SBPC reúne Sociedades Científicas Afiliadas para discutir ações para o setor

Encontro virtual, realizado no dia 25 de março, teve participação de representantes do CNPq e da Finep

primeira-fotoCerca de 100 representantes de sociedades científicas de várias áreas do conhecimento e de todo o País esteve reunido virtualmente na sexta-feira, 25 de março, para discutir e definir estratégias de ações para ciência, tecnologia, inovação e educação em 2022.

O encontro teve a participação de Marcelo Bortolini, diretor de Desenvolvimento Científico e Tecnológico da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), e Evaldo Vilela, presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Ambos apresentaram um panorama atual das agências e os planos para 2022, além de ouvirem sugestões dos participantes do Fórum.

Segundo Bortolini, graças à Lei Complementar 177, promulgada em 26 de março de 2021 e que extinguiu a Reserva de Contingência do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) e o transformou em fundo financeiro, a Finep está passando por um ritmo de aceleração. “Em 2019 nós não conseguimos operacionalizar nenhuma ação de fomento porque o que vinha de compromissos desde 2018 era muito superior ao que nós tínhamos de orçamento. Mas a situação melhorou e estamos vivendo uma curva de aceleração”, comemora.

Sem ações em 2019, a empresa contou com 100 novas em 2020 graças a recursos emergenciais que chegaram do governo federal, por meio de Medida Provisória, para fazer ações de combate à covid-19, explica Bortolini. “Conseguimos operacionalizar mais de R$ 800 milhões em 2020. Ano passado, com o descongenciamento parcial do FNDCT, operacionalizamos R$ 1,5 bilhão. Agora, temos o desafio de convencer o Conselho Diretor do FNDCT a autorizar R$ 4,5 bilhões para o Plano Anual de Investimentos para 2022”, explica.

Segundo Bortolini, esse Plano Anual já considera o descontingenciamento completo do FNDCT. “Esse plano desenhado ano passado já nos permitiu lançar ações desde o final de 2021. Lançamos uma chamada de R$ 38 milhões que se encerrou em janeiro e agora temos 133 subprojetos sendo analisados numa demanda de R$ 40 milhões. Também lançamos outra para apoio financeiro a Centros de Inovação, situados em municípios que contam com universidades, centros de pesquisa e institutos federais, mas que não possuem parques tecnológicos em operação ou em implantação. Neste último, serão comprometidos até R$ 50 milhões em recursos não reembolsáveis do FNDCT. Em fevereiro deste ano lançamos uma chamada do Programa Ambientes de Inovação, também com investimento de R$ 50 milhões, para implantação ou modernização de laboratórios abertos para prototipagem e espaços de trabalho compartilhados”, explica ele que citou outros editais.

Para o futuro, explica Bortolini, a Finep conta ainda com a intenção de lançar chamadas para multiusuários, de eficiência energética, e uma voltada para divulgação científica, com a criação de espaços lúdicos para as crianças aprenderem ciência brincando.

Evaldo Vilela, presidente do CNPq, listou projetos em andamento da instituição para 2022, que também foram possibilitados graças ao descontingenciamento dos recursos do FNDCT. “Por conta disso, estamos trabalhando com a Finep e o MCTI na elaboração de chamadas. Já lançamos o Edital Universal, onde inovamos a maneira de fazer seguindo uma linha internacional. Na área de popularização científica, vai sair a Chamada Ciência na Escola de R$ 100 milhões para fazermos ciência para os estudantes. Vamos lançar também, em conjunto com o Confap (Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa), um edital de R$ 10 milhões para dar oportunidade para recém-doutores trabalharem em laboratórios ou em empresas. E vamos ainda lançar outro edital de R$ 300 milhões para novos INCTs (Programa dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia) e outro de R$ 20 milhões para Ciências Humanas”, comenta.

Segundo Vilela, ainda estão sendo desenhadas cerca de 30 chamadas com o MCTI nas áreas da saúde, meio ambiente, engenharia, agricultura, ciências sociais. “Estamos lutando para viabilizar essas chamadas”, afirma.

Vilela ainda citou algumas dificuldades que a instituição enfrenta. “Falta orçamento, sofremos ameaças, mas contamos com a parceria da comunidade científica para seguir na luta porque o CNPq é a casa do pesquisador. Quanto ao número de funcionários, dos 250 existentes, 50 estão para se aposentar. Além desse problema, a instituição precisa ser reestruturada, mas temos sofrido resistência, mas é uma coisa que precisa ser feita para sua atualização”, pondera.

Ao comentar os baixos valores das bolsas de pós-graduação, Vilela disse que é urgente lutar para mudar o cenário atual. Segundo ele, o valor da bolsa já chegou a ser 10 vezes mais que o salário mínimo.

O presidente do CNPq ressaltou ainda a necessidade de mostrar aos parlamentares que os investimentos em ciência, tecnologia e educação são cruciais para garantir o desenvolvimento econômico e que são, de fato, solução para a crise que o País atravessa. “Temos que convencer os parlamentares, já que são eles que decidem e desenham as leis que nos afetam”, finalizou, frisando que é preciso criar mecanismos para que haja uma Política Nacional de Inovação e, assim, elevar o Brasil através do conhecimento.

Segundo Vilela, há uma proposta para reduzir para 15% os recursos reembolsáveis do FNDCT. “Esse dinheiro fica disponível para as empresas, mas elas não estão interessadas porque os juros são muito altos. Por isso ele fica acumulado e devemos reverter isso para o bem da área de CT&I”, afirma.

Nesse sentido, o presidente de honra da SBPC, Ildeu de Castro Moreira, concorda que é importante que a comunidade científica lute para que o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) venha com menos recursos não reembolsáveis para o setor. “Devemos fazer uma campanha forte para isso. Contamos com a Finep e com o CNPq para que pressionem o MCTI para que ele convença o Ministério da Economia para não termos mais dinheiro parado, inutilizado”, afirma ele, que é professor do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Políticas para o setor de CT&I

Outro ponto discutido no encontro foi a elaboração do Plano Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, que está sendo redigido pelo Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CCT), liderado pelo MCTI, e a criação do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovações (SNCTI) por meio de Projeto de Lei.

Segundo Renato Janine Ribeiro, presidente da SBPC, a comunidade acadêmica e científica brasileira está atenta à discussão do assunto. Como o descontentamento com a proposta do governo é amplo, as entidades que compõem a Iniciativa Brasileira para a Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP.br) divulgaram algumas das suas principais demandas sistematizadas na “Declaração de princípios quanto à constituição do SNCTI”. “Até o momento não temos sinalização sobre nossas críticas”, lamenta Janine Ribeiro. Quanto ao PL, ele observa que se chegar à votação, a comunidade deve trabalhar para reduzir os danos.

Francilene Procópio Garcia, diretora da SBPC, citou que na primeira minuta apresentada pelo CCT sobre o Plano Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação não existe nada sobre financiamento, nem como o FNDCT será utilizado. Outro ponto levantado por ela é que nem o CNPq nem a Finep têm participado das discussões. “Sabemos que o FNDCT deveria ser a principal âncora a iluminar projetos estratégicos para o País de médio e longo prazo. Além da gente cumprir a necessidade de algumas demandas fragmentadas em áreas importantes, nós temos de ter a capacidade de construirmos projetos estratégicos para o Brasil”, comenta. E complementa, “acho inconcebível que uma política nacional esteja sendo desenvolvida sem a participação das duas principais agências do MCTI”, afirma.

Ela também afirma que é preciso reorganizar um modelo de participação da comunidade científica na avaliação de políticas públicas para a área de ciência, tecnologia e inovação. “Não dá para ficar brincando de fazer política na área CT&I, sendo ela a área importante para que o Brasil dê certo”, ressalta.

“Esse PL apresentado deveria ser descartado e iniciado do zero. Essa Declaração apresentada pela ICTP.br traz nossas demandas, mas na prática estamos muito distantes do que o documento sugere, por isso, essa é mais uma luta que a comunidade terá de travar. Diante do cenário, a nossa sugestão é que se comece a discutir com os parlamentares esse documento o quanto antes”, reforça Garcia.

Garcia lembra que a formulação da Política Nacional de CT&I, que já tem uma versão inicial, não tem o apoio do próprio MCTI para que vá à consulta pública por não estar madura. “Normalmente essa consulta pública só é aberta quando o texto referente está validado pelos atores, neste caso, nós comunidade participaríamos. Nós estamos tentando convencer, e neste sentido a SBPC já enviou ao MCTI um documento solicitando mais tempo para que este documento seja levado à consulta pública”, explica Garcia.

Fernanda Sobral, vice-presidente da SBPC, por sua vez, lembrou que por ser um ano de eleições, a SBPC vai entregar aos presidenciáveis, durante a 74ª Reunião Anual, que será realizada este ano na Universidade de Brasília (UnB), um documento que está sendo elaborado durante as discussões de seminários temáticos na série “Projeto para um novo Brasil”. Segundo ela, o primeiro seminário debateu  “Ciência, Tecnologia e Inovação” e o segundo, “Educação básica”. Já o terceiro, que será realizado no dia 30, às 16h, irá debater educação superior.

Bicentenário da Independência

A SBPC tem se mobilizado, desde o ano passado, para realizar atividades para celebrar os 200 anos da Independência do Brasil. Segundo Cláudia Linhares Sales, secretária-geral da entidade, os eventos têm como objetivo mostrar algumas vertentes que levaram o País à independência. E, dentro deste mote, a 74ª Reunião Anual da SBPC terá como tema “Ciência, independência e soberania nacional”, em alusão ao ano que marca o bicentenário da Independência do Brasil e o centenário da Semana de Arte Moderna.

Segundo Linhares Sales, dentre as atividades da 74ª Reunião Anual, estarão duas exposições: uma sobre os 200 anos de Ciência no Brasil e outra sobre o grande naturalista e professor Fritz Müller alemão, que chegou ao Brasil em 1852. Também será disponibilizada uma playlist no canal da SBPC no Youtube com depoimentos de representantes de Sociedades científicas Afiliadas registrando a história de sua área nos últimos 200 anos, incluindo também a própria história de sua sociedade ou associação, além dos cientistas, homens e mulheres, que marcaram essa história. Mais detalhes serão divulgados em breve.

Para Janine Ribeiro, o Bicentenário da Independência deveria ser a grande data comemorativa do ano no Brasil. “É significativo que o governo brasileiro não tenha dado importância para este fato, no sentido que não estamos tendo uma política de inauguração de obras públicas, não estamos tendo grandes exposições, nem grandes iniciativas de pesquisa com apoio governamental. Então coube a nós, como sociedade, assumir esse papel”.

“Nós queremos tornar o assunto mais conhecido porque para muitas pessoas a ‘Independência’ foi simplesmente o ‘Grito do Ipiranga’. A independência de um país que já se chamava Brasil e que deixou apenas de ser colônia, quando não é verdade. Eram duas colônias – Brasil e Grão-Pará -que se uniram somente após essa independência. Sem contar que o Acre só foi incorporado ao Brasil quase 100 anos depois. Por isso, queremos mostrar a construção desse Brasil, resultado de várias batalhas nos mais diferentes lugares, como, por exemplo, a Batalha de Jenipapo (um dos confrontos mais sangrentos da Guerra da Independência do Brasil, em 13 de março de 1823 às margens do rio de mesmo nome na vila de Campo Maior, Piauí), as lutas na Bahia e todos os problemas regenciais. Queremos também abrir uma discussão da construção desse país, dos problemas deixados e o que falta para nos tornarmos totalmente soberanos. Queremos relembrar essas datas e fazer estas discussões para que tenham como meta não simplesmente a evocação do passado, mas a construção do futuro”, afirma Janine Ribeiro.

Neste sentido, Fernanda Sobral, vice-presidente da SBPC, lembra que a revista Ciência & Cultura foi relançada em versão digital, com atividades discutindo também o bicentenário da Independência. “A cada edição da revista trará um novo tema, e a cada mês, uma novidade”, finaliza.

Jornal da Ciência