No ano passado, em plena pandemia de covid-19, com as escolas fechadas, o Congresso Nacional aprovou um projeto para permitir que os recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) pudessem ser utilizados para levar acesso à internet em banda larga a todas as escolas públicas brasileiras, em especial as situadas fora das zonas urbanas.
O projeto foi vetado pelo presidente Jair Bolsonaro, mas promulgado depois que o Congresso derrubou o veto. Contudo, apesar de transformado na Lei 14.109/2020, ainda depende de regulamentação do Conselho Gestor do Fust por parte do Ministério das Comunicações, informou a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), sem especificar quando isso acontecerá.
O fato é que meses após a derrubada dos vetos, a nova regra que permitirá financiar a expansão da banda larga para estudantes e professores da rede pública ainda não surtiu efeito e, a depender do Projeto de Lei Orçamentária para o ano que vem (PLOA 2022), esse objetivo continuará distante.
É o que mostra análise do PLOA 2022 realizada pela assessoria parlamentar da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). A proposta de orçamento foi entregue pelo Executivo ao Congresso Nacional em 31 de agosto e a análise da SBPC se deteve nas principais contas que afetam o Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (SNCTI), educação e meio ambiente.
No texto do PLOA 2022, o Fust foi orçado em apenas R$ 50,9 milhões, uma queda de 94% se comparado com o valor previsto na lei orçamentaria de 2021. Por outro lado, foi criado um programa para a Universalização do Acesso de Escolas Públicas à Banda Larga, que só dispõe de R$ 10 milhões. Também foi criada uma nova conta, denominada Subvenção Econômica para Expansão das Redes e Serviços de Telecom, contendo R$ 40 milhões direcionados às empresas privadas de telecomunicações.
Até o ano passado, a arrecadação do Fust totalizou R$ 24,1 bilhões, segundo balanço divulgado pela Anatel, responsável pela administração do fundo. Este ano, de janeiro a julho, o valor arrecadado já atingiu R$ 997,6 milhões.
Para o ano que vem, no entanto, a equipe econômica do governo Jair Bolsonaro não orçou a maior parte do fundo no PLOA 2022, inviabilizando seu uso. O valor estimado para a Universalização do Acesso de Escolas Públicas à Banda Larga corresponde a apenas 1% da arrecadação atual do Fust.
Criado pela Lei 9.998/2000, o Fust é formado com 1% da receita operacional bruta das empresas do setor de telecomunicações. Sua função é, conforme o texto da lei, “estimular a expansão, o uso e a melhoria da qualidade das redes e dos serviços de telecomunicações, reduzir as desigualdades regionais e estimular o uso e o desenvolvimento de novas tecnologias de conectividade para promoção do desenvolvimento econômico e social”.
Porém, um levantamento feito pelo portal Siga Brasil, mantido pelo Senado Federal, apontou que de 2015 a 2020, as despesas realizadas com recursos do Fust para atender à sua finalidade corresponderam a apenas 0,0062% do total arrecadado. A maior parte do dinheiro tem ficado com o Tesouro Nacional que o utiliza para cobertura dos custos da dívida pública. A retenção dos valores arrecadados pelo Fust, bem como de outros fundos públicos, está amparada na Emenda Constitucional nº 109, de 15 de março do corrente ano.
Prejuízo à educação
Para o deputado Idilvan Alencar (PDT-CE), autor do projeto que deu origem à Lei 14.109/2020, a proposta orçamentária para 2022 traz um “prejuízo gigantesco” à educação no País. Segundo ele, a proposta inicial do projeto era direcionar todo o valor depositado no Fust para apoiar iniciativas estaduais e municipais de ampliação do acesso à banda larga nas escolas por todo Brasil. A expectativa era beneficiar mais de 18 milhões de estudantes oriundos de famílias inscritas no Cadastro Único de Políticas Sociais (CadÚnico).
Diante da resistência da equipe econômica a liberar aquelas verbas, os deputados da Frente Parlamentar de Defesa da Educação chegaram a um acordo com o governo pelo qual seriam aplicados R$ 3,5 bilhões – majoritariamente com dinheiro do Fust. Mas nem mesmo o valor acordado foi cumprido até hoje.
“Um país que tem escolas fechadas por dois anos vai comprometer o futuro não só dos jovens, mas do próprio país”, disse Alencar para quem o desvio de recursos que poderiam levar conexão de internet para todo o país para pagamento de dívida pública é um dos sinais das “perdas invisíveis” da educação. “A gente conta número de mortos da pandemia, conta desastre na economia, mas educação parece invisível”, disse.
O presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro, entende que “o uso de Medida Provisória e o recurso à Emenda Constitucional 109 constituem artifícios para impedir a adoção de uma providência necessária para reduzir a desigualdade de acesso dos alunos mais vulneráveis ao ensino remoto, além de permitirem o desrespeito a uma decisão soberana do Congresso, amparada na Constituição, ao derrubar o veto presidencial ao projeto de lei”.
Inovação
Por sua vez, o Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações (Funttel) foi orçado no PLOA 2022 em R$ 21,322 milhões, uma queda de 20% comparado ao orçamento atual. Os recursos para Inovação Tecnológica subiram 61%, com R$ 21,922 milhões previstos para 2022. A verba de Operações de Crédito para financiamento de projetos subiu 26%, totalizando R$ 464,663 milhões.
Ambos Fust e Funttel foram criados para financiar a implantação de redes e inovação tecnológica no setor de telecomunicações, então recém privatizado. O alvo do Fust era garantir os serviços à população mais carente que não seria normalmente atendida pelas companhias privadas em razão de custos e do baixo retorno. O Funttel tem por objetivo estimular a inovação tecnológica, facilitando o acesso de pequenos e médios empresários a investimentos e capacitação profissional, ampliando assim a competitividade da indústria brasileira de telecomunicações.
Janes Rocha – Jornal da Ciência