Pela retomada dos recursos da ciência, menos pulverização e mais projetos estratégicos

Entre os participantes do webinar "Financiamento da pesquisa no Brasil", promovido pelo SEESP, realizado sexta-feira, 16 de julho, estiveram Ildeu Moreira, presidente da SBPC, Mariana Moura, pesquisadora e fundadora do grupo "Cientistas Engajados", e o professor José Roberto Cardoso

A Ciência e a Tecnologia (C&T) brasileira sofrem há anos não só com a redução, ano a ano, de recursos investidos como também com a pulverização dos valores, consequência da falta de planejamento. Para Adolfo José Melfi, professor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (IEE/USP), é preciso focar em grandes projetos estratégicos para o País, com viés de mobilização nacional, visando o desenvolvimento, a tecnologia e inovação.

“Mesmo quando existem recursos suficientes para a ciência, eles são usados de maneira que não obedecem a uma estratégica de reunir a comunidade científica, tirando os institutos nacionais de ciência e tecnologia que foi uma ideia bastante clara e boa e que poderia ser estratégica para o Brasil”, afirma Melfi, reconhecendo que falta dos recursos que vêm sendo retirados dos projetos em andamento acabam tendo um resultado ainda pior.

“Tenho participado das avaliações desses INCTs, e a gente vê que a principal causa da não obtenção dos resultados previstos é falta de liberação dos recursos”, completou.

O professor, que também foi reitor da USP (entre 2001 e 2005) e é membro da Academia Brasileira de Ciência, participou do webinar “Financiamento da pesquisa no Brasil”, promovido pelo SEESP na sexta-feira (16/7). Participaram também Ildeu Moreira, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC); Mariana Moura, pesquisadora e fundadora do grupo “Cientistas Engajados”; e o professor José Roberto Cardoso, coordenador do Conselho Tecnológico do SEESP, que coordenou a atividade.

“Um evento sobre esse tema no País é muito importante. Todos nós brasileiros da área tecnológica entendemos o quanto é importante esse tema. É a pesquisa que nós traz as melhorias para as nossas vidas”, declarou Murilo Pinheiro durante a abertura do evento.

Aliás, a realização de mais debates contínuos, organizados e que pautem o desenvolvimento do País foi sugerido pelo professor Melfi: “Há uma falta de debate do setor. Não conseguimos definir uma estratégia para que grandes projetos possam deslanchar. Acho que precisaríamos ser mais ativos nesses debates de projetos estratégicos para o país ao invés de ficar distribuindo dinheiro pequeno, fragmentado o que, na prática, não dá nem para comprar um equipamento de médio porte”.

A escassez dos recursos foi apresentada pelo presidente da SBPC, que exibiu alguns gráficos sobre o quadro geral da Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). Em um recorte de tempo maior, embora haja descontinuidade, os investimentos aumentaram nos últimos 30 anos, o que levou a um crescimento substantivo da pós-graduação, elevando o país para o 14º lugar em publicações internacionais de artigos. Apesar de ter crescido com capilaridade, existem ainda desigualdades regionais como, por exemplo, na Amazônia, cujo potencial é muito pouco explorado por grupos de pesquisa e universidades.

“Foi graças aos investimentos na agricultura tropical, por meio da Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária] e das universidades públicas, que bilhões de dólares estão sendo injetados na economia brasileira”, destacou Moreira.

No entanto, comparado a outros países, o Brasil investe muito pouco em P&D: somente 1% do produto Interno Bruto (PIB). Em 2011, o Brasil ocupava a 47º posição no ranking mundial. Em 2020 caiu para o 62º lugar, ficando atrás de países como México, Chile e Costa Rica. “Chegamos a 1,3% mas está caindo nos últimos anos. Outros países como Coreia do Sul, Japão e Israel ultrapassam 4% do PIB. EUA e Alemanha aportam na ordem de 3%. A China está chegando lá”, completou.

Segundo ele, desde 1995 a China vem aportando recursos continuados em P&D e o resultado é visível. Atualmente, disputa mercado com os EUA, inclusive na produção cientifica. Só em pesquisa básica investiu 22 bilhões de dólares em 2020, mais do que o total de investimento do governo brasileiro em qualquer área. “Ou seja, políticas continuadas, projetos de País é o que faz a diferença para a recuperação econômica”, observou.

A ausência de investimento e de uma política continuada impacta diretamente na mesa do brasileiro, podendo faltar alimentos básicos como arroz e feijão. É o que atesta a pesquisadora Mariana Moura, fundadora dos “Cientistas Engajados”. Citando um artigo na revista Nature, da pesquisadora brasileira Luciana Gate, do Inpe, lembrou que a Amazônia está produzindo mais gás carbônico do que capturando. Isso pode resultar que a Amazônia, em algum momento futuro, pode não ser mais moduladora das chuvas e da umidade que vêm para o sudeste, que permitem a produtividade da agricultura.

“É claro que investimento em C&T pode contribuir com a produtividade no campo, mas sem chuva não tem ciência que dê conta. Ou seja, com menos umidade no sudeste, o resultado será uma produção menor de alimentos”, alertou.

Ela exibiu um gráfico, resultado de sua pesquisa de doutorado, que mostra a evolução da balança comercial física, que é a quantidade de matéria-prima que o Brasil exporta versus a quantidade de produtos que o Brasil importa. “Existem vários instrumentos para medir os déficits da balança comercial financeira e monetária. Mas faltam instrumentos mais precisos para medir a balança comercial física”.

De acordo com ela, nos últimos 50 anos o País perdeu mercado no mundo, como mostra o gráfico. Enquanto a importação de matérias e produtos se manteve, aumentou-se muito a exportação de matéria-prima básica – aumentando a extração de recursos naturais como ferro, soja e carne, justamente para equilibrar a balança devido à importação de produtos tecnologicamente mais avançados. A superexploração de recursos naturais resulta em fuga da riqueza e mais acidentes nesses locais, como os de Brumadinho e Mariana, uma vez que as empresas reduzem custos com segurança.

Ao concluir sua fala, lembrou que o Brasil é um país rico e que a melhor forma de distribuir essa riqueza é a partir de uma política de distribuição de renda, com valorização do salário mínimo. Citando uma pesquisa do Ipea, lembrou ainda que é com geração de emprego e renda que é possível aumentar a produção econômica. “Para isso, a gente vai precisar pensar em como a ciência e tecnologia conseguirão contribuir com a ampliação da produtividade e da produção no País”.
Mobilização
Ildeu Moreira citou atuação conjunta da SBPC com engenheiros no final da décida de 1977,quando foi realizada a reunião anual da entidade, no teatro da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), que havia sido proibida pelo regime militar, e que teve papel importante para a criação da nova constituinte dez anos depois.
“Foi quando a SBPC começou a puxar, juntamente com outras entidades da sociedade civil como o Sindicato dos Engenheiros do Estado de São Paulo e a Federação Nacional dos Engenheiros, a criação de uma nova constituição com propostas para garantir constitucionalmente investimentos para a ciência e tecnologia. É um registro muito importante de atuação conjunta que tivemos naquele momento e que eu acho que deveria se repetir”, recordou Moreira, lembrando o momento crítico atual de crises econômica, social e sanitária que o País passa.
Ao final do evento, Murilo declarou apoio a mobilização sugerida pelo dirigente da SBPC: “Estamos juntos desde já. O sindicato está de portas abertas para esse movimento. E vamos fazer mais eventos como esse, focando no desenvolvimento tecnológico. Fico absolutamente satisfeito pelas palavras de todos aqui, agradeço a participação e a oportunidade de ver palestras tão brilhantes e importantes”.

Seesp