A revolução das vacinas

Adaptada para a covid-19, a tecnologia aplicada à genética trouxe uma nova geração de vacinas e medicamentos que prometem mudar para sempre a forma como a biologia molecular é aplicada à medicina. Confira a reportagem da nova edição especial do Jornal da Ciência!
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Foto: Paulo Schueler/Fiocruz

Foi tão rápido que muitos duvidaram que fosse possível. Antes do fim de 2020, ano em que o novo coronavírus causou a pior pandemia da humanidade em um século, os cientistas já tinham uma vacina pronta para ser aplicada. Até então, o desenvolvimento de vacinas levava em média dez anos, a mais rápida foi a da caxumba, que demorou quatro anos.

Mas não foi de repente. Ao contrário, as tecnologias que possibilitaram chegar às vacinas contra a covid-19 já vinham sendo desenvolvidas há pelo menos 20 anos, a partir de outros tipos coronavírus que causaram as epidemias SARS (2003) e MERS (2014). Uma das grandes inovações agora foi a tecnologia aplicada à biologia molecular, área que estuda os organismos do ponto de vista de suas moléculas, com foco nos chamados ácidos nucleicos, o DNA recombinante. O DNA recombinante é uma molécula constituída por segmentos do material genético, que codifica uma proteína de um organismo qualquer retirada deste, manipulada e clonada em um veículo como um plasmídeo, o qual pode ser introduzido em um vírus, bactéria ou levedura que passará então a produzir aquela proteína como se fosse sua.

A tecnologia recombinante não é nova, nasceu nos anos 1980, mas passou por um acelerado progresso nas últimas três décadas, tornando possível a utilização da molécula intermediária no processo de síntese proteica, ou seja, a molécula resultante da transcrição do DNA recombinante, que é o RNA mensageiro, ou mRNA.

A aplicação desses resultados na confecção da chamada vacina de mRNA é a revolução desses anos de estudo. Atualmente existem duas opções mRNA aprovadas em alguns países como Reino Unido, Estados Unidos, Canadá, Israel e Brasil, entre outros: a da empresa alemã BioNTech em parceria com a farmacêutica Pfizer, que apresentou uma taxa de eficácia de 95% na prevenção da covid-19, e da Moderna, uma desenvolvedora de vacinas com sede em Massachusetts, nos EUA, em parceria com o National Institutes of Health, com taxa de eficácia de 94,1%.

A médica epidemiologista e pesquisadora Ana Brito, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em Pernambuco, explica que a vantagem dessa tecnologia é dispensar o cultivo de vírus em laboratório. Os imunizantes são criados a partir da replicação de sequências de RNA por meio de engenharia genética, o que torna o processo mais barato e mais rápido. A aprovação das vacinas de terceira geração, como são chamadas, representa um marco para a ciência.

Mas como destaca Brito, vacinas não são uma panaceia e todas têm vantagens e desvantagens. “A vantagem dessas vacinas sobre as demais é que, uma vez encontrada a chave do desenvolvimento, se pode modificar o RNA mensageiro a partir de novas cepas ou variantes que possam surgir, o que seria difícil fazer com uma vacina de vírus atenuado ou inativado”. A principal desvantagem das vacinas mRNA é a de serem produtos que requerem conservação em congelamento.

Uma outra técnica é a do vírus inativado, que parte da obtenção de massa de partículas virais por replicação do próprio vírus agente patogênico em laboratório. Uma vez obtida uma grande quantidade do vírus, em condições de biossegurança de nível 3 ou 4, dependendo da agressividade do vírus, ocorre o processo de sua inativação, fazendo com que ele não seja mais capaz de infectar e assim gerar a doença. Ao ser injetada, essa vacina apresenta para o sistema imunológico as características morfológicas do vírus.

O vírus inativado, técnica que pode ser considerada mais clássica, é a base da chinesa CoronaVac, a mais aplicada no Brasil por ter disponibilizado um volume maior de doses. Por um lado, como lembrou a epidemiologista, as vacinas tradicionais de vírus atenuado ou inativado já compensaram o custo do desenvolvimento, por isso são mais acessíveis.

Com toda a alta tecnologia das vacinas genéticas, custos mais elevados e exigência de uma cadeia de frio mais complexa, as que estão chegando aos braços da maioria da população, especialmente nos países mais pobres, são as de vírus inativado/atenuado.

As desvantagens são, além do risco envolvido na produção das partículas virais, o fato da cepa do vírus utilizado poder não acompanhar as mudanças ocasionadas pela evolução das novas cepas circulantes. Há ainda a questão das variantes, que podem driblar as estratégias tradicionais.

“Estamos vivendo um momento atípico em todos os sentidos, tanto de crise sanitária como no de lidar com o vírus pandêmico que tem mais de um ano de disseminação no mundo e criou variantes que as vacinas desenvolvidas podem não reconhecer. Por isso as vacinas genéticas podem se mostrar como grande vantagem nessa corrida”, analisou Ana Brito.

Segundo a organização Aliança Global por Vacinas e Imunizantes (Gavi, na sigla em inglês), até o dia 1º de junho havia 184 vacinas contra a covid-19 em fase de estudo pré-clínico (exploradas em laboratório e testes em animais), 35 em fase clínica 1 (teste em humanos saudáveis), 36 em fase 2 (grupos maiores de humanos), 25 em fase 3 (testes amplos a nível internacional, com o desafio contra o agente viral real, para determinar a eficácia contra a covid-19). Quinze vacinas estão em uso e cinco estão em fase 4, de monitoramento após a aplicação.

Para a bióloga Lucile Maria Floeter-Winter, professora titular do Departamento de Fisiologia do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), não importa qual técnica é utilizada no desenvolvimento de uma vacina, mas sim, chegar no seu objetivo, que é fazer o organismo do sujeito que recebe a vacina produzir uma ‘fotografia’ do patógeno. Dessa forma, ele será capaz de reconhecer o patógeno quando ocorrer a infecção real e estará pronto para produzir os anticorpos.

“Quando estamos imunizados, desenvolvemos ‘armas’ para que, quando esse vírus entrar em nosso organismo, os anticorpos e outros mecanismos de defesa celular atuem, não deixando a doença se estabelecer”, resume Floeter-Winter.

A edição especial do Jornal da Ciência, “Em busca da vacina verde-amarela”, está disponível para download gratuito neste link. Acesse a publicação completa e compartilhe!

Janes Rocha