O neurocientista e professor da UFRGS,
Rafael Roesler, falou sobre a importância da neurotrofina no crescimento de
tumores, uma aposta para novos biomarcadores em câncer pediátrico
A nova aposta para biomarcadores
em câncer pediátrico, a partir de estudos sobre receptores de neurotrofina no
crescimento de tumores foi o destaque do segundo dia da Reunião Regional da
SBPC em Palhoça (SC). O neurocientista e professor da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS), Rafael Roesler, apresentou a palestra “De neurônios
e tumores: receptores de neurônios e neurotrofinas como alvos moleculares em
câncer”, na qual falou sobre os estudos desenvolvidos por seu grupo no
Laboratório de Câncer e Biologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
Roesler estuda a sinalização por neuropeptídeos e
neurotrofinas em câncer e na função cerebral.
Segundo ele, os tumores sequestram mecanismos biológicos e usam isso
para fazer crescimento tumoral.
Na palestra ele falou sobre um de seus estudos que
verificaram o efeito da bombesina, um neuropetídeo descoberto no início dos
anos 1970, retirado da pele de um sapo da espécie Bombina bombina, sobre o tratamento de tumores. A substância parece
inibir o crescimento de tumores nos seres humanos, segundo uma série de estudos
desenvolvidos por um grupo interdisciplinar coordenado por Roesler e pelo oncologista
Gilberto Schwartsmann.
Essas pesquisas buscam observar a relação entre o
crescimento de tumores cancerígenos e o aumento de um peptídeo liberador de
gastrina, o GRP (Gastrin-releasing peptide, em inglês). A bombasina ativa
receptores no cérebro, e, também, a liberação de gastrina. O GRP, por sua vez, regula uma série de
funções gastrointestinais e do sistema nervoso, inclusive hormônios
gastrointestinais e a proliferação de células epiteliais. O GRP também é
responsável pela multiplicação de células tumorais, por isso, no caso de
tumores, a expressão de GRP é intensa.
A partir dessas descobertas, o grupo de Roesler desenvolveu
um estudo pioneiro com um peptídeo sintético, o RC-3095, que potencialmente
pode impedir que o GRP se junte ao receptor GRPR, inibindo o crescimento do câncer. Em ensaios
iniciais com seres humanos, a administração da substância mostrou-se
segura.
“Nosso grupo propôs pela primeira vez um modelo simples de
sinalização de GRPR em tumor cerebral”, conta. Tecido normal não expressa GRPR,
mas no caso de câncer, quase 80% demonstraram alta expressão do receptor.
Câncer infantil
Outro estudo, mais recente, tem demonstrado a importância da
neurotrofina no crescimento de tumores, e é uma aposta para novos biomarcadores
em câncer pediátrico.
Essas pesquisas vêm sendo desenvolvidas pelo Instituto do
Câncer Infantil (ICI), em parceria com a UFRGS, o Laboratório de Câncer e
Neurobiologia e o Hospital de Clínicas de Porto Alegre. As neurotrofinas são
proteínas conhecidas por agirem na regulação de receptores neuronais. A família
de proteínas da neurotrofina age ligando a uma família de receptores, chamados
Trk (receptores tirosina-quinase), que regula a plasticidade do sistema nervoso
dos mamíferos. Os estudos que a equipe de Roesler vêm observando que a
superexpressão – o aumento da função – de neurotrofinas e receptores Trk
favorecem o crescimento do câncer e contribuem para a resistência
quimioterapêutica. “A gente ataca o tumor, e ele aprende a responder. Estamos
tentando descobrir os mecanismos de resistência. E talvez bloquear o Trk seja
um caminho que ajude a manter a célula de tumor sensível ao tratamento de
câncer”, comenta o neurocientista.
Um dos tipos de cânceres que o grupo estuda é o sarcoma de
Ewing, um tipo de câncer que atinge principalmente os ossos e é um dos mais
agressivos tumores infantis. “Câncer infantil tem muito menos possibilidades de
tratamento. É uma doença negligenciada, um setor que a grande indústria
farmacêutica não mexe. E biologicamente, conhecemos muito menos o câncer
infantil. Daí entra o caso de compreender a neurotrofina”, comenta.
Patentes e empresas
Roesler destacou também que uma característica da equipe é
que os pesquisadores são incentivados a realizar o potencial comercial dos
estudos, buscando registrar patentes, criar startups, incubadoras. Um exemplo é
a empresa Ziel Biosciences, que desenvolve inovações em oncologia e saúde da
mulher, uma spin off do laboratório, fundado por duas pesquisadoras da equipe.
“Estimulamos os estudantes a pensarem na criação de
empresas, patentes, transformar suas pesquisas em negócios”, descreveu Roesler.
O pesquisador enfatizou a importância de buscar parcerias
com o setor privado para financiar as pesquisas e a necessidade de fazer disso
uma cultura no País. Roesler destacou ainda o grande potencial do Brasil e o
impacto que as pesquisas científicas feitas aqui têm sobre todo o sistema.
“Criar esse tipo de experiência aqui faz uma diferença brutal em todo o
sistema. Fazer ciência aqui nos enriquece”, concluiu.
Daniela Klebis –
Jornal da Ciência