (PSDB-DF), que transformou o FNDCT em fundo financeiro foi aprovado. O projeto impedia que seus recursos fossem colocados em Reserva de Contingência. O PLP foi aprovado no dia 17 de dezembro pela Câmara dos Deputados, com 385 votos favoráveis, 18 contra e 2 abstenções. Em janeiro o governo sancionou a nova Lei Complementar 177/2021. No entanto, os itens que impediam a alocação dos recursos na reserva foram vetados.

Antes, o fundo era considerado apenas de natureza contábil — ou seja, não podia aplicar seus recursos para obter retornos, que multiplicariam seu capital, e mantê-los no Fundo no ano seguinte. Com a nova lei, o FNDCT contará com essa fonte de receita e, também, com os retornos de sua participação no capital de empresas inovadoras, além de poder usar os saldos financeiros do ano anterior.

Em março, o Congresso Nacional, com uma votação amplamente majoritária, derrubou o veto que mantinha a Reserva de Contingência do FNDCT, considerado o principal ponto da proposta. Assim, o governo está impedido por lei de bloquear os recursos do fundo. Mas usaram o estratagema, criticado na época pela SBPC, de postergar a promulgação da LC 177/21. Assim, a aprovação da Lei Orçamentária Anual de 2021, antes da publicação formal da derrubada do veto, permitiu ao governo, num primeiro momento, manter a alocação de recursos na Reserva de Contingência. Há negociações entre o MCTI e a equipe econômica para a liberação gradual dos recursos, mas o ME todo o tempo tenta postergar e não liberar os recursos não reembolsáveis. Além disso, o ME pretende definir como os recursos do FNDCT devem ser usados, o que, pela Lei 11.540/07, não é atribuição dele, mas do Conselho Diretor do FNDCT. As entidades científicas também se manifestaram em contrário a esta ação do ME.

Vale lembrar que através da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), agência pública que apoia a inovação e que atua como Secretaria Executiva desse fundo, o FNDCT financiou, ao longo de cinco décadas, projetos estratégicos em instituições de ciência e tecnologia, em universidades, em empresas e nas Forças Armadas. Possibilitou a criação, consolidação e expansão de inúmeros laboratórios nas universidades brasileiras e de empresas que mudaram o perfil da economia brasileira, como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e Embraer, além de muitas outras iniciativas inovadoras.

Jornal da Ciência