Um dos grandes desafios para o Brasil e o mundo, as mudanças climáticas impõem a necessidade de desenvolver opções de mitigação dos riscos climáticos e aumento da resiliência da sociedade para viver em um planeta com recursos naturais limitados. O cenário foi exposto pelo físico, cientista do clima e vice-presidente da SBPC, Paulo Artaxo, em conferência sobre “Ciência e Desenvolvimento Sustentável” proferida na tarde de terça-feira (6/9).
A sessão fez parte da série “Contagem Regressiva para o Bicentenário: Rumos à Independência” promovida pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). O objetivo da série – realizada entre os dias 30 de agosto e 7 de setembro – foi discutir como a ciência pode contribuir em temas estratégicos para o desenvolvimento do país como meio ambiente, saúde, educação e industrialização, contribuindo, assim para a soberania e independência nacional.
Realizada no formato virtual com transmissão pelo canal do Youtube da SBPC, a conferência sobre “Ciência e Desenvolvimento Sustentável” foi apresentada pela bioquímica e professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Giselle Zenker Justo e teve como debatedora a ex-ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira.
Artaxo fez um retrospecto das grandes descobertas, estudos e debates sobre o clima desde a primeira conferência em Estocolmo em 1972 até o quadro atual revelado pelos últimos relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), da Organização das Nações Unidas (ONU).
A recomendação do IPCC, do qual ele também é membro, é a necessidade de reduzir 5% a 7% das emissões de gases de efeito estufa (GEE) ao ano até zerar as emissões em 2050, revertendo para sequestrar o carbono (CO2, principal GEE) já emitido para a atmosfera. “Isso é uma tarefa enorme para a sociedade, mas não vamos poder escapar se não quisermos atingir o cenário de clima e temperatura extremos”. O caminho é conhecido, disse o cientista, uma vez que o clima interage com a estrutura social e o funcionamento dos ecossistemas. O último relatório do IPCC mostra que já existem opções disponíveis em todos os setores da economia que podem, no mínimo, reduzir pela metade a emissão de GEE em 2030.
“Não precisamos realmente inventar nenhuma nova tecnologia, mas precisamos de políticas públicas em todos os níveis, estaduais, municipais, federal e também planetária para que a gente possa liderar a saída dessa crise climática que estamos enfrentando agora”, afirmou Artaxo.
Segundo ele, o Brasil, como grande produtor global de alimentos tem que ficar preocupado também na questão da mudança de padrão de chuvas e precipitação e da umidade do solo. Nas simulações de elevação de temperatura, o IPCC mostrou que o país pode se tornar uma região muito mais seca do que era até alguns anos atrás, prejudicando muito significativamente a produtividade agrícola. “Isso leva o Brasil a pensar que um futuro em que a gente dependa tanto do agronegócio pode não ser tão brilhantes como muitos querem nos fazer acreditar”.
Artaxo afirmou que a trajetória de sustentabilidade para reverter o aquecimento global e mitigar os efeitos das mudanças climáticas passa pelos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da ONU. Isso envolve mudança de hábitos de consumo e produção, levando em conta a revolução digital (internet, big data), a evolução demográfica e a capacitação humana – particularmente das mulheres -, a construção de cidades de forma mais sustentável, um novo equilíbrio entre o uso da terra e produção de alimentos e finalmente, descobrir maneiras de gerar, produzir e distribuir energia de maneira sustentável.
“Para isso precisamos de ciência sólida e interdisciplinar, para ajudar a construir esse espaço sustentável para nosso planeta”, concluiu.
A ex-ministra Izabella Teixeira também falou da necessidade de uma nova relação entre o homem e a natureza no cenário das mudanças climáticas e ressaltou o papel da ciência nesse contexto, tanto a nível global quanto regional. “A ciência é agente de transformação, tem sido ao longo da história da humanidade e acredito que ganha hoje papel político como nunca experimentado anteriormente, em face da velocidade das transformações, da criticidade da situação que vivemos no planeta e da convergência que marca a era climática e a era digital tecnológica”, afirmou.
Trazendo para a situação do Brasil, Teixeira criticou o baixo valor das bolsas de estudos para a pesquisa científica em um momento de urgência na formação de lideranças científicas capazes de abrir o diálogo intergeracional para lidar com as mudanças climáticas. Ela frisou a necessidade de valorização dos jovens para conter a chamada “fuga de cérebros”. “Ao perdermos esse conjunto de cientistas, jovens que estão indo embora do país, estamos perdendo um ativo de liderança política e científica”, alertou.
Janes Rocha – Jornal da Ciência