Durante a pandemia, a estudante Camily Pereira dos Santos começou a se preocupar com os descartes dos produtos que consumia, a jovem queria saber qual era o impacto ambiental das suas próprias ações. Em uma conversa com a mãe, perguntou sobre o descarte de absorventes. Para a sua surpresa, sua mãe não teve acesso a absorventes quando era jovem. Inquieta com essa realidade, Camily pesquisou e descobriu que 500 milhões de mulheres vivem sem itens de higiene pessoal no mundo. A preocupação ambiental ganhou outros tons: como usar a ciência para suprir a pobreza menstrual?
“Foi a primeira vez que eu me deparei com a questão da pobreza menstrual e jamais imaginaria que ela estaria tão próxima de mim e da minha família. A partir desse momento, eu comecei a pensar: ‘ah, e se houvesse um absorvente que, além de ser ecológico, fosse também acessível a mulheres em vulnerabilidade? E o que eu, uma então aluna do ensino médio, poderia fazer frente a esse problema?’”, pondera.
Camily era estudante do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS), no campus localizado na cidade de Osório. Ela sabia que a professora Flávia Twardowski desenvolvia pesquisas com jovens e mandou um e-mail para saber se conseguia uma ajuda. Flávia não só resolveu apoiar a aluna, como a colocou em contato com outra jovem, que estudava a construção de biofilmes – um possível material para a construção dos absorventes ecológicos.
“Depois, eu comecei a pesquisar bastante. Ver artigos científicos e dissertações para entender o que já existia na literatura, quais eram as questões que envolviam o desenvolvimento de absorventes, os materiais utilizados. Só tinha uma questão a mais: a gente queria que o nosso absorvente não fosse apenas ecológico, mas também de baixo custo, para ser acessível a mulheres em vulnerabilidade. Então, a gente teve a ideia de utilizar resíduos industriais, materiais que são descartados pelas indústrias após seus processos [maquinários]”, conta Camily.
Como Osório é uma região característica da agricultura familiar, a estudante encontrou ali uma quantidade de materiais a serem testados. Açaí de Juçara, sabugos de milho, cascas de arroz e fibras do pseudocaule de bananeiras, tudo passou pelas mãos das pesquisadoras, que encontraram um tratamento para melhorar a capacidade absortiva de cada material. No final, o açaí de Juçara e as fibras do pseudocaule tiveram os melhores resultados, e foram definidos como matérias-primas dos absorventes.
O SustainPads, o absorvente ecológico desenvolvido pela pesquisa de Camily, é feito com três camadas: uma camada superior composta de biofilme absorvente, uma camada intermediária de fibras vegetais – as vindas do açaí de Juçara e de bananeiras – e uma camada inferior, feita de biofilme impermeável.
O produto já estava quase pronto, mas a estudante queria algo confortável para as consumidoras. Então, com a ajuda da sua mãe, elas confeccionaram uma cobertura de tecido, usando sobras doadas pelas costureiras da região.
Com esse projeto, Camily é uma das ganhadoras do 4º Prêmio Carolina Bori, uma realização da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) para valorizar jovens cientistas.
“Eu realmente acredito que as premiações são importantes para incentivar meninas a seguirem na pesquisa científica, que elas sejam inspiradas através de exemplos. Eu nunca imaginava que poderia ser cientista, que poderia desenvolver pesquisa ainda na educação básica, só comecei a ver isso como algo possível quando entrei no IFRS Campus Osório”, comenta a estudante.
Hoje, com 19 anos, Camily se prepara para a universidade. Deseja ir para os Estados Unidos estudar engenharia aeronáutica. “A ciência não me fez apenas contribuir para o mundo ao meu redor, transformar o mundo ao meu redor, mas me transformou também como pessoa. Então, eu quero muito continuar fazendo isso”, conclui.
O Prêmio Carolina Bori
Nesta quarta edição, o Prêmio Carolina Bori Ciência & Mulher recebeu indicações de 446 candidatas, de 223 instituições espalhadas por todo o País. Uma comissão julgadora escolheu nove vencedoras, sendo três do Ensino Médio e seis da Graduação.
A cerimônia de premiação, que contará com a participação de todas as vencedoras, será no dia 10 de fevereiro (sexta-feira), no Auditório do CEUMA (Rua Maria Antônia, 294 – 3º andar – São Paulo/SP). A data foi escolhida em celebração ao Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência, instituído pela Unesco. O evento será aberto a todos e contará com transmissão pelo canal da SBPC no YouTube, a partir das 15h.
Rafael Revadam – Jornal da Ciência