No dia 11 de março deste ano completaram-se 50 anos da morte de Anísio Spínola Teixeira, um dos maiores pensadores da educação pública do Brasil. Teixeira construiu uma obra histórica, filosófica, pedagógica e política seminal, aderindo e disseminando ao movimento chamado Escola Nova, que questionava os métodos tradicionais de ensino. Para ele, a escola deveria ser um instrumento de fortalecimento da democracia e combate às desigualdades sociais.
Sua carreira transitou entre a academia e a gestão educacional na administração pública. Criou instituições fundamentais para o País, como a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e a Universidade de Brasília (UnB); reformulou os sistemas educacionais nos estados da Bahia e do Rio de Janeiro; exerceu vários cargos executivos e foi presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) por duas gestões (1955-1957 e 1958-1959). A atualidade de seu pensamento é quase uma unanimidade entre profissionais de educação que lembram dele como um homem de ideias e ação.
O escritor e jurista Anísio Teixeira nasceu no dia 12 de julho de 1900 em Caetité, na Bahia. Vindo de uma família tradicional – seu pai, Deocleciano Pires Teixeira, era médico e foi chefe político do município –, estudou em colégio de jesuítas e cursou Direito da Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), formando-se em 1922. De volta à Bahia, em 1924, a convite do governador do Estado foi nomeado Inspetor Geral do Ensino, cargo hoje equivalente ao de um secretário estadual, iniciando sua carreira de pedagogo renovador e administrador público.
Em 1931 mudou-se para o Rio de Janeiro, se tornou secretário da Educação do Estado e realizou uma ampla reforma na rede de ensino, com a intenção de integrar a escola primária à universidade. Em 1932, foi um dos articuladores e signatários do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, documento considerado um marco inaugural da organização do ensino brasileiro, ao definir premissas que resultariam em um plano nacional de educação e princípios de gratuidade, universalidade, obrigatoriedade e laicidade. Em 1935, fundou a Universidade do Distrito Federal, que deu origem à Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil.
Teixeira viajou por diversos países europeus e foi aos Estados Unidos para conhecer experiências educacionais. “Foi assim que tomou conhecimento das ideias de John Dewey acerca da educação progressiva e democrática e do movimento Escola Nova”, observa Carlos Roberto Jamil Cury, filósofo e pesquisador da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas).
Suas ideias foram criticadas pelos conservadores que o tacharam de “comunista”, o que era todo o contrário: Teixeira era um liberal que acreditava que a educação poderia ser a superação de impasses, de problemas econômicos, políticos e sociais. “Ele foi o maior idealizador e, portanto, a maior referência na luta por uma educação pública de qualidade, igualitária, laica e integral, que visa à formação plena de nossas crianças e jovens”, afirma a pedagoga Maria Cristiani Gonçalves Silva em sua tese de doutorado “A educação integral na escola de tempo integral: as condições históricas, os pressupostos filosóficos e a construção social da política de educação integral como direito no Brasil”, defendida na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em 2018.
Perseguido durante o Estado Novo (1937- 1945), Teixeira se afastou da vida pública, dedicando-se à mineração (atividade econômica da família). Terminada a primeira era Vargas, ele voltou à arena pública em 1946, como conselheiro de educação superior da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). No ano seguinte, de volta à Bahia, fundou o Centro Educacional Carneiro Ribeiro, mais conhecido como Escola-Parque. O projeto inspirou seu grande amigo, também educador, Darcy Ribeiro, que criou o projeto dos Centros Integrados de Educação Pública (Cieps) baseado nas Escolas-Parque.
Em 1951, Anísio Teixeira participou da criação da Capes e, a partir de 1952, tornou-se o secretário-geral do órgão. No mesmo período, acumulou a direção do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (Inep), onde criou o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE). Em fins dos anos 1950, Anísio Teixeira ainda participou dos debates para a implantação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira. Ao lado de Darcy Ribeiro, foi um dos fundadores da Universidade de Brasília (UnB), da qual seria reitor. Com o golpe de 1964, foi aposentado compulsoriamente pelos militares por causa de seus posicionamentos e pensamentos.
Para o professor titular de Epidemiologia no Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Naomar de Almeida Filho, Anísio Teixeira deixou um imenso legado para a educação brasileira em todos os planos e setores. “Ele foi um defensor ferrenho da democracia e da liberdade através da educação pública. Foi corajoso, enfrentava as polêmicas com muita audácia, por isso foi muito perseguido e talvez por isso tenha sido, de muitas maneiras, esquecido depois de morto”, diz Almeida Filho, que também é vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Pública (Abrasco).
Ensino de qualidade
Anísio Teixeira acreditava, conforme escreveu em 1936 no seu livro ‘Educação para a Democracia’, que “só existirá democracia no Brasil no dia em que se montar no País a máquina que prepara as democracias. Essa máquina é a da escola pública.”
E foi esse pensamento que o conduziu pelo caminho da perseverança e abnegação em defesa do ensino de qualidade, afirma Cury. Segundo ele, Teixeira avançou em uma época em que a educação era formulada e concebida para poucos.
Uma de suas maiores contribuições está no entendimento da necessidade de se democratizar o acesso ao ensino. “A ideia era fazer com que a escola deixasse de ser feita pela elite e que pudesse dar início a uma sociedade mais justa e igualitária, uma vez que para ele a educação não era produto de mudanças, mas sua geradora. Ele enxergava a educação como um caminho não violento para a democracia política e ao mesmo tempo a derrubada de privilégios sociais. Ele sendo jurista, enxergava que o privilégio era o contrário do direito. Tanto que escreveu vários livros, entre eles o ‘Educação não é privilégio’ e ‘Educação é direito’”. Mas Cury lamenta que, mesmo suas ideias sendo perenes, Anísio Teixeira ainda seja pouco conhecido fora do âmbito educacional.
Em um texto sobre o educador, o sociólogo Florestan Fernandes (1920-1995) afirmou que Teixeira foi campeão na luta contra a educação como privilégio: “Ele sempre quis banir esse mal do solo brasileiro, para que a educação fosse um valor universal, acessível a todos, capaz de criar no Brasil uma revolução brasileira que fosse realmente democrática em todos os seus aspectos.”
“Anísio foi ainda um grande defensor da correlação ciência e democracia”, diz Cury, ponderando que esse talvez tenha sido o ponto para o ingresso dele na SBPC. “Nesse sentido, ele é um iluminista ao dizer que a ignorância impede as pessoas de terem uma visão mais realista e crítica de si, dos outros e da sociedade”, afirma.
“Anísio Teixeira foi o patrono/mentor da educação brasileira contemporânea, atuando não somente como planejador, mas também como organizador e inspirador de seus sucessores”, afirma Sérgio Mascarenhas, professor aposentado da Universidade de São Paulo (USP) e ex-aluno de Anísio Teixeira. Mascarenhas lembra que quando trabalhou no Rio de Janeiro, no começo de sua carreira, Teixeira dizia que o Brasil seria realmente desenvolvido quando enchesse o Maracanã para eventos de Educação além de futebol.
“Ele é a maior referência na luta pela educação pública de qualidade, igualitária e laica, desde o ensino fundamental, por acreditar que educação é a base para se ter um país democrático”, ressalta Mascarenhas. “Espero que a lembrança do legado de Anísio Teixeira seja um grito de socorro para a pandemia educacional e cultural que o Brasil está vivendo”, completa o cientista e presidente de honra da SBPC. (Grande mestre dos cientistas do Brasil, Mascarenhas faleceu pouco antes desta edição ser lançada, aos 93 anos, no dia 31 de maio de 2021)
Formação de professores
Anísio Teixeira acreditava que a importância do professor não podia ser reduzida a uma mera transmissão de conhecimento adquirido socialmente. O educador via o professor muito mais como um estimulador que guia o aluno em sua atividade de estudo. “Ele batia na tecla que a universidade é o lugar de formação de professores. De que professores têm que beber do conhecimento científico, dos melhores métodos e, ao mesmo tempo, ter a consciência de quais são as barreiras e limites, que circundam a história do Brasil”, diz Cury.
Nesse sentido, Luiz Antônio Cunha, professor emérito da UFRJ, destaca que Anísio Teixeira participou da concepção do Instituto de Estudos Avançados em Educação (IESAE) da Fundação Getulio Vargas (FGV), fundado em 1971 com o propósito de cooperar no planejamento de sistemas educacionais, na organização e no desenvolvimento das escolas, na construção de seus currículos, na formação do professorado e na avaliação do esforço educacional.
“Ele havia sido convidado a participar das iniciativas da criação de um instituto de estudos na área de educação e por isso desenvolveu o Instituto e o concebeu não apenas como programa de pós-graduação, mas como um centro de pesquisas. Era um instituto de estudos avançados em educação porque realizava pesquisa. E isso é revolucionário, porque no geral os cursos de pós-graduação ensinam e depois pesquisam. E o IESA era o inverso, pesquisava, e, por isso, ensinava”, ressalta Cunha, ao lembrar que a iniciativa marcou muitos pesquisadores da área de educação até sua extinção, em 1990. “Anísio era um tipo raro. Um intelectual que teve sucesso como dirigente público. Além de um grande pensador, foi um homem de ação”, conclui Cunha.
CRIME POLÍTICO
Anísio Teixeira morreu no dia 11 de março de 1971, aos 70 anos, após cair no fosso de um elevador no prédio onde morava o professor e crítico Aurélio Buarque de Holanda, em Botafogo, na zona sul do Rio de Janeiro. Em campanha por uma vaga na Academia Brasileira de Letras (ABL), iria almoçar com o crítico. Saiu às 11 horas e desapareceu, sendo encontrado dois dias depois. Os médicos legistas estabeleceram a data, mas não havia informações sobre se a morte teria sido acidental.
O professor aposentado da Escola Politécnica da Universidade Federal da Bahia (UFBA), João Augusto de Lima Rocha, traz evidências em seu livro “Breve História da Vida e Morte de Anísio Teixeira – Desmontada a farsa da queda no fosso do elevador” (Edufba, 2019) de que o educador não morreu da forma como se dizia. Conta a versão oficial que ele teria passado pela portaria, dirigindo-se até o elevador, no térreo, que se abriu. Ele não viu que a cabine não estava, entrou e teve uma queda fatal. Porém, segundo Rocha, ele teria sido torturado e assassinado, tendo em seguida seu corpo ali deixado.
“Ele sofreu muitas escoriações: uma contusão muito grande na cabeça, quebrou todas as costelas do lado direito e uma do lado esquerdo. E os óculos fundo de garrafa, quebráveis, ficaram em cima de uma das vigas, intactos, como se alguém tivesse colocado ali”, apontou.
Em 2012, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) voltou a investigar sua morte e segundo dados do relatório da Comissão da Memória e Verdade Anísio Teixeira, da UnB, de setembro de 2015, não havia condições objetivas para assegurar que se tratava de uma morte por acidente. Por outro lado, não era possível indicar que a morte de Teixeira tenha sido resultado de ação direta da repressão, seguindo inconclusas as investigações a respeito das circunstâncias do seu falecimento.
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Vivian Costa