A vencedora da área de Engenharias, Exatas e Ciências da Terra do 3º Prêmio Carolina Bori “Ciência & Mulher” é Beatriz Leonor Silveira Barbuy, docente do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG/USP). Com uma carreira intensa e extremamente produtiva, Barbuy se tornou especialista na caracterização química de populações estelares, em especial de estrelas velhas e frias, o que a tornou uma das vozes mais influentes da astrofísica brasileira.
A cerimônia de entrega do Prêmio será virtual no dia 11 de fevereiro com transmissão pelo canal da SBPC no YouTube, a partir das 10h30, no Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência.
Filha de pais professores universitários de filosofia, Barbuy cresceu no meio de livros. Confessa que ao ver os pais lendo e discutindo, tinha certeza que seguiria a carreira acadêmica, só não sabia qual. Já na adolescência lia vários livros de filósofos além de romances. Chegou a pensar em fazer psicologia ou línguas, e também biologia. Mas, foi aos 16 anos que ao ler o livro “Um, dois, três… Infinito”, do George Gamow, que decidiu a área a seguir. “Depois de ler minha decisão foi firme, sem dúvidas: eu me tornaria astrônoma. Até pedi um telescópio como presente de aniversário”, afirma.
“Lembro que estava no primeiro ano do clássico mas mudei para o científico. Eu já tinha uma admiração pelas ciências, incluindo matemática, física e biologia. Tive de estudar muito para acompanhar porque não tive o primeiro ano do científico. A partir daí, nunca mais parei de trabalhar”, afirma.
Segundo Barbuy, para trilhar o caminho escolhido precisava estudar física e assim o fez ao entrar na USP, concluindo a graduação em 1972. Em seguida, torna-se mestre em Astronomia em 1976 pelo Instituto Astronômico e Geofísico da USP, mas as coisas começaram a caminhar ao seu objetivo quando foi fazer doutorado no Observatório de Paris, ainda em 1976. “Foi durante o mestrado que percebi que precisaria ir para o exterior para concluir minha educação para iniciar minha carreira em astronomia. A área era muito nova no País. Fui com uma bolsa do CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico] e outra do consulado da França. Embora pequenas, as duas permitiram que eu estudasse”, cita. E lembra que a pessoa que a ajudou a ser aceita no programa na França foi Licio da Silva, astrônomo do Observatório Nacional do Rio de Janeiro.
Conquistou seu doutorado na Universidade de Paris em 1982. “Fiquei cinco anos na França. Lembro que o doutorado (Doctorat d´État) era mais pesado do que atualmente. Mas foi muito bom para minha formação. Tive de aprender a trabalhar. Astrofísica é interessante. Há a teoria – tem que ler bastante –, mas também tem os dados. Quando você está cansado da teoria, trabalha nos dados. Essa diversidade de coisas ajuda a trabalhar várias horas”, comenta. E completa, “fazer o doutorado na França foi crucial para minha carreira. Se eu tivesse ficado no Brasil não teria futuro na astronomia”.
Ao voltar ao Brasil, Barbuy cita foi impactada com as condições precárias de trabalho no País. “Não tinha computador, e pior, existia uma lei dos anos 1980 que não permitia a compra de computadores de fabricação estrangeira por 10 anos. A intenção do pedido era para ocasionar o desenvolvimento de computadores, mas isso não aconteceu. Não se pode culpar ninguém pois vivemos neste país o dilema da consciência de nosso potencial, contraposto à sina de não se conseguir chegar lá em muitos aspectos. Esta regra atrasou o progresso no País em vários aspectos industriais e acadêmicos, razão pela qual continuei a frequentar o Observatório de Paris durante vários meses por ano para poder utilizar seus computadores. A USP tinha computador na cidade universitária, mas a impressora, necessária para ver os espectros estelares, ficava quebrada cerca de 10 meses por ano”, lembra.
Em fevereiro de 1982 foi contratada pelo IAG/USP, onde obteve a Livre-Docência (1987) e tornou-se professora titular em 1997. “Como pesquisadora passei cinco meses, entre os anos de 1983 e 1984, no Observatório Lick (Universidade da Califórnia). Em 1986 fiquei três meses na Universidade de Cambridge e em 1987 dois meses na sede do Observatório Austral Europeu (ESO), em Garching, na Alemanha”.
Nos anos 2000, a pesquisadora participou do programa internacional sobre a formação das primeiras estrelas do halo Galáctico com observações do Observatório Europeu Austral (ESO). Graças ao programa, foi possível obter informações detalhadas sobre a composição química de estrelas formadas há mais de 10 bilhões de anos, e a série de artigos foi e ainda é muito citada. Nos últimos anos vem se dedicando principalmente ao estudo do bojo Galáctico, o que levou a ser convidada a escrever artigo de revisão para a prestigiosa revista Annual Review of Astronomy & Astrophysics, publicado em 2018.
Ao falar sobre o trabalho de professora, Barbuy comenta a felicidade de ver seus alunos seguirem com seus doutorados e se tornarem astrônomos profissionais. “Essa é a minha contribuição imediata e mais importante para a sociedade”, afirma.
Relações e reconhecimentos
A pesquisadora ocupou cargos importantes no Brasil e no exterior. Em 2002 foi eleita para a Academia Brasileira de Ciências (ABC). Suas visitas anuais ao Observatório de Paris continuaram regularmente até o início dos anos 2000. “Em 2006 fui eleita para a Academia de Ciências da França. Fui durante anos para a França, trabalhando duro. Em dezembro de 1976 comecei o doutoramento e em dezembro de 2006 fui aceita na academia. Foi um reconhecimento muito importante, pois só há 150 membros estrangeiros. Acredito que essa é a maior honraria que recebi”, ressalta.
Foi presidente (1992-1994) e vice-presidente (2016-2018) da Sociedade Astronômica Brasileira (SAB) e chefe de Departamento do Instituto Astronômico e Geofísico da USP. Foi vice-diretora do IAG em 2005-2009 e volta a sê-lo atualmente (2021-2025). Entre 1997 a 2000 foi presidente da Comissão 29, sobre Espectros Estelares, e da Divisão 4, sobre Estrelas da União Astronômica Internacional (IAU, na sigla em inglês). De 2003 a 2009 foi vice-presidente da IAU e teve significativa participação na escolha de 2009 como o Ano Internacional da Astronomia, além de promover, com grupo de colegas, a realização da Reunião Trienal da IAU no Rio de Janeiro também em 2009.
Em 2008 foi eleita para a Academia de Ciências para o Mundo em Desenvolvimento (TWAS), e no mesmo ano recebeu o Prêmio Trieste Science Prize da mesma entidade. No ano seguinte, foi agraciada com o prêmio L’Oréal-Unesco 2009 para Mulheres na Ciência, por sua pesquisa sobre “A vida das estrelas, desde o nascimento do universo até nossos dias”. “De certa forma este último me mudou de patamar, pela grande promoção midiática. Por exemplo, nos 15 anos de existência do prêmio, havia painéis ao longo da avenida Champs Elysées com fotos das laureadas incluindo cinco brasileiras”.
Além de fazer ciência propriamente dita, também esteve à frente de iniciativas nacionais como a coordenação de projetos de captação de recursos para o IAG/USP ao longo de várias décadas, contribuindo para a aquisição de workstations e computadores, para a construção de espectrógrafos para o telescópio o Observatório Austral de Pesquisa Astrofísica (Soar), aperfeiçoamento da conexão de internet do seu instituto. Atualmente, a pesquisadora participa do grupo de trabalho para construção e financiamento de dois espectrógrafos, o CUBES para o Very Large Telescope do ESO e o MOSAIC, que será instalado no maior telescópio do mundo, o Extremely Large Telescope ELT, que atualmente está sendo erguido no Chile pelo ESO.
Segundo a astrofísica, desde 2009 tornou-se mais ativa em comitês servindo como membro do Haut Comitê Scientifique de l’Observatoire de Paris (2010-2015), o Júri das Iniciativas de Excelência (IDEX) organizado pela Agence Nationale de la Recherche (ANR) (2011-2022), como membro do júri do prêmio L’Oréal-Unesco (internacional) (2011-2018), bem como membro da Associated Universities for Research in Astronomy (AURA) (2011-2017) e o Comitê Gestor do telescópio Cherenkov (CTA) (2013-2020).
Refletindo sobre sua carreira, Barbuy ainda se questiona porque voltou, mas afirma que não se arrepende. “Voltei da França após finalizar o doutorado porque havia assinado um acordo com o CNPq dizendo que ficaria aqui o dobro do tempo que passaria fora. Passei cinco anos lá. Então tinha que passar 10 aqui. Em segundo lugar, voltei porque você sempre vai ser estrangeiro no exterior. Também tinha perdido meu pai enquanto estava na França. Passei os três primeiros anos em Paris querendo voltar. Só gostei mais de lá nos dois últimos anos. Havia a questão do clima e da família, claro. Fiz menos do que eu queria fazer, mas sei que contribui para o avanço da astronomia do meu país”, finaliza.
Para Barbuy, receber o Prêmio Carolina Bori é muito importante por ser o reconhecimento de seu trabalho em seu país. Para ela, receber prêmios é um incentivo a continuar. “O reconhecimento da pesquisa feita por mulheres é uma iniciativa importante, pois evidencia a qualidade do trabalho científico das mulheres para a população em geral. Seria importante criar mais prêmios em geral no país. E para mim, essa premiação é um alento por ser reconhecida no Brasil. Esse é o meu primeiro prêmio totalmente brasileiro”, comemora.
O Prêmio
Além de Beatriz Barbuy, foram reconhecidas Nilma Lino Gomes, professora titular e emérita da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), como vencedora na área de Humanidades, e Gulnar Azevedo e Silva, professora titular do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), na área de Biológicas e Saúde.
Nesta edição, a SBPC recebeu indicações de 35 Sociedades Afiliadas à SBPC. Do total de indicadas, 11 foram na área de Humanidades, 11 na área de Biológicas e Saúde e 13 de Engenharias, Exatas e Ciência da Terra. Das 35 Sociedades Afiliadas que indicaram, 16 contam com presidentes mulheres.
Criado em 2019, o Prêmio “Carolina Bori Ciência & Mulher” é uma homenagem da SBPC às cientistas brasileiras destacadas e às futuras cientistas brasileiras de notório talento, que leva o nome de sua primeira presidente mulher, Carolina Martuscelli Bori. A SBPC — que já teve três mulheres presidentes e hoje conta com uma maioria feminina em sua diretoria — criou essa premiação por acreditar que homenagear as cientistas brasileiras e incentivar as meninas e mulheres a se interessarem por este universo é uma ação marcante de sua trajetória histórica, em que tantas mulheres foram protagonistas do trabalho e de anos de lutas e sucesso na maior sociedade científica do País e da América do Sul.
Jornal da Ciência