Andirobeiras, Caatingueiros, Catadores de Mangaba, Quilombolas, Ribeirinhos, Caiçaras, Ciganos, Cipozeiros, Castanheiras, Faxinalenses…esses são apenas alguns dos 27 povos e comunidades tradicionais (além dos indígenas) no Brasil. E não é possível discutir desenvolvimento sustentável ou justiça social sem discutir a relação com esses grupos.
Essa foi a discussão trazida na mesa-redonda “Povos e comunidades tradicionais e sua relação com uma sociedade mais justa, sustentável e inclusiva”, realizada nessa terça-feira (25) durante a 75ª Reunião Anual (RA) da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). A reunião, considerada o maior evento científico da América Latina, acontece até 29 de julho na Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Os povos e comunidades tradicionais ocupam territórios e usam recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos e práticas gerados e transmitidos pela tradição. Para esses povos, a sociobiodiversidade e o conhecimento são parte do seu patrimônio e devem ser guardados e preservados. “Em todos esses territórios e povos tradicionais, um elemento é a conservação da biodiversidade em diferentes graus”, explicou a antropóloga e pesquisadora Taisa Lewitzki, doutoranda em Antropologia Social na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRGN). Ela explica que as áreas onde estão os povos e comunidades tradicionais no Paraná são as áreas em que está a Mata Atlântica, a floresta da Araucária, além de bacias dos rios. Assim, a presença desses grupos é fundamental para a preservação dessas regiões. No entanto, essas comunidades tradicionais historicamente ocupam territórios ameaçados pelo setor agropecuário, pelo garimpo, pelo desmatamento ou pela exploração desenfreada da fauna, flora e recursos hídricos. “Existe uma pressão cada vez maior do agronegócio, do garimpo, etc., sem nenhum respeito a esses povos instalados nessas unidades de conservação.”
Até mesmo a energia considerada “limpa” acaba se tornando uma ameaça. “Não vai se colocar um parque de energia eólica ou usinas fotovoltaicas, por exemplo, onde estão plantando soja”, afirmou o pecuarista familiar Fernando Pires Moraes Aristimunho, coordenador do Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais (CPCT) do Pampa. Ele citou o projeto em andamento no Rio Grande do Sul, que pretende aumentar a área de monocultivo de árvores, alterando o zoneamento ambiental para atividades de silvicultura. Outra ameaça muito séria no Estado são os projeto de mineração em fase de licenciamento. “O Brasil possuía 44 milhões de hectares de campos nativos em 1985. Ao longo dos anos, cerca de 9 milhões de hectares foram convertidos, dando lugar ao monocultivo de grãos e à silvicultura, restando cerca de 35 milhões de hectares em 2021 – uma redução de 20% da sua cobertura original”, alertou.
Rumi Kubo, professora do Departamento de Ciências Econômicas e Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenadora da mesa, afirmou que é preciso reconhecer o valor dessas comunidades e defender sua presença nesses territórios. “Está acontecendo uma reforma agrária às avessas, principalmente destituindo esses povos que habitam essas regiões”. Para ela, as universidades podem ser locais de intersecção se buscarem acolher e agregar esses povos e seus saberes. “O quanto a universidade ganharia, para além de pesquisas, trazendo a diversidade, a biodiversidade e a sociodiversidade para dentro de seus muros, sendo tencionada a rever seus cânones?”, questionou. “São outros olhares sobre a tragédia ambiental que estamos vivenciando, outras leituras, outros modos de pensar.”
Para a promoção de uma sociedade mais justa, sustentável e inclusiva, é imprescindível reconhecer os saberes desses povos e comunidades tradicionais, promovendo a interculturalidade dos diferentes grupos que, pelos seus usos, preservam os ecossistemas. Fernando Aristimunho destacou, porém, que o descaso das gestões públicas com a sociobiodiversidade dos biomas, através da não regularização das terras e territórios indígenas e quilombolas, a falta de políticas públicas adequadas e a não aplicação das leis sobre culturas afro-indígena, impedem avanços significativos no reconhecimento desses grupos. “Esse modelo socioeconômico capitalista, que exclui, criminaliza, não compreende todos os públicos, além da falta de conhecimento da sociedade sobre a importância dos ecossistemas para a regulação climática, colocam essas comunidades e esses territórios em risco”, pontuou.
Assista ao evento na íntegra:
https://www.youtube.com/watch?v=NTCgwF098-Q
Chris Bueno, especial para o Jornal da Ciência