Cerca de 90% da área identificada na Amazônia com reservas de potássio fica fora das Terras Indígenas, mostra o estudo “Crise dos fertilizantes no Brasil: da tragédia anunciada às falsas soluções”, feito por pesquisadores do departamento de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e publicado com o apoio do Grupo de Trabalho de Meio Ambiente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). A versão digital da publicação já está disponível no site da entidade.
Os resultados contrariam a afirmação do presidente Jair Bolsonaro de que a eventual aprovação do Projeto de Lei 191/2020, que libera a mineração em Terras Indígenas, aumentaria a produção de potássio a ponto de “resolver” a dependência do agronegócio da importação de fertilizantes. Com dados do Serviço Geológico do Brasil (CPRM) e da Agência Nacional de Mineração (ANM), o estudo aponta que as principais reservas de potássio do País estão em Sergipe, São Paulo e Minas Gerais. Esse potencial, porém, não é explorado. O levantamento também mostra que só 11% das reservas de sais de potássio identificadas na Amazônia se sobrepõem a Terras Indígenas ainda não homologadas (em processo de demarcação).
“Digitalizamos os mapas com as reservas de potássio e cruzamos com as Terras Indígenas homologadas na Amazônia. Não há reservas de potássio significativas nesses locais. Mudar a lei para explorar minérios em Terras Indígenas é uma falsa solução. Não vai resolver a crise de fertilizantes e vai gerar enormes problemas socioambientais”, afirma Raoni Rajão, professor do Departamento de Engenharia de Produção da UFMG e um dos coordenadores do estudo.
Segundo Rajão, a dependência do Brasil na importação de fertilizantes é uma ‘crise anunciada’, mas que foi potencializada com a guerra entre Rússia e Ucrânia. “Nós já tínhamos conhecimento do assunto, como a guerra trouxe de volta a discussão sobre alternativas, resolvemos atualizar os dados sobre o tema”, afirma.
Rajão explica que o estudo começou em 2014 quando o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) convidou o grupo a trabalhar em um projeto de agricultura chamado “Opções de Mitigação de Emissões de Gases de Efeito Estufa em Setores-Chave do Brasil” que tinha como finalidade auxiliar a tomada de decisão sobre ações que potencialmente reduzam emissões de gases de efeito estufa (GEE) nos diferentes setores da economia brasileira e avaliar diferentes alternativas. “Os fertilizantes entram no projeto porque uma das principais tecnologias de redução de gás efeito estufa é a aplicação da fertilização biológica com nitrogênio”, explica.
“Em 2018, voltamos a estudar os fertilizantes e diferentes tecnologias foram avaliadas com objetivo de alcançar as metas climáticas em 2030. E além dos nitrogenados, analisamos os agrominerais – insumos que são extraídos na mineração e utilizados na agricultura, dentre eles o fosfato e o potássio que, junto com o nitrogênio, constituem o fertilizante NPK, amplamente utilizado nessa área”, explica.
Rajão lembra que o Brasil já foi autossuficiente na produção de fertilizantes, mas que voltou a ser dependente depois de constantes desinvestimentos no setor. “Após diagnosticarem na década de 70 que o Brasil era dependente, o País ganhou investimentos em tecnologia, dentre elas, de flotação para extrair o fosfato a partir do material existente no Brasil”, observa. E completa, “isso mudou quando o investimento na área deixou de ser política de estado. A Vale, que tinha um papel importante para o setor, foi privatizada, e ocorreu uma mudança estratégica da Petrobras. Entre 2004 e 2011 ocorreu uma tentativa tímida de retorno dessa agenda, mas que foi desmontada. Em 2008 a Petrobras e a Vale venderam suas fábricas para empresas canadenses. Houve um desinvestimento sistemático, sem falar na falta de investimento em pesquisa. Hoje o Brasil entra praticamente com a chuva e terra, já que a tecnologia do setor de agronegócio se concentra fora do País”.
Os resultados e recomendações do relatório liderado pela UFMG coincidem com o Plano Nacional de Fertilizantes, que traça metas para reduzir a dependência do produtor rural brasileiro em relação ao produto importado até 2050. A versão preliminar do plano, apresentado duas semanas após a tentativa de votação do PL 191/2020, confirma que o principal entrave para a produção de fertilizantes é a falta de investimentos de capital e em pesquisa e desenvolvimento no setor. O documento do próprio governo não cita em momento algum a necessidade de minerar terras indígenas.
Luciana Gomes Barbosa, coordenadora do Grupo de Trabalho de Meio Ambiente da SBPC, explica que o estudo servirá de base para que a entidade elabore um documento indicando os pontos negativos do PL 191, além de sugerir soluções fora das Terras Indígenas. “Muito se fala sem estudos, mas agora temos. Então é preciso usá-lo já que temos dados efetivos”, comenta.
Barbosa disse ainda que o estudo mostra um aumento do uso de fertilizantes usados em monoculturas. “Além da dependência do mercado externo, essa quantidade deve ser rediscutida”, finaliza.
Veja aqui o estudo na íntegra.
Vivian Costa – Jornal da Ciência