Fórum Permanente das Sociedades Científicas Afiliadas à SBPC define estratégias para 2022

Encontro, que ocorreu na segunda-feira (24) e reuniu cerca de 100 representantes das entidades, discutiu momento da ciência brasileira e atuação das sociedades científicas neste ano 

Cerca de 100 representantes de sociedades afiliadas à SBPC se reuniram virtualmente nesta segunda-feira (24) para discutir a atuação destas entidades e definir estratégias de ações para ciência, tecnologia, inovação e educação para 2022.

O presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro, abriu a reunião fazendo um balanço da situação do Sistema Nacional de CT&I, afetado por cortes orçamentários e também relembrando as mobilizações realizadas pela entidade para amortizar a situação. “Precisamos traçar metas para preparar o País para o futuro. Nós estamos atrasados em termos de ciência e aplicação dela para o desenvolvimento da sociedade e nós temos de correr contra o tempo para atualizar a situação. Nossa pesquisa continua boa, embora enfrentemos problemas graves, como falta de insumos e de bolsas. O nosso Estado anda muito omisso e isso precisa mudar”, afirma.

Diante do cenário, Janine Ribeiro lembrou que 2022 é o ano do bicentenário da Independência do Brasil e que é uma ótima oportunidade para abordar questões de como a ciência pode contribuir para a soberania e independência nacional, além de discutir se o Brasil é um país soberano e independente de fato. “Será uma ótima ocasião para deixar claro o papel da ciência, da tecnologia, da inovação, da educação, da cultura, da saúde, do meio ambiente e da inclusão social, que a SBPC defende e apoia, para a construção de um Brasil independente e soberano”, disse.

A primeira atividade que deu início as comemorações do bicentenário da Independência, ressalta Janine Ribeiro, foi a “Virada da Independência”, realizada pela SBPC nos dias 6 e 7 de setembro do ano passado. O evento virtual, que contou com 26 horas de programação e 42 atividades, atraiu milhares de internautas.

Para Janine Ribeiro, a programação levou o olhar para o passado, para compreender o presente e pensar o futuro. “O debate sobre o assunto foi importante para torná-lo mais conhecido porque, para muitas pessoas, a ‘Independência’ foi simplesmente o ‘Grito do Ipiranga’. A independência de um país que já se chamava Brasil e que deixou apenas de ser colônia, quando não é verdade. Eram duas colônias — Brasil e Grão-Pará — que se uniram somente após essa independência. Sem contar que o Acre só foi incorporado ao Brasil quase 100 anos depois. A Independência foi resultado de várias batalhas nos mais diferentes lugares, como, por exemplo, a Batalha de Jenipapo (um dos confrontos mais sangrentos da Guerra da Independência do Brasil, em 13 de março de 1823 às margens do rio de mesmo nome na vila de Campo Maior, Piauí), as lutas na Bahia e todos os conflitos regenciais. Também discutimos os problemas deixados e o que falta para que nos tornemos totalmente soberanos”, explica.

Ele também comentou que os 200 anos serão tema da 74ª Reunião Anual da SBPC, que este ano será realizada de 24 a 30 de julho na Universidade de Brasília (UnB). Janine Ribeiro disse ainda que o centenário da Semana de Arte Moderna e o centenário de Darcy Ribeiro também serão abordados durante o evento.

Área de CT&I

Quanto à situação do orçamento de CT&I, Janine Ribeiro mencionou que vários acontecimentos levaram a SBPC a realizar e apoiar mobilizações para frear o desmonte da área. “Tivemos três mobilizações que resultaram em alguns ganhos ,ainda que inferiores ao necessário. A primeira foi a “Mobilização em Defesa da Ciência”, realizada pela SBPC, em articulação com outras entidades científicas e acadêmicas nacionais, como a Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), no dia 15 de outubro. O evento foi motivado após manobra do Ministério da Economia em desfigurar o Projeto de Lei (PLN) 16, de última hora, comprometendo gravemente os recursos antes destinados ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). A manobra retirou mais de R$ 600 milhões para fomento à pesquisa, além de reter em reserva de contingência R$ 2,7 bilhões do Fundo Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (FNDCT). O maior prejudicado foi o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)”, disse. “Coincidindo com o Dia do Professor, o dia começou com um tuitaço, com as #SOSCiência e #LiberaFNDCT que ficaram entre os assuntos mais comentados no Brasil pela manhã”, lembra.

No dia 26 de outubro, a entidade participou da mobilização em defesa da ciência organizada pela ANPG. O evento reuniu parlamentares e representantes de entidades acadêmicas e científicas para discutir cortes no orçamento e importância da ciência para desenvolvimento do País. O dia iniciou também com um tuitaço pela manhã, com a hashtag #SOSCiência, que alcançou os assuntos mais comentados no Twitter.

A SBPC se uniu a outras entidades no dia 23 de novembro na participação da “3ª Jornada de Mobilização em Defesa da Ciência”, que contou com atividades online e presenciais com o mote “Qual o valor da ciência?”.

Após dois meses de mobilizações, no dia 30 de novembro (último dia do prazo) o governo enviou ao Congresso um PLN restabelecendo 100 milhões de reais destinados ao CNPq.

Janine Ribeiro lembrou também que a entidade realizou no dia 29 de novembro o “Dia em Defesa da Pós-graduação”, com painéis e mesas-redondas. Segundo o presidente da SBPC, a motivação para esse dia, que contou com a participação de Cláudia Queda de Toledo, presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), foi defender e exaltar a qualidade da pós-graduação brasileira, reconhecida internacionalmente, além de mostrar sua importância como inclusão social. “Convidamos a presidente da Capes, que participou prontamente. Falamos sobre a demissão dos coordenadores de áreas da agência, da necessidade de um calendário definido da Avaliação Quadrienal, além de solicitarmos a suspensão da portaria sobre Qualis Periódicos. Todas as nossas solicitações foram atendidas”, ressalta.

O presidente da SBPC pontua ainda a ação espontânea da comunidade acadêmica por ocasião da outorga da Ordem do Mérito Científico e que a entidade realizou também uma mobilização em defesa do Arquivo Nacional, no dia 15 de dezembro.

“E começamos este ano com a realização do painel “Fico ou Não Fico? Eis a questão. Jovens Cientistas no Brasil de hoje”. Realizado no dia 10 de janeiro, o evento virtual, que faz parte das atividades do bicentenário da independência, foi em alusão ao Dia do Fico, quando o príncipe regente D. Pedro I decidiu ficar no País após pedido da população. O episódio aconteceu em 9 de janeiro de 1822 e marcou o início de um processo que terminaria com a Independência do Brasil.

Eleições

2022 é ano eleitoral e Janine Ribeiro ressalta que a SBPC vai realizar eventos virtuais para elaborar um documento com propostas de políticas públicas da comunidade científica em vários temas a serem entregues aos candidatos ao Executivo e ao Legislativo. “A SBPC é uma entidade apartidária, mas não apolítica. Por isso, vamos coletar o máximo de elementos para questionar aos candidatos os assuntos importantes como a ciência, a educação, a cultura, o meio ambiente, a saúde, a inclusão social e a tecnologia. Esses sete fatores formam um círculo virtuoso que é capaz de fazer um país se desenvolver“, diz o presidente da SBPC.

Ildeu de Castro Moreira, presidente de honra da SBPC, observa que além de produzir documentos para os candidatos é preciso apontar rumos a serem seguidos para levar o País à soberania nacional. “Estamos vivendo um momento muito difícil, mas acredito que 2022 pode ser o ano da virada. Mas eu concordo que temos de caminhar rumo às nossas independências. O país está muito carente, mas a área da ciência tem condições de fazer isso com competência”, afirma.

Moreira também lembrou que, ao sancionar o Orçamento de 2022, o presidente Jair Bolsonaro vetou recursos que haviam sido aprovados para as áreas de pesquisas científicas e para políticas públicas voltadas para indígenas e quilombolas. “Não podemos nos calar, porque estes cortes são catastróficos”.

Para Moreira, a 74ª Reunião Anual vai ser importante nesse momento crítico político do País. “Seria bom fazer um debate para analisar os quatro anos de desmonte deste governo. Mas as universidades e as entidades científicas precisam se articular e participar das discussões. Tudo o que temos discutido, precisamos colocar em prática”, concluiu Ildeu Moreira.

Já Ennio Candotti, também presidente de honra da SBPC, ponderou que é preciso fortalecer as políticas estaduais nas áreas de CT&I, por causa das Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs). “Estamos pensando em Brasília, mas deveríamos também organizar atividades nos estados para valorizar questões como a descentralização do sistema de CT&I e divulgação científica”, disse.

Prioridades

A preocupação com o meio ambiente foi outro assunto levantado por diversos representantes das sociedades afiliadas, o que abriu espaço para que a coordenadora do Grupo de Trabalho de Meio Ambiente da SBPC, Luciana Barbosa, convidasse integrantes das entidades para participarem do grupo. “Estamos elaborando um documento para mostrar o que queremos para o futuro do Meio Ambiente do Brasil que será divulgado na Reunião Anual e quanto mais especialistas melhor”, afirma. “Diante de tantos desmontes, estamos preocupados. Por isso, precisamos dar referências para os candidatos nessas eleições”, diz.

Adão Francisco de Oliveira, presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia (Anpege), citou alguns pontos que devem ser abordados como as agressões provocadas pelo agronegócio na Amazônia e a mineração, como as barragens em Minas Gerais. “São múltiplos problemas somados aos ataques enfrentados pelas instituições da área, como, por exemplo, o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais)”, disse.

Luís Henrique Souza Guimarães, presidente da Sociedade Brasileira de Microbiologia, e Fernando Oliveira Paulino, da Federação Brasileira das Associações Científicas e Acadêmicas de Comunicação (Socicom), chamaram a atenção para a necessidade de conquistar o apoio de toda a sociedade para pressionar o governo sobre a importância da ciência para o desenvolvimento do País. “Temos melhorado, mas precisamos pensar de forma estratégica como podemos ter o apoio da sociedade”, disse Guimarães. Já Paulino afirma que é preciso que as entidades fiquem atentas para ampliar a divulgação científica na comunicação pública.

Para Edna Castro, professora emérita da Universidade Federal do Pará (UFPA) e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS), hoje a ciência é importante porque ela já foi popularizada e a SBPC tem um papel nessa mudança. “Por isso, as sociedades precisam pensar de como apoiar a SBPC, já que ela precisa continuar forte”.

Patrícia Birman, professora titular de Antropologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e presidente da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), e Valdei Lopes de Araújo, professor associado da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e presidente da Associação Nacional de História (Anpuh), pontuaram que é preciso atrair mais jovens nos projetos de ciência e tecnologia no Brasil. “Sem o apoio da juventude nesse país, qualquer mobilização ficará precária”, afirma Birman.

O antropólogo Otávio Guilherme Cardoso Alves Velho, presidente de honra da SBPC, chamou a atenção para a revisão da lei de cotas que será realizada após dez anos. “É preciso promover debates sobre o assunto para nos prepararmos, porque a discussão não será fácil”, afirma. Ele também pontuou que outro assunto que merece atenção é o “marco temporal”, segundo a qual os indígenas só têm direito à demarcação das terras que já estavam por eles ocupadas no dia 5 de outubro de 1988, quando foi promulgada a Constituição Federal.

Sobre o marco temporal, Janine Ribeiro lembra que a SBPC está atenta e já se manifestou em parceria com a Comissão Arns ao divulgar uma nota em 31 de agosto em defesa dos direitos dos povos originários.

74ª Reunião Anual

Sobre a 74ª Reunião Anual da SBPC, a secretária-geral da SBPC, Cláudia Linhares Sales, pontua que, embora em menor tamanho, o principal evento científico da América Latina contará com atividades que já fazem parte da programação como, por exemplo, a ExpoT&C e a SBPC Jovem, mas que terá novidades. “Vamos ter duas ótimas exposições, sendo uma sobre a ciência brasileira, aproveitando o tema do evento que é o bicentenário da Independência do Brasil, e outra sobre o naturalista Fritz Müller, que chegou ao Brasil em 1852”, observa.

“Vamos também realizar atividades do programa SBPC vai à Escola em Brasília, durante a 74ª Reunião Anual. O programa é voltado para escolas estaduais e municipais de Ensino Fundamental e Médio e tem como principal objetivo a realização de atividades de divulgação da ciência, do estímulo à aquisição do conhecimento científico e da criatividade das crianças, adolescentes e jovens, abrangendo, eventualmente, atividades voltadas à formação de professores de ensino fundamental e médio”, disse.

Vivian Costa – Jornal da Ciência