É urgente a inclusão da população indígena na construção das políticas públicas do País. Este é o principal diagnóstico dado no 12º e último seminário da série “Projeto para um Brasil Novo”, uma iniciativa da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), transmitida em seu canal do YouTube, que visa apontar os caminhos para o desenvolvimento do Brasil a partir de 2023.
Realizada na última terça-feira (28/06), a discussão foi sobre a Questão Indígena e contou com a coordenação da antropóloga e professora da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade de Chicago, Maria Manuela Carneiro da Cunha, e os debatedores Ana Lúcia de Moura Pontes, da Fiocruz; Fabrício Amorim, da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) e do Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi); e Gersem Baniwa, da Universidade de Brasília (UnB).
Na abertura, a coordenadora do debate, Maria Manuela Carneiro da Cunha, lamentou a ausência de Luiz Eloy Terena, membro da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Eloy Terrena se encontra em uma comunidade do povo Kaiowa no Mato Grosso do Sul para acompanhar as consequências dos episódios de violência que esse povo e o povo Guarani sofreram no dia 24 de junho. Na data, seguranças privados armados e a Polícia Militar invadiram os territórios com armas de fogo e começaram a atirar nos indígenas. Segundo informações do último sábado, dia 25, três indígenas foram liberados de internação no Hospital Regional de Amambai, mas pelo menos quatro ainda se encontravam em estado de maior atenção.
Lamentando este evento e a morte do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, Carneiro da Cunha começou o debate lendo o manifesto indígena apresentado pela Apib durante o acampamento Terra Livre. Intitulado Pontos para uma plataforma indígena de reconstrução do Brasil, o documento, publicado em 14 de abril de 2022, aponta cinco eixos para a reconstrução dos direitos indígenas, entre eles a demarcação e proteção dos territórios indígenas, a retomada da participação e controle social e a reconstrução de políticas e instituições indigenistas.
“Parece que ao mesmo tempo em que há uma pressa de grileiros em avançar nas terras indígenas, por outro lado há uma multiplicação dos ataques aos indígenas”, denunciou Carneiro da Cunha após ler o documento da Apib.
Membro da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) e do Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi), Fabrício Amorim baseou sua fala na Resolução nº 44/2020 do Conselho Nacional dos Direitos Humanos, que discorre sobre princípios, diretrizes e recomendações para a garantia dos direitos humanos dos povos indígenas isolados e de recente contato.
Amorim reforçou a necessidade de ouvir representantes indígenas e fazer uma discussão sobre políticas públicas aos povos isolados. Ele reforçou sobre a importância do princípio de precaução, ou seja, na dúvida da existência de povos indígenas em determinada área, deve se considerar essa existência e garantir práticas adequadas para proteger as áreas e as vidas.
O especialista também reforçou que é não é porque são povos isolados que, necessariamente, eles não devem participar das consultas públicas e demais iniciativas de poder participativo do Governo Federal.
“É possível sim fazer consultas, fazer o diálogo a distância com povos indígenas isolados, como é possível demarcar uma terra sem fazer contato, como é possível fazer uma gestão da terra sem contato. Embora os indígenas estejam numa situação chamada de isolamento, ou seja, você não conversa diretamente com eles, a comunicação vai mais além, é a comunicação não-verbal, e esses povos deixam sinais muito concretos do que eles querem”, pontuou.
Indígenas vivem exclusão na saúde e ausência de aulas
Já a professora da Fiocruz Ana Lúcia de Moura Pontes trouxe o panorama da saúde indígena no Brasil e ressaltou que há uma invisibilidade histórica na produção de informações e de políticas públicas às populações indígenas
Moura Pontes destacou que há ideia de universalismo e igualitarismo em aplicação nas instituições federais, no qual se apoia no conceito de que todas as pessoas são iguais e merecem os mesmos direitos, mas acaba excluindo situações e cenários vividos por diferentes populações.
No caso dos indígenas, esse projeto de universalização da saúde pública faz com que essa população viva situações de discriminação, violência e até dificuldade de acesso. “A gente não pode deixar de avaliar que as chamadas políticas equitativas que envolvem as políticas de saúde indígena, o combate ao racismo, políticas de gênero, são dimensões que foram muito difíceis de serem incorporadas dentro da formulação e construção do Sistema Único de Saúde (SUS) e elas vêm sendo fortemente desmontadas nos últimos anos”, alertou.
E no debate sobre educação, o professor da Universidade de Brasília (UnB), Gersem Baniwa, destacou os pontos debatidos nas Conferências Nacionais da Educação Escolar Indígena. Entre os aspectos positivos, o crescimento na formação de professores e o acesso ao ensino superior, o que foi uma novidade nos últimos 15 anos.
De acordo com o especialista, cerca de 100 mil indígenas já passaram ou estão nas universidades, e em torno de 60 mil estão matriculados. Do total de 1 milhão de indígenas que vivem no Brasil, 10% estão no ensino superior. Entretanto, Baniwa destacou ações de descontinuidade da educação indígena:
“A situação precária dos contratos de trabalho dos professores indígenas é a pior mazela do Brasil com relação à educação escolar indígena. Porque isso torna a educação descontínua e torna os professores vulneráveis, reféns dos gestores que a cada eleição demitem todo mundo e contratam à seu critério”, comentou.
Na região do Juruá, no estado do Amazonas, os professores sequer entraram em sala de aula e começaram o ano letivo, porque simplesmente ainda não foram contratados. Outros pontos graves apontados por Baniwa é a infraestrutura das escolas indígenas, na qual 1/3 dessas instituições não possuem prédio, e a predominância de calendários escolares não-indígenas, com escolas que reproduzem uma educação missionária, colonialista e integracionista.
Após seminários, a busca é pelo comprometimento político
Criada pela SBPC, a série “Projeto para um Brasil Novo” tem como objetivo formular um documento com compromissos que devem ser firmados por políticos em prol do desenvolvimento da Ciência, Tecnologia e Inovação no País, com base nos 12 seminários realizados.
“O objetivo dessa série de seminários não é simplesmente protestar contra o que está acontecendo, mas sim definir projetos para um Brasil novo. Trata-se de formular um conjunto de propostas em prol do conhecimento rigoroso, a ciência, à cultura, à saúde, ao meio ambiente, entre outros temas que possam fazer o nosso país enfrentar e vencer as dificuldades que foram meticulosamente construídas ao longo de séculos de injustiças sociais”, explicou o presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro.
O primeiro seminário refletiu sobre “Ciência, Tecnologia e Inovação”, o segundo “Educação básica”, o terceiro, “Educação superior”, o quarto, “Pós-graduação”; o quinto tratou do tema “Saúde”, o sexto trouxe apontamentos acerca do “Meio Ambiente”, o sétimo sobre “Direitos Humanos”, o oitavo sobre “Segurança Pública“, o nono acerca da “Diversidade de gênero e raça“, o décimo trouxe as “Mudanças climáticas” e o décimo primeiro falou de Cultura.
Confira aqui o último seminário realizado, sobre Questão Indígena.
Rafael Revadam – Jornal da Ciência