Deputados acatam propostas da comunidade científica
Após pressão da comunidade científica e de representantes de povos indígenas e comunidades tradicionais em busca do aperfeiçoamento do projeto que propõe a Lei de acesso ao patrimônio genético, aos conhecimentos tradicionais e repartição de benefícios (PL 7735/14), parlamentares fizeram alterações no texto que deve ser votado no Plenário nesta terça-feira, 18.
A análise de votação do texto – que tranca a pauta do Plenário – estava prevista para última terça-feira, 11, mas foi adiada por falta de consenso entre as partes interessadas na proposta.
A presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Helena Nader, considerou um avanço a incorporação de recomendações da SBPC antes da votação da matéria. Os ajustes estão sendo conduzidos pelos deputados Luciana Santos (PCdoB-PE) e Alceu Moreira (PMDB-RS) juntamente com os Ministérios do Meio Ambiente (MMA), do Desenvolvimento Agrário (MDA), da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC).
Helena considerou também positiva a realização da Comissão Geral da Câmara para ouvir representantes da sociedade. “Foi uma vitória o adiamento da votação do projeto, porque povos indígenas e de comunidades tradicionais começam a ser ouvidos ”, analisou Helena. Até então, esses povos – detentores dos conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade, área de interesse comercial da indústria de cosméticos, por exemplo – não foram ouvidos na elaboração do texto original do PL 7735.
Uma recomendação da SBPC incluída no texto é a participação efetiva de representantes dos segmentos da sociedade civil envolvidas com o tema (setor empresarial, comunidade científica, povos indígenas e de comunidades tradicionais e agricultura familiar) no Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN), vinculado ao Ministério do Meio Ambiente (MMA).
Composição paritária no CGEN
Ao Jornal da Ciência, a deputada Luciana informou que foi incluída no texto a “composição paritária” no CGEN. Na prática, o governo fica com 50% a 55% da composição do CGEN, enquanto as comunidades tradicionais, a comunidade científica e a indústria ficam com 15%, cada um.
No olhar da presidente da SBPC, a participação de todas as partes interessadas no CGEN pode contribuir para que haja um efetivo controle social sobre atuação do Conselho e sobre a gestão do patrimônio genético – que é um bem de uso comum do povo, conforme estabelecido pela Constituição brasileira.
Outra sugestão da SBPC, acatada pelos parlamentares, é a participação direta de povos indígenas e de comunidades tradicionais e da agricultura familiar na mesa de negociação com a indústria para discutir à repartição dos benefícios derivados do conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético.
Conforme Luciana, não houve alteração no percentual a ser distribuído a povos indígenas e de comunidades tradicionais e à agricultura familiar – de até 1% – da receita do produto final derivado do patrimônio genético.
“Não houve alteração no percentual porque falam que essa fatia representa um volume alto proveniente do lucro dos produtos biotecnológicos. Por isso, 1% de muito não é pouco para ser distribuído”, acrescentou a deputada.
Fundo Nacional de repartição
Luciana esclarece que a repartição dos benefícios do patrimônio genético será canalizada para um fundo nacional e para União. “Já o produto que tem o conhecimento tradicional está fora de 1%. Porque a distribuição dos benefícios relacionados aos conhecimentos tradicionais será negociada caso a caso com a indústria”, afirmou.
Outra proposta da SBPC é o fim do sigilo, como padrão, na formação do cadastro para o acesso ao patrimônio genético. “A proposta, no nosso entender, não está de acordo com a legislação brasileira em vigor sobre acesso à informação, que preconiza a transparência da ação pública e o controle social. Portanto, a SBPC propõe que a Lei deva adotar como regra a disponibilização das informações. O sigilo é exceção e não regra.”, diz trecho de carta da SBPC entregue aos parlamentares.
Segundo a deputada, houve uma flexibilidade na questão do sigilo. “O fim do sigilo foi acatado “em termos”.
Porque se qualquer órgão federal solicitar as informações será possível. Não tem como quebrar todo sigilo por conta da competitividade e de patentes.”
Na prática, no texto que deve ir à votação, chegou-se ao consenso de que as informações do banco de dados (do cadastro) serão públicas, ressalvadas as que possam prejudicar as atividades de pesquisa ou desenvolvimento científico ou tecnológico ou as atividades comerciais de terceiros, podendo tais informações serem disponibilizadas mediante autorização do usuário.
Contribuição da área científica
A deputada destacou a contribuição da comunidade científica para a melhoria do projeto de lei. Nesse caso, citou, por exemplo, o fato de ser considerado no texto do PL 7735 o pleito da comunidade científica de estender a repartição de benefícios também para insumos e matéria-prima. O texto original permitia apenas a distribuição para os produtos acabados.
O deputado Alceu Moreira concorda com Luciana sobre contribuições da Ciência e de outros segmentos para o aperfeiçoamento do projeto que, segundo disse, o novo texto do PL 7735 está equilibrado e harmonioso. Conforme avalia o parlamentar, é possível que o projeto seja aprovado com destaque, mas esses destaques serão sobre “detalhes”.
“No texto, chegamos à conclusão que é preciso estabelecer que quando uma comunidade tradicional tiver conhecimento sobre o uso de qualquer matéria-prima, de um chá por exemplo, e que esse conhecimento for usado pela indústria e gerar resultados econômicos, essa negociação tem de ser feita diretamente com os detentores desse conhecimento tradicional”, antecipou o parlamentar.
Modelo
Diante dos avanços obtidos no relatório do PL 7735, em relação ao texto original, Moreira sugeriu à Câmara dos Deputados a seguir o modelo de negociação, adotado nesse projeto, para poder construir consensos em projetos complexos e de posição antagônica. “É fundamental colocar pessoas extremamente qualificadas e técnicos qualificados, com defesa clara do setor que defende.”
Outro ajuste no texto, segundo o deputado, é o fim da necessidade de empresas desembolsarem recursos, antecipadamente, para pesquisas sobre um conhecimento tradicional com potencial de mercado. “Colocamos a possibilidade da empresa se cadastrar primeiro para discutir as despesas depois que a pesquisa descobrir um conhecimento com potencial para consumo final de mercado”, disse. Acrescentou o parlamentar: “na MP 2186-16/2001 (Medida Provisória), a empresa era inibida a fazer pesquisa porque tinha de pagar despesas sem saber do potencial que a pesquisa iria gerar.”
(Viviane Monteiro/ Jornal da Ciência)