A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) manifesta profundo pesar pela morte do cientista político e historiador José Murilo de Carvalho, na madrugada deste domingo (13/8) no Rio de Janeiro, aos 83 anos, após internação pela covid-19. Considerado um dos maiores intelectuais brasileiros, Carvalho foi membro do Conselho da entidade de 1991 a 1995.
“José Murilo de Carvalho emplacou, na discussão política brasileira, o tema da cidadania, com seu livro Os Bestializados, em que propõe a tese de que a vacinação obrigatória promovida em começos da República não terá sido simplesmente uma vitória da razão sobre a doença e a superstição, mas também um ato de violência contra as populações. Esse foi o seu grande tema e seu grande legado: destacar os direitos cidadãos. Foi nesse mesmo ritmo que cunhou o neologismo ‘estadania’, para dizer que o Estado brasileiro é mais forte na defesa de si próprio do que no respeito aos direitos de quem deveriam ser seus cidadãos, mas a quem ele trata como subordinados que devem ser reprimidos. Por isso mesmo, ele deixa, além de sua obra, uma forte inspiração democrática. A SBPC lamenta a perda de seu antigo e querido conselheiro”, declara o presidente da entidade, Renato Janine Ribeiro.
O presidente de honra da SBPC, Ildeu de Castro Moreira, também lamenta profundamente a morte Murilo de Carvalho e ressalta que tudo que tem se falado sobre o historiador, por conta de sua morte, está correto, mas ainda assim não é possível abarcar todo o ser humano generoso e humilde que ele era. “Só os que conviveram com ele têm uma dimensão real de seu talento, de sua capacidade de diálogo e de sua sensibilidade humanística. Para nós todos, que pudemos compartilhar e aprender com ele e com sua sabedoria, sobra uma ausência enorme, fica uma grande saudade, mas permanece também um legado vivo e profundo.”
Suas pesquisas e produção concentram-se na história do Brasil Império e Primeira República, com ênfase nos temas da cidadania, republicanismo e história intelectual. Publicou dez livros, dentre eles o “A Escola de Minas de Ouro Preto: o peso da glória”, um traduzido para o francês, dois para o espanhol, um para o inglês, organizou 13 outros e publicou ainda mais de 120 capítulos de livros e artigos em revistas especializadas.
Mineiro, Carvalho graduou-se em Sociologia e Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em 1965. Depois, obteve os títulos de mestre (1969) e doutor (1975) em Ciência Política pela Universidade Stanford, na Califórnia, e pós-doutorado em História da América Latina na University of London (1977).
No Brasil, foi professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisador emérito do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Durante sua carreira foi professor da UFMG e do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro. Ele também foi professor visitante em diversas universidades estrangeiras como Stanford, California-Irvine, Notre Dame (Estados Unidos), Leiden (Holanda), London e Oxford (Inglaterra) e na École des Hautes Études en Sciences Sociales (França).
Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (2014) e pela Universidade de Coimbra (2015), foi pesquisador da Casa de Rui Barbosa, do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, e pesquisador visitante do Institute for Advanced Study de Princeton.
Carvalho atuou ainda na área de divulgação e fez parte do conselho editorial da revista Ciência Hoje e da Revista de História, da Biblioteca Nacional.
Membro da Academia Brasileira de Letras desde 2004, Carvalho foi eleito para a cadeira número 5, aberta com a morte de Rachel de Queiroz. Era, além disso, integrante da Academia Brasileira de Ciências (ABC).
“José Murilo de Carvalho era dos nossos maiores historiadores, que explicou nosso passado desde o Império e, a partir desse conhecimento, analisava a política brasileira recente com requintes históricos que ajudavam a antever o futuro, do qual se desiludiu nos últimos anos. É uma perda não apenas para a ABL, onde tinha sob seus cuidados nossos arquivos, mas para a cultura brasileira”, disse o presidente da ABL, Merval Pereira, em nota.
Em nota, a Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP) lamentou a morte do historiador, dizendo que as ciências sociais brasileiras perderam um dos seus grandes nomes, “notabilizado pelos seus estudos sobre o difícil processo histórico de construção da cidadania no Brasil”.
A ABCP também destaca os quase 20 anos de atuação de José Murilo como professor no antigo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), “onde teve papel fundamental na formação de pesquisadores e na modelagem da área de pesquisa do pensamento político brasileiro”.
A SBPC se solidariza aos amigos, familiares e entes queridos de José Murilo de Carvalho nesse momento de tristeza.
Jornal da Ciência