Dia Nacional da Ciência é marcado por luta contra novos cortes governamentais

Debate especial realizado na manhã de sexta-feira (08/07) repudiou projeto de lei que visa a retirar verba do FNDCT e ressaltou que não haverá desenvolvimento do País sem investimento em ciência

dia 8.7.22

Para marcar o Dia Nacional da Ciência, que é comemorado no dia 8 de julho, a SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) realizou na manhã de sexta-feira uma live especial com o tema “Ciência para todos: impactos das diferentes ciências para o nosso país”. Apesar de ser um período de comemoração, a mesa-redonda também encabeçou uma manifestação contra novos cortes e bloqueios que o Governo Federal prevê ao setor.

A principal mobilização é contra o Projeto de Lei do Congresso Nacional (PLN) nº 17/22, de autoria do Governo Federal, que visa a retirar a obrigatoriedade da destinação de verbas para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). Esse PLN foi aprovado na última quarta-feira (06/07) pela Comissão Mista de Orçamento da Câmara dos Deputados e seguirá para votação no Plenário da Câmara.

Na verdade, esse projeto de lei é ilegal, já que em 2021 foi aprovada a Lei Complementar nº 177/2021, que proíbe qualquer contingenciamento das verbas do FNDCT. “Há quase dois anos, a comunidade científica se mobilizou e conseguiu que a Lei Complementar nº 177/21 proibisse o bloqueio de verbas destinadas ao FNDCT, que é um fundo que recebe impostos e contribuições destinados especificamente ao desenvolvimento do País pela ciência. Esse fundo alimenta o setor de petróleo, do agronegócio, entre outras áreas em que o papel da ciência é fundamental”, afirmou o presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro, na abertura do evento.

Janine Ribeiro destacou que o Congresso Nacional já atentou para a gravidade desse PLN, mas falta ao Governo Federal compreender o papel da ciência no desenvolvimento do País.

“A Assessoria Técnica do Congresso já se manifestou dizendo que esse projeto possui problemas sérios, mas o Ministério da Economia hoje negou esses problemas, dizendo que a Lei nº 177 só proíbe um tipo de bloqueio, mas não proíbe outras formas. Então, hoje, teremos uma dupla bandeira nesse evento. Por um lado, comemorar o Dia Nacional da Ciência, elogiar os pesquisadores, aqueles que fazem o mundo se desenvolver; e, por outro lado, lutar a favor da ciência e contra essas ameaças.”

Falas exploram diferentes atuações da ciência brasileira

Ao abrir as falas do debate, o físico Antonio José Roque da Silva, do CNPEM (Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais), reforçou a gravidade do panorama nacional da CT&I (Ciência, Tecnologia e Inovação) e afirmou que a melhor forma para o governo olhar para o setor é mostrar o que ele vem produzindo.

A sua fala foi dedicada à importância da ciência desenvolvida nos laboratórios do CNPEM, localizado em Campinas (SP). Ressaltou a construção do Sirius, o acelerador de partículas que pode sofrer grande impacto com a possibilidade de cortes da ordem de R$220 milhões, o que irá atrasar (ainda mais) sua conclusão. “É um dos equipamentos para análise de materiais orgânicos e inorgânicos mais avançados do mundo. Qualquer problema hoje que a sociedade precise resolver, tanto na área de saúde, agricultura, telecomunicações, energias renováveis, entre tantas, precisa de um conhecimento profundo da propriedade dos materiais”, detalhou Zé Roque.

Já a professora Josefa Salete Barbosa Cavalcanti, da Universidade Federal do Pernambuco (UFPE), usou o espaço para falar das ciências sociais no Brasil e o seu processo de legitimação. A pesquisadora apontou ainda o papel das instituições, e como a produção científica brasileira foi conquistando relevância mundial.

“Apesar de relativamente jovens, as instituições científicas brasileiras demonstram competência nas suas ações, apresentam vivências importantes e um legado promissor, caracterizado pelo compromisso com as aspirações das populações e os significativos resultados obtidos, que garantem uma participação importante em rankings internacionais.”

Pesquisas caminham no País, mas ausência de estrutura compromete resultados

Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Segen Farid Estefen comemorou a criação do Instituto Nacional de Pesquisas Oceânicas (INPO), anunciado oficialmente na última segunda-feira (04/07) pelo MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações).

A ideia de um órgão governamental dedicado às pesquisas do mar vem desde 2010, nascida de um dos debates da 62ª Reunião Anual da SBPC. Na época, especialistas da área reivindicaram a criação de uma entidade nacional para tratar desse tema.

A definição do INPO como instituto veio no anúncio realizado pelo Ministério da Ciência no começo da semana, e optou-se por estruturar a entidade dessa forma para que ela seja formalmente reconhecida como organização social. Em sua fala, Farid Estefen trouxe a estrutura do INPO, composta por órgãos governamentais e pela sociedade civil.

“Eu queria colocar uma ênfase no Conselho de Administração do Instituto. Ele tem três membros do poder público, que são do MCTI, do Ministério da Defesa, normalmente representado pela Marinha do Brasil, e do Ministério da Educação. O próprio Ministério da Educação forneceu navios para algumas universidades que têm curso de oceanografia, para que eles possam ser operados na formação de oceanógrafos. E nós queremos fortalecer essa iniciativa.”

Também compõem o Conselho do INPO, como membros natos, três entidades da sociedade civil: a SBPC, o CONFAP (Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa) e o IBP (Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás).

Enquanto a pesquisa do mar ganha força no País, outra área aguarda um olhar do Governo Federal: a produção de vacinas. A professora Santuza Maria Ribeiro Teixeira, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), narrou como está sendo trilhado um caminho para desenvolvimento de vacinas no Brasil, ressaltando que o País segue eternamente dependente de vacinas internacionais, mesmo percebendo a importância do setor durante a pandemia da covid-19.

A especialista afirmou que o Brasil necessita de uma estrutura laboratorial mais robusta, que dê condições para o desenvolvimento de tecnologia nacional. Ela acrescentou que há uma distância entre o setor acadêmico e a pesquisa industrial, e a própria UFMG percebeu a necessidade de uma estrutura intermediária para essa relação.

Foi assim que nasceu o CT-Vacinas, um centro de pesquisas em biotecnologia resultado de uma parceria entre a própria Universidade Federal de Minas Gerais com o Instituto René Rachou da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz-Minas) e o Parque Tecnológico de Belo Horizonte (BH-TEC).

“Em 2020, os pesquisadores do CT-Vacinas começaram a trabalhar numa vacina para a covid-19, e a gente espera que ela possa entrar em testes clínicos daqui a, aproximadamente, um ou dois meses”, revelou.

Como gargalos para o desenvolvimento dessa vacina 100% brasileira, Maria Ribeiro destacou a demora na aquisição de insumos importados para estudos pré-clínicos, a falta de estrutura de laboratórios com níveis de biossegurança adequados e a falta de equipes treinadas para submeter os protocolos de testes da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Há ainda um quarto fator, essencial para os testes com pessoas:

“Existe uma necessidade da criação de estruturas que nos permitam gerar os lotes clínicos da vacina, porque as que eu consigo produzir aqui no laboratório não podem ser utilizadas para serem injetadas em humanos. Eu preciso obter a produção desses lotes para os testes de em uma estrutura que hoje, no Brasil, a gente ainda não tem”, concluiu.

Rafael Revadam – Jornal da Ciência