“Estão acabando com a vida de todos os brasileiros, não só a nossa”, alertou Maria da Conceição de Souza, autodenominada Dan Gamela, liderança indígena e sindical do Piauí. Ela falava da contaminação por agrotóxicos na região do Matopiba, que compreende uma área situada entre as divisas dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, onde o avanço do plantio de soja, com aplicação elevada de veneno, está poluindo as terras, o lençol freático e as nascentes dos rios.
Indígena dos Caboclos Baixa Funda, da etnia Gamela, Dan falou nessa segunda-feira como palestrante da mesa-redonda “Avanço do Agronegócio e da Mineração e suas consequências no Estado do Piauí”, dentro da programação da Reunião Regional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) em Teresina (PI).
Segundo seu relato, os fazendeiros chegaram à região por volta do ano 2000, em princípio dedicados a culturas locais, como milho e caju. Com o tempo, trocaram as culturas por soja e passaram a avançar sobre o território, expulsando as comunidades locais. Segundo a indígena, além da invasão, eles utilizam cada vez mais agrotóxicos. “Antes jogavam veneno em trator, agora de avião e às vezes é tanto veneno líquido que o avião fica pesado e cai, mata o piloto”, revelou.
Do ponto de vista ambiental, o cerrado piauiense enfrenta problemas graves por conta do uso de agrotóxicos, acrescentou a antropóloga Carmem Lucia Silva Lima, líder do Grupo de Pesquisas sobre Identidades Coletivas, Conhecimentos Tradicionais e Processos de Territorialização da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Segunda palestrante da mesa-redonda, Lima falou como membro do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia, e também fez um alerta: “é urgente averiguar o nível de contaminação por agrotóxicos (no cerrado), porque há um processo acelerado de adoecimento das pessoas.”
Tanto Gamela quanto Lima denunciaram o conflito aberto pelos fazendeiros contra as comunidades tradicionais da região do Matopiba, que vem acompanhada de forte poluição ambiental em um avanço sem controle do Estado, às vezes até estimulado por este através de políticas públicas de financiamento e da inação da Justiça.
“Os projetos são implantados sem audiência pública”, afirmou Dan Gamela. “Na TV se fala de desenvolvimento e geração de emprego e renda, mas quando se vai ao Matopiba, o cenário é de destruição de mata nativa”, completou Lima.
Terceiro participante da mesa-redonda, o antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida situou os ataques do agronegócio às comunidades tradicionais da região no contexto dos grandes corredores de logísticos de escoamento de matérias-primas que se formaram no planeta nas últimas duas décadas. Para ele, o avanço da soja como monocultura exportadora revela a estagnação do Brasil no modelo colonial baseado em plantations, trabalho escravo e produção voltada ao mercado externo. “O modelo agro-mineral é a reedição imperfeita e trágica do que foi a sociedade colonial”, afirmou.
Assista à mesa-redonda na íntegra pelo canal da SBPC no Youtube.
Janes Rocha – Jornal da Ciência