O foco da educação deve ser o direito de aprendizagem. Como todos os direitos sociais, esse direito não pode ser vazio. Não pode ser mera forma. Tem que ser preenchido, realizado, efetivado. Um país como o Brasil não pode continuar tendo parte substancial de sua população – talvez quase metade das crianças – sem dominar as linguagens natural (em especial, o português) e matemática. Esse dado assustador é reiterado pelas avaliações de alfabetização. Não podemos prosseguir assim. É absurdo e injusto que tantas crianças, ao terminarem os três anos de alfabetização (aos oito anos de idade, portanto), não compreendam ainda o que leem ou escrevem. Ainda mais porque, se não aprenderam em três anos de Fundamental I, há a forte chance de que nunca aprendam. É uma condenação à ignorância perpétua.
A educação é para o bem dos alunos: os direitos dos professores devem ser tratados assim como a liberdade de imprensa. É fundamental professores, como jornalistas, serem respeitados. Mas, assim como a educação não pertence aos professores, a liberdade de imprensa não pertence aos profissionais do jornalismo, e sim aos leitores. Jornalistas são seus fiéis depositários, digamos assim. São seus trustees, aqueles que a utilizam para o bem de mais gente. É essa “mais gente” – num caso, os leitores, os cidadãos; no outro, os educandos, cidadãos também – que dá valor à liberdade de imprensa e à educação. É essa “mais gente” que torna imprensa e educação bens universais, de todos, e não particulares, que seriam apenas da profissão jornalística ou docente.
Para tanto, é preciso também acabar com a militarização de nossas escolas. A disciplina necessária para o conhecimento não é a da ordem unida, nem a da obediência cega, mas a do foco no aprendizado e na ação. Por isso mesmo, ela combina com a criatividade e o espirito crítico, que são decisivos para se saber lidar com a sociedade em que vivemos.
Por isso, aproveitando que a atual equipe do MEC provém de quem fez seus primeiros passes de armas com o bem inspirado e sucedido programa cearense de alfabetização na idade certa (2007), posteriormente nacionalizado pelo governo Dilma Rousseff, entendemos que esta deva ser a prioridade zero da educação básica em nosso país.
Já no tocante ao ensino médio, a reforma aprovada em 2017 porta problemas sérios. Deles, o principal é que, em vez de fortalecer a educação, enfraqueceu-a. O correto seria, e será, ampliar a carga das ciências e das principais línguas. Obviamente, para tanto (assim como nos demais níveis da educação) será preciso intervir de forma positiva na formação dos professores e na atratividade de sua profissão. Mostra-se necessário aprimorar a formação, incluindo um bom conhecimento dos componentes curriculares a seu futuro encargo, que permita aos professores uma remuneração e reconhecimento social adequados a seu papel.
Essencial, neste campo, é a ideia de nenhuma ciência a menos!
A reforma do ensino médio foi realizada de maneira inepta, para dizer o mínimo. Alegou-se que permitiria a cada aluno do ensino médio escolher o itinerário que lhe fosse mais pertinente, cada um deles baseado numa das quatro áreas do ENEM (mais tarde, somou-se um quinto, que seria o do ensino técnico). Isso significaria, em cada caso, aumentar a carga didática da área preferida, mantendo a carga das outras três (ou quatro), só que estas ficariam na parte comum a todos os alunos, enquanto a expansão se faria na parte diversificada. Isso trouxe, porém, vários problemas. O primeiro é que algumas áreas seriam muito difíceis de expandir; Matemática, por exemplo, chegaria a ter oito ou dez horas de aula semanais? O mais provável seria, então, simplesmente retomar a divisão antiga entre Clássico e Científico, em cada caso somando duas das quatro áreas do ENEM. Isso, porém, jamais foi explicitado, talvez porque os reformadores não quisessem reconhecer que a supressão do Clássico, meio século atrás, terá sido um erro, ou ainda porque não quisessem passar a imagem de retroagir no tempo. O segundo problema é que, para realmente atender à demanda de cada aluno, seria necessário oferecer todos os itinerários, o que por sua vez exigiria uma expansão física das salas de aula e o aumento exponencial dos professores. Num período em que o governo (de Temer) tinha por principal agenda o corte de gastos, era óbvio que isso não ocorreria.
É muito cedo, aos 15 anos, para um jovem decidir abrir mão de todo um conhecimento científico que ele nem sabe qual é. A ideia de suprimir, do campo de seu conhecimento, sejam as ciências humanas (em especial Filosofia e Sociologia, que ele nunca teve no Fundamental), sejam as demais ciências (que pouco estudou, até então), constitui uma aberração. É preciso garantir, não apenas que todo cidadão saiba ler, escrever e fazer as contas básicas, mas que tenha um letramento científico básico em todas as principais ciências.
Portanto, o ensino médio deve ser revisto, para que as ciências dele suprimidas retornem. Nada disso impede o acréscimo de outras disciplinas (ou componentes curriculares), mas o núcleo básico deve estar nas ciências e principais linguagens.
Ainda aqui, o ensino técnico. Países altamente desenvolvidos, como Alemanha, Finlândia, Coreia do Sul e Japão têm fortes contingentes de jovens estudando essa modalidade. O Brasil deve sim investir nela, como por sinal fez no governo Dilma Rousseff, que além do mais criou o PRONATEC (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego), para estimular a qualificação técnica até mesmo de quem não tinha a certificação usual da educação. É bom lembrar, também, que naquela ocasião, o Brasil conseguiu ser o primeiro em medalhas na Olímpiada de Ensino Técnico, a World’s Skills, que pela primeira vez ocorreu em solo brasileiro, graças, sobretudo, ao empenho do SENAI e de seu dirigente Rafael Lucchesi.
Porém, os pontos principais a considerar no ensino técnico devem ser: 1) ele não deve servir de pretexto para excluir conhecimentos que proporcionariam uma formação melhor do aluno; 2) é o caso de Filosofia, essencial para se saber ética e lógica, além de outras formas de conhecer e agir no mundo, e de Sociologia, necessária para se entender como funciona a sociedade em que cada um vai viver; 3) não deve ser entendido como uma formação apenas utilitária, destinada a quem não fará ensino superior, mas como uma vocação própria.
Em síntese, a educação é hoje a prioridade na construção de uma democracia resiliente, que não tolera retrocessos.
Confira aqui a Carta de Curitiba.
Renato Janine Ribeiro, presidente da SBPC