Após a liberação integral dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), obtida na última semana com a aprovação do Projeto de Lei do Congresso Nacional n° 1/2023, a Comissão de Ciência, Tecnologia e Inovação da Câmara dos Deputados realizou nessa quarta-feira (03) uma audiência pública para debater a aplicação destes recursos.
O evento foi solicitado pela deputada Luisa Canziani (PSD-PR), que integra a comissão, e contou com a presença do secretário-executivo do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Luis Manuel Rebelo Fernandes, da vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Fernanda Sobral, do assessor da Presidência da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), Edward Madureira Brasil, além de demais representantes de entidades científicas e da indústria.
Iniciando as falas, o secretário-executivo do MCTI, Luis Manuel Rebelo Fernandes, explicou sobre os recursos que agora estão disponíveis na pasta ministerial e comemorou a aprovação do PLN nº 01/2023, que deu fim a um período de contingenciamentos que vinha há anos. “Nós teremos agora, no ano de 2023, um aporte integral de quase R$ 10 bilhões para investimentos em inovação e em desenvolvimento científico e tecnológico nacional.”
Dos R$ 10 bilhões, aproximadamente R$ 5 bilhões estarão disponíveis especificamente para apoio a projetos de inovação. Esse valor será disponibilizado como crédito às empresas com taxas de juros baixas e competitivas em comparação com as do mercado. “É uma perspectiva muito otimista que se abre para a área de Ciência e Tecnologia, depois de um colapso no sistema financeiro de fomento da área”, complementou.
Fernandes também explicou que as decisões sobre os investimentos do FNDCT são definidas em duas instâncias: no Conselho Diretor do FNDCT, que conta com representação de várias áreas da sociedade civil, e nos Fundos Setoriais, onde as decisões de investimentos são mais segmentadas – cada Fundo Setorial tem seu próprio comitê gestor, responsável em administrar as aplicações.
“Com a sanção da PLN [nº 01/2023] e a recomposição do orçamento integral do FNDCT, nós vamos agora, ao longo do mês de maio, convocar reuniões do Conselho Diretor e dos Comitês Gestores dos Fundos Setoriais para aprovar os planos de investimento de 2023. Nós não podemos antecipar decisões, porque as decisões são do Conselho Diretor e dos Comitês Gestores, mas nós vamos encaminhar sugestões que devem orientar essas decisões de investimentos”, pontuou.
Para o secretário-executivo do MCTI, os investimentos do FNDCT devem seguir quatro eixos da Política Nacional de Ciência e Tecnologia. O primeiro é a recuperação, expansão e consolidação do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I), com destaque à área de infraestrutura das instituições, pois, segundo o especialista, foram muito deterioradas durante os períodos de ausência de recursos ao setor.
“Para termos uma ideia, se nós computarmos o conjunto de recursos bloqueados do FNDCT ao longo dos últimos seis anos, se totaliza R$ 20 bilhões que deixaram de ser investidos na infraestrutura de CT&I do País”, acrescentou Fernandes.
O segundo eixo colocado pelo especialista é a reindustrialização em novas bases e apoio à inovação nas empresas, em diversos setores, como o Complexo Industrial e Tecnológico de Saúde, a transição energética, a transformação digital do País e o Complexo Industrial e Tecnológico de Defesa e Segurança Pública.
Já o terceiro ponto é a CT&I para programas estratégicos nacionais, que são os programas que envolvem riscos à soberania do País, como o programa espacial, o programa nuclear, além de ações específicas nas áreas de Defesa e Saúde.
Por fim, o último eixo é a CT&I para o desenvolvimento social, utilizando um conjunto de tecnologias que visam melhorias na qualidade de vida da população, envolvendo também a defesa da Ciência e a sua difusão, principalmente para combater o negacionismo que o País viveu nos últimos anos.
FNDCT perdeu R$ 37 bilhões em 20 anos, aponta SBPC
Seguindo com as falas da audiência pública, a vice-presidente da SBPC, Fernanda Sobral, apresentou um levantamento realizado por Mariana Mazza, assessora parlamentar da entidade, sobre as perdas que o FNDCT teve ao longo dos anos.
De acordo com o estudo, o fundo científico perdeu cerca de R$ 37,84 bilhões em 20 anos, o que representa 36% do total de recursos administrados – R$ 104 bilhões. Para Sobral, existe um otimismo agora que houve a recomposição dos últimos valores contingenciados nos últimos anos, mas é importante o respaldo legislativo para que novos bloqueios não ocorram:
“A Lei Complementar nº 177/21, que proíbe o contingenciamento de recursos do FNDCT, foi muito importante, mas ela precisa ser revista. Principalmente por conta do Artigo 4º, que permite que qualquer lei, mesmo ordinária, modifique itens da nova legislação, o que gerou o último contingenciamento. Este artigo precisa ser retirado, para não passarmos pela mesma situação novamente”, alertou.
Além dessa questão, a vice-presidente apontou a necessidade que a proporção da distribuição do FNDCT seja “85% para o não reembolsável e 15% para o reembolsável na medida em que cerca de 99% das pesquisas científicas feitas no País são desenvolvidas em universidades e institutos públicos. E estas pesquisas são financiadas pela parte não reembolsável dos recursos do FNDCT que também é a fonte de recursos para a subvenção econômica de pequenas empresas inovadoras, como startups e pesquisas privadas de alto risco”, pontuou.
Concordando com as falas do secretário-executivo do MCTI, Sobral destacou a importância de se planejar o setor estrategicamente, principalmente reativando os espaços democráticos, como o Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CCT) e o Conselho Diretor do FNDCT. “Esse planejamento estratégico do setor precisa ser feito de forma transparente e somando o máximo de atores sociais possíveis.”
Financiamento da ciência reflete em mais inovação, mais empregos e melhores remunerações
Assessor da Presidência da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), Edward Madureira Brasil trouxe um panorama da entidade, que é responsável em financiar todas as etapas dos programas de Ciência, Tecnologia e Inovação do País.
De acordo com um levantamento realizado com, aproximadamente, 1.000 projetos apoiados pela Finep, as empresas apoiadas pela entidade ofereceram 21% a mais de empregos, com remunerações 13% maior e investiram 104% a mais em inovação – o que, ainda, gerou 200% a mais de patentes.
“A Finep tem um compromisso com a reindustrialização do país, que passa pela inovação. Porque sem ciência a gente não avança”, afirmou Madureira.
Para o especialista, com os recursos do FNDCT, cabe ao País se alinhar estrategicamente com as entidades que compõem a estrutura nacional de CT&I, como as universidades federais e estaduais e os institutos federais. “Nós temos uma estrutura científica que, se bem articulada, pode proporcionar avanços rapidamente”, ressaltou.
A audiência pública também contou com as participações do diretor regional do Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap) e representante da Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP.Br), Fábio Guedes Gomes; da coordenadora de Parcerias Estratégicas do Instituto Euvaldo Lodi (IEL) e representante da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Debora Mendes Carvalho; da representante do Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Científica e Tecnológica (Confies), Sandramara Matias Chaves; do presidente do Conselho Gestor do Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações (Funttel), Pedro Lucas da Cruz Pereira Araújo; e do reitor da Universidade Federal Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa) e representante da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Francisco Ribeiro da Costa.
A sessão completa pode ser conferida no canal do YouTube da Câmara dos Deputados.
Rafael Revadam – Jornal da Ciência