Os sucessivos bloqueios e cortes orçamentários no Ministério da Educação (MEC) foram tema de audiência pública realizada na manhã da última quarta-feira (15/06) na Câmara dos Deputados. Entre as diversas denúncias oriundas de cientistas, representantes das entidades federais e membros do Poder Legislativo, uma das principais queixas é a não-mobilização do próprio ministério contra a sua redução orçamentária.
“Às vezes nos parece que o MEC se submete de maneira acrítica às pressões do Ministério da Economia. O que nós vimos, especialmente na gestão do ex-ministro Abraham Weintraub, foi uma certa docilidade diante dos cortes, das expectativas de diminuição de recursos para a educação, o que não foi visto em ministros anteriores que, diante da expectativa de cortes orçamentários, se plantavam às portas do gabinete presidencial e defendiam a pasta porque acreditavam nela. Parece que o MEC não tem agido em favor da sua própria pauta”, denunciou o deputado federal Professor Israel Batista (PSB-DF), autor do requerimento para abertura da audiência pública
Na abertura das falas, o Diretor de Desenvolvimento da Rede Federal da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação (SETEC/MEC), Kedson Raul de Souza Lima, afirmou que o orçamento da Pasta segue superior ao do ano de 2021, informação rebatida por diversos convidados, já que no último ano houve uma queda de verba geral por conta de ações da pandemia e que as próprias instituições federais tiveram que recorrer ao Congresso Nacional para obterem verbas aprovadas em plenário.
Gustavo Balduíno, secretário executivo da Andifes (Associação Nacional de Dirigentes de Instituições de Ensino Superior) detalhou na prática quais ações vêm ocorrendo no MEC desde o mês de maio.
“No dia 27 de maio houve um bloqueio no orçamento das universidades e institutos federais em torno de 14%. No dia 03 de junho foi desbloqueado 7%. Dia 09, foi remanejado 3,2% do que estava bloqueado ainda. Então, nós estamos falando de três eventos ocorridos sem o nosso conhecimento prévio. E tudo isso está inserido em um contexto mais grave, que é o subfinanciamento do ensino superior. Sempre falam que é preciso melhorar a qualidade do gasto e nós fazemos isso há anos, até aumentamos a eficiência. Agora, qual planejamento é possível em um ambiente de gestão quando você tem em três, quatro dias, mudanças de volumes orçamentários como essas, sem aviso?”
Complementando o discurso de Balduíno, a Reitora do Instituto Federal de Brasília e Vice-Presidente de Assuntos Administrativos do CONIF (Conselho Nacional dos Institutos Federais de Educação Profissional, Científica e Tecnológica), Luciana Myoko Massukado, afirmou que os orçamentos das universidades e institutos federais seguem em queda livre desde 2015.
“A gente já estrangulou tudo, não temos mais onde cortar. E esse novo bloqueio já significa um corte porque é um valor que a gente não acessa. Ele pode ser desbloqueado, mas hoje eu deixo de fazer uma visita técnica, deixo de poder atender mais estudantes com auxílio Permanência, deixo de fazer uma licitação para comprar insumos de laboratório. O bloqueio atinge agora, não é algo de se pensar que pode ser desbloqueado. E se for desbloqueado mais pra frente, o que a gente deixou de fazer hoje não se recupera”, denunciou.
Vice-presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), Fernanda Sobral destacou que a meta anual segundo o Plano Nacional da Educação era de o País chegar a ter 33% dos jovens no ensino superior, o que é impossível no cenário atual. Sobral também alertou sobre o papel das universidades e institutos federais na condução da pandemia, algo que parece ser desconsiderado pelo próprio Governo.
“Com todos esses déficits, com essa queda livre no orçamento, todos esses bloqueios, as universidades ainda fizeram várias pesquisas relacionadas ao coronavírus, fizeram produção de álcool, de produtos sanitizantes, de equipamentos de proteção individual (EPIs) e, além disso, ofereceram leitos nos hospitais universitários, foram responsáveis por testes e testagens, entre outros fatores. O que nos espanta é que, no momento em que se mostrou tão relevante, a ciência construída nas universidades e institutos sofra esses bloqueios tão fortes.”
Conjunto de ações prejudica o ensino público brasileiro.
Presidente da Federação de Sindicatos de Professores e Professoras de Instituições Federais de Ensino Superior e de Ensino Básico Técnico e Tecnológico (PROIFES), Nilton Ferreira Brandão, iniciou sua fala lamentando outras medidas em tramitação federal que visam impactar a qualidade da educação pública.
É o caso da PEC nº 206/2019, que visa cobrar mensalidades das universidades públicas e, principalmente, a aprovação do projeto de lei nº 3179/2012 na Câmara dos Deputados, que regulariza o homeschooling – também conhecido como educação domiciliar. O PL aguarda agora decisão do Senado.
“Recentemente, eu vi um filme que mostrava o homeschooling no mundo. Pessoas extremamente capacitadas, com muito conhecimento, mas que não conseguiam conviver na sociedade. Porque educação não é só conhecimento, educação é convivência, participação, compromisso social. Portanto, essa proposta é um atentado contra o direito à educação plena da criança e do adolescente.”
Também participaram da audiência pública o Primeiro Secretário na Seção Sindical da Universidade Federal de São João Del Rey (USFJ) e representante do Observatório do Conhecimento, Alberto Ferreira da Rocha Junior, e a Decana de Orçamento da Universidade de Brasília (UnB), Denise Imbroisi. A audiência completa está disponível no YouTube da Câmara dos Deputados.
Rafael Revadam – Jornal da Ciência