O engenheiro e economista Clelio Campolina Diniz, que assume nesta segunda-feira (17) o cargo de ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, é um crítico da atuação do governo no planejamento regional. Seus estudos sobre esse tema já o levaram a propor a criação de polos de desenvolvimento em diversas regiões do país para prevenir o risco do que ele chama de relitoralização, ou seja, o retorno à concentração do setor produtivo nas regiões litorâneas do país, revertendo a interiorização que só ocorreu após mais de 300 anos do Brasil colonial e de mais um século após a independência. A relitoralização, segundo o novo ministro, está sendo induzida pela ampliação de atividades como o turismo e a exploração do pré-sal.
Aos 71 anos, Diniz assume o MCTI coincidentemente um dia antes do encerramento de seu mandato de reitor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), iniciado em 2010. Sua escolha pela presidente Dilma Rousseff foi apontada por alguns veículos da imprensa como “técnica” e também por meio da expressão equivalente “não política”, apesar de ter acontecido em meio às negociações do Palácio do Planalto para enfraquecer no Legislativo o grupo de “descontentes” formado por 280 deputados federais — 55% do total de 513 — de 11 partidos, conhecido como Blocão, que no final da semana passada ficou reduzido a 129 parlamentares de quatro siglas.
Escolha política
Na verdade, a mudança do ex-reitor da UFMG para a Esplanada dos Ministérios faz parte das articulações do PT para as eleições deste ano ao governo do Estado de Minas Gerais. Embora não tenha filiação partidária, Diniz mantém boas relações com expoentes do partido, como Sandra Starling, Patrus Ananias e o próprio pré-candidato ao governo estadual Fernando Pimentel, ex-ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.
Em sua crítica à exoneração de Raupp (“Troca de ministro da Ciência e Tecnologia decepciona cientistas”), a presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), não criticou Diniz. Mas ela destacou que a mudança, por iniciar uma nova gestão de curta duração até o final do mandato de Dilma, põe em risco a continuidade de ações essenciais para o desenvolvimento de programas de pesquisas científicas.
A reclamação de Helena Nader é correta, ainda que se possa vincular sua motivação ao fato de ela ter sido vice-presidente da SBPC ao lado de Raupp quando este presidiu a entidade durante dois mandatos bianuais de 2007 a 2011. Mesmo que Diniz venha a permanecer no cargo de ministro em 2015, na hipótese de o PT vencer as eleições presidenciais, ao impacto da atual mudança de cadeiras na pasta se somará outro, que sempre resulta na desaceleração de muitos projetos da máquina administrativa no período eleitoral.
Fora isso, não há como deixar de ver o MCTI servir como moeda de troca, uma vez que Diniz é seu terceiro ministro desde o início do atual governo. Raupp sucedeu Aloizio Mercadante, que deixou a pasta em janeiro de 2012 porque preferiu substituir Fernando Haddad, que saiu do Ministério da Educação para se candidatar à prefeitura de São Paulo.
Filho de José e Maria
Mais conhecido na UFMG como Campolina, o novo ministro já passou a ser identificado na imprensa mais por Diniz, seu último sobrenome. Nascido em Esmeraldas, na região metropolitana de Belo Horizonte, ele é o caçula dos 11 filhos do humilde casal José e Maria — como na Bíblia, costuma ressaltar ele.
As primeiras aulas do pequeno Clelio foram em uma escola rural multisseriada, onde a professora era sua irmã. Ele mudou ainda jovem para Belo Horizonte, onde morou em uma pensão e trabalhou em um bar, em um posto de gasolina e em um escritório de contabilidade. Em 1967 se formou em engenharia de produção na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, onde em 1970 se graduou também em engenharia mecânica.
Formação marxista
No mesmo ano de sua segunda formatura, já trabalhando como funcionário aprovado em concurso público para o Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG), Diniz foi convidado para fazer um curso de especialização no Instituto Latino-americano de Planejamento e Desenvolvimento Social em Santiago, no Chile. E para lá ele foi, como bolsista da Cepal (Comissão Econômica para América Latina e Caribe das Nações Unidas), quando o país já estava sob o governo de Salvador Allende (1970-1973).
A vivência no Chile em plena efervescência do governo Allende marcou profundamente o jovem engenheiro que começava a direcionar sua formação para a economia, como disse ele em seu discurso na solenidade de posse do cargo de reitor na UFMG em janeiro de 2010:
“Carrego comigo duas formas de ver o mundo. De minha formação heterodoxa, estruturalista, cepalina e marxista e de minhas andanças pelo mundo, trago a visão da sociedade como uma permanente manifestação de contradições e conflitos. Para compreendê-los e neles atuar, precisamos ser dialéticos na análise e na interpretação. De minha formação prática, de minhas experiências de trabalho desde criança e de minha formação de engenheiro, trago a concepção cartesiana de precisão e objetividade. Assim, tento ser, ao mesmo tempo, dialético para analisar e entender o mundo, a sociedade e suas manifestações e cartesiano na ação, para que tenhamos precisão, objetividade e eficiência.”
Vida acadêmica
De volta ao Brasil, Diniz deixou seu emprego no BDMG para seguir a carreira acadêmica. Em 1976, um ano após concluir seu mestrado em economia na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), ele começou a trabalhar como professor na UFMG. Mas foi na Unicamp onde ele concluiu em 1983 suas disciplinas de doutorado em economia e defendeu sua tese em 1987. Em 1991, como bolsista do CNPq, ele concluiu seu pós-doutorado na Universidade Rutgers, no estado em New Jersey, nos Estados Unidos.
Na UFMG, Diniz foi diretor da Faculdade de Ciências Econômicas de 1998 a 2006. Sua atividade de pesquisa se concentra na análise do desenvolvimento econômico do Brasil sob os aspectos da inserção internacional, dinâmica setorial da produção, distribuição regional das atividades econômicas e da população.
Planos para o Brasil
Os estudos e convicções de Diniz sobre o planejamento regional o levaram muitas vezes a criticar autoridades governamentais, na medida em que ele considerava que as políticas regionais são indevidamente formuladas de maneira isolada. Como disse ele em uma entrevista em 2012,
“A proposta é dividir o país em cinco grandes regiões geográficas, a partir das forças e das homogeneidades. Daí surgiu a proposta de dividir o País em 118 subrregiões, agrupando-as com tipologias que indicassem semelhanças e diferenças, o que daria maior consistência às políticas públicas. A política de incentivos, por exemplo, não precisaria ser para todo o Nordeste, mas poderia ser para um grupo de regiões de determinadas características, mas poderia incluir o Vale do Ribeira, em São Paulo, ou o sul do Rio Grande do Sul, que é uma região estagnada. Seria uma forma de dar consistência nacional às políticas regionais. Aliás, as políticas regionais não podem ser formuladas de maneira isolada, têm de ser nacionais. Eu falava para o Ciro Gomes quando ele era ministro [da Integração Regional, de 2003 a 2006]: “Ciro, para de pensar o Nordeste, tem de pensar o Brasil, pô!””
Dificuldades e desafios
O currículo e a trajetória de Diniz mostram que não lhe falta preparo para o cargo de titular do MCTI. Ainda que política, a escolha pela presidente Dilma em meio ao toma-lá-da-cá da semana poderia não ser por alguém com credenciais técnicas. Não há razão, por enquanto, para afirmar que haverá prejuízos para os projetos de pesquisa nacionais além daqueles provocados pelo impacto da mudança de ministro.
Mas o novo ministro não pode deixar de ficar atento a um aspecto da exoneração de seu antecessor: diferentemente dos outros cinco ministros que agora deixam seus cargos para concorrer às eleições neste ano, ele não saiu para se candidatar. Raupp não parecia enfrentar problemas de relacionamento político no governo, exceto em seu desafio de adequar o desenvolvimento de foguetes lançadores de satélites aos padrões organizacionais dos programas espaciais de outros países.
Enquanto quase todos os programas espaciais de outros países foram completamente desmilitarizados, o programa brasileiro do Veículo Lançador de Satélites ainda permanece, após mais de três décadas, refém da burocracia militar da Aeronáutica.
E isso é algo que merece a atenção do novo ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, Clelio Campolina Diniz, que em seu discurso de posse como reitor, em 2010, citou a famosa frase do filósofo espanhol José Ortega y Gasset: “Eu sou eu e minha circunstância”. Mas faltou ele acrescentar a continuação: E se eu não salvo ela, eu não salvo a mim.
Maurício Tuffani é editor do blog >Universidade, Ciência e Ambiente. Jornalista desde 1978, especializado em ciência, educação e meio ambiente, foi repórter e editor de ciência na Folha de S. Paulo, redator-chefe e editor-chefe na revista Galileu (Editora Globo), fundador e diretor editorial da revista Unesp Ciência e, a serviço do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), foi editor-executivo do portal PNUD Brasil e do site Nações Unidas no Brasil.