Para Hélio Waldman há necessidade crescente de articulação das engenharias com as ciências, com o mundo da pesquisa. É uma perspectiva bem diferente de cinquenta anos atrás
O sistema de ensino de engenharias está disfuncional no mundo moderno. Essa é a observação que o pesquisador e ex-reitor da Universidade Federal do ABC (UFABC), Hélio Waldman destacou na mesa redonda “Repensando a educação em engenharia”, ontem, 16, na 67ª Reunião Anual da SBPC, em São Carlos. Segundo os participantes da discussão, a universidade deve se dedicar a buscar soluções para os desafios que se colocam em uma disciplina que, entre 2008 e 2011, viu crescer o número de estudantes em 67%, mas que não tem preparado o profissional para as novas exigências de um mercado e um mundo cada vez mais interconectados.
“Um dos grandes problemas que nós encontramos no ensino de engenharia é o distanciamento entre os cursos de engenharia e o restante da universidade. Isso faz com que a engenharia se torne disfuncional no mundo moderno”, salienta Waldman.
Segundo o pesquisador, o papel da engenharia é, e sempre foi, o de incorporar os novos conhecimentos em novos serviços e produtos, e esse é o momento adequado para pensar o seu ensino na universidade. “Há uma necessidade cada vez mais crescente de articulação das engenharias com as ciências, com o mundo da pesquisa. É uma perspectiva bem diferente de cinquenta anos atrás. Mas o nosso ensino não está muito diferente do que era. E como mudar isso?”, questiona.
A mudança no ensino de engenharia deve se articular a uma também necessária mudança em todo o sistema de produção e apropriação de conhecimento, de tal maneira que ele possa se voltar eficazmente para as novas questões que o mundo atual exige tratar, conforme aponta Waldman.
Interdisciplinaridade, portanto, é palavra de ordem nesse processo de reconfiguração. O engenheiro do século XXI continua precisando ter seu expertise disciplinar, mas ele não é mais suficiente. “Cada vez mais, é necessário estabelecer parcerias com outras disciplinas, outros setores, governo, mercado, sociedade. Os engenheiros ainda estão muito atrasados nessa questão da interdisciplinaridade”, comenta.
Menos conteúdo
Para ser capaz de promover essa interdisciplinaridade, o currículo dos cursos deverá passar por profundas transformações. A começar pelo modelo intensamente expositivo e teórico das aulas.
Uma das questões levantadas no debate foi a carga horária, que, nos cursos de engenharia das universidades públicas do Brasil é quase o dobro, por exemplo, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, o renomado MIT. Enquanto aqui o estudante tem um programa de 4500 horas, lá, o curso inteiro soma 2800.
“Como acontece na maioria das escolas de engenharia brasileiras, a abordagem do ensino é muito conteudista. Uma quantidade muito alta de aulas expositivas, muitas disciplinas de fundamentação teórica – não que isso seja ruim, mas a carga de aulas é muito pesada, com conteúdos muito extensos”, destaca Carlos Henrique Ribeiro, professor do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). Segundo ele, o novo curso de engenharia deve articular conceitos teóricos com aprendizado prático.
O MIT, inclusive, fez uma análise bastante objetiva do instituto brasileiro. Em síntese, o estudo do instituto norte americano apontou o grande entusiasmo e pró atividade dos estudantes de graduação; porém, por outro lado, criticou a falta de uma cultura de inovação e educação e pesquisa no curso de engenharia. “Ou seja, é preciso nos acostumarmos com o processo de discutir o ensino e a pesquisa”, destaca Ribeiro.
Foco no aluno
Irineu Gianesi, professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), ressaltou a importância da interação interpessoal, levando o foco das mudanças para o aluno. Nessa abordagem, os desafios pera o novo ensino de engenharia incluem desenvolver competências além da técnica, como trabalho de equipe, especialmente, capacidade de o aluno construir sua própria experiência e conhecimento. Outro ponto que o professor destacou é a necessidade de atrair mais mulheres, promovendo maior diversidade de gênero.
Para tanto, Gianesi salienta que o currículo do curso deve criar espaço em seu programa para que 55% do conteúdo seja dedicado ao desenvolvimento de outras competências complementares ao conhecimento técnico. O instituto, por exemplo, já estipula um máximo de cinco disciplinas por semestre.
“O tempo de dedicação do aluno é limitado hoje em dia”, comenta ele ao enumerar quais deveriam ser os seis objetivos de aprendizagem de engenharia: design centrado no usuário, empreendedorismo, conhecimento técnico, habilidades interpessoais e capacidade de aprender sozinho. “É um processo que deve ter consciência do contexto”, aponta.
(Daniela Klebis/ Jornal da Ciência)