“Precisamos de uma revolução na educação para construir uma nação próspera em um prazo de 30-50 anos”, diz a pesquisadora Claudia Levy
A bióloga Claudia Masini d’Avila Levy, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, inicia sua gestão como secretária-geral da SBPC com a missão de aprimorar a atuação da SBPC no desenvolvimento de políticas científicas e educacionais no Brasil. Segundo ela, o caminho para se chegar a esse objetivo inclui estimular as secretarias regionais a uma maior participação e, especialmente, promover o engajamento de jovens cientistas.
Na entrevista a seguir, a pesquisadora conta que Educação e Ciência serão temas centrais da nova gestão e que a SBPC reforçará sua atuação, em todas as instâncias e canais de comunicação, por uma política educacional que minimize as diferenças de qualidade entre ensinos público e privado, que acabam por acirrar a desigualdade social no País. “O Brasil saiu do mapa da fome da ONU, está na hora de ascender e brilhar ainda mais na Ciência e Educação”, defende.
Jornal da Ciência – Você acabou de assumir o cargo de secretária-geral da SBPC. Quais são os planos e desafios para essa nova gestão?
Claudia Masini d’Avila Levy – Assumir a secretaria geral da SBPC é um grande desafio pessoal. Mas, mais importante que isso é o compromisso profissional de manter, fortalecer e expandir a atuação da SBPC. Assumir uma gestão quando seus antecessores fizeram um trabalho excelente cria a falsa sensação de que basta manter as engrenagens lubrificadas, e passa uma ideia de facilidade.
E é nessa hora que aparece o maior desafio: manter o padrão de excelência e apresentar novidades que aprimorem a atuação da SBPC. Temos algumas metas para essa nova gestão, como aumentar a divulgação das atividades da SBPC, o que deve estimular a incorporação de novos sócios e estimular as secretarias regionais a uma maior participação. O engajamento de jovens cientistas também será perseguido.
JC – Como você avalia as discussões que aconteceram na última Reunião Anual, em São Carlos?
CL – As discussões foram incríveis. As atividades eram tão interessantes e estimulantes que muita gente gostaria de poder se dividir em dois ou três para estar em várias sessões ao mesmo tempo. As discussões nas sessões que eu pude participar foram sempre muito ricas. Um ponto muito interessante da RA da SBPC que a distingue dos Congressos específicos das sociedades associadas é a discussão de política para Ciência e Educação. Muitos jovens colegas, pesquisadores ou professores, e estudantes de pós-graduação mostram uma inquietação acerca das decisões governamentais e dos gestores em ciência.
A SBPC cria um fórum único para discussão dessas políticas, contando com a presença de ministros, secretários, presidente da CAPES, presidente do CNPq, e todos muito acessíveis para troca de ideias, críticas e sugestões. A RA da SBPC é um fórum incrível para a discussão de ideias para um Brasil melhor! Mas o mais estimulante é que a RA não se pauta apenas em discussão de política, existem sessões de altíssimo nível científico. Por exemplo, a palestra sobre os cem anos da teoria da relatividade foi uma atividade que atraiu especialistas, cientistas não especialistas e o público não cientista!
JC – Como os resultados da 67ª RA influenciarão os planos para a próxima reunião, em Porto Seguro? O que podemos esperar para a 68ª Reunião Anual?
CL – Aqui entra mais uma vez o desafio de manter a excelência. A RA realizada na UFSCar eu classificaria como um grande sucesso. Assim como a anterior no Acre, cada uma com sua especificidade. Em Rio Branco, a UFAC luta para atrair e manter “cérebros”. Assim, a realização da RA da SBPC em 2014 veio de encontro a essa luta. Já São Carlos é um polo de Ciência e Tecnologia no País, a grande dúvida era: com o quê e como estimular a participação da comunidade. Situações completamente diferentes com resultados surpreendentes.
A realização da RA fora dos grandes centros de Ciência e Tecnologia do País traz frutos impensáveis. Por exemplo, nesta RA de São Carlos, a cidade de Rio Branco teve mais participantes inscritos que Campinas e Brasília! Acredito que podemos esperar da RA em Porto Seguro, em 2016, um grande engajamento da comunidade da Bahia, além, é claro, da manutenção das mesas redondas, encontros, discussões e palestras de altíssimo nível científico.
JC – A SBPC tem um histórico de engajamento bastante ativo na política nacional; qual o tópico que você acha que é mais pertinente hoje, que é preciso maior empenho da Sociedade?
CL – Existem dois tópicos pulsantes hoje: um mais emergencial, que é a incorporação da ideia de que verba para Educação e Ciência não pode jamais ser diminuída – outros países mostraram que o caminho para vencer crises econômicas é a manutenção e aumento do investimento em Educação e Ciência.
Outro ponto que requer urgência é a educação básica. Vivemos hoje no Brasil um dilema educacional. A universalização da Educação foi, sem dúvida alguma, uma decisão de Estado que atendeu a milhares de jovens brasileiros antes excluídos. Entretanto, a qualidade dessa educação hoje é um ponto a ser melhorado.
Nossa sociedade acirra as desigualdades sociais através da Educação, a noção de “escola de pobre” e “escola de rico” não exige maiores explicações, as palavras falam por si só. Deve-se considerar também que as famílias menos favorecidas tendem a oferecer menores possibilidades de complementação da formação escolar, razão pela qual as classes sociais mais baixas precisariam de uma política educacional que minimizasse esse déficit. O que por ora não ocorre no Brasil.
As pós-graduações do Brasil podem desempenhar um papel transformador nesse cenário. Por exemplo, a atividade de estudantes de pós-graduação em escolas de ensino básico e médio para divulgação da ciência tem um triplo benefício: 1) a divulgação da ciência; 2) despertar a vocação cientista nos jovens brasileiros; 3) despertar uma visão global nos pós-graduandos da situação da educação pública no Brasil.
Quando eu fui estudante, tive a inesquecível oportunidade de participar desse tipo de atividade. Em uma escola em Bonsucesso, Zona Norte do Rio de Janeiro, após a exposição de experimentos básicos em microbiologia, um grupo de uns dez alunos me encheu de perguntas. Pelos comentários deles, ficou claro que me veneravam, como se eu fosse um gênio superdotado (o jaleco branco de laboratório tem esse poder). Ao que respondi: mas vocês também podem fazer isso! Façam faculdade de Ciências Biológicas, ou Química, ou Física! A resposta unânime foi: “isso não é pra gente, somos burros, e nossos professores falaram que nunca seremos ninguém”.
Eu não esqueço aquela tarde, aquela conversa. Naquele instante compreendi que as oportunidades não são as mesmas para todo mundo, e que a educação no Brasil virara um cruel mecanismo para acirrar as diferenças sociais. E não culpo os professores daquela escola! Mal remunerados, com a escola mal cuidada, desvalorizados pela sociedade.
Precisamos ir além de discutir o currículo básico, precisamos de uma revolução na educação para construir uma nação próspera em um prazo de 30-50 anos. O desafio está aí; e os resultados nesse prazo de tempo exigem uma política de Estado e não de Governo. A “Pátria Educadora” não pode ser encarada como um slogan de governo a ser abatido pela próxima presidência, mas um lema nacional suprapartidário. E a SBPC atuará, como já vem atuando, em todas as instâncias e canais de comunicação para fazer do Brasil um País que educa seu povo, seja lá sob que lema ou slogan ou governo. E a educação não pode esperar! “Quem tem fome, tem pressa”. O Brasil saiu do mapa da fome da ONU, está na hora de ascender e brilhar ainda mais na Ciência e Educação.
(Daniela Klebis/Jornal da Ciência)