Após quatro anos de retrocessos nas políticas ambientais, com destaque ao afrouxamento das estruturas de proteção à Amazônia e aos povos originários, o Brasil está se mostrando mais consciente de seu papel político para a proteção ambiental global. Entretanto, com as disputas de interesses internos, principalmente sobre a exploração de petróleo, o País demonstra que os interesses econômicos ainda estão acima de uma consciência sustentável.
“Nós observamos claramente uma mudança de postura do Governo Federal neste ano, que é boa. Por exemplo, na Cúpula da Amazônia, o governo reconheceu o ponto de não retorno da região. Isso é um elemento bastante importante, porque nós vimos nos últimos quatro anos um retrocesso ambiental muito grande em termos de fiscalização das ações impactantes como, por exemplo, o desmatamento em áreas como a Amazônia e o Cerrado, um aumento de incêndios, e isso tem uma associação muito forte com a própria postura que o antigo governo tinha em relação a não priorizar a conservação ambiental”, explica Luciana Gomes Barbosa, integrante do Grupo de Trabalho (GT) sobre meio ambiente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
Barbosa, que também é professora da Universidade Federal da Paraíba (UFPA), afirma que uma das principais ações do atual governo foi a retomada do Conama, o Conselho Nacional do Meio Ambiente, no qual a SBPC possui uma cadeira. O Conama é um órgão consultivo e deliberativo do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama), e atua diretamente no debate e construção de políticas ambientais.
“Na última reunião do Conama, nós aprovamos o novo regimento interno de acordo com o regimento anterior ao do ministro Ricardo Salles [do Governo Bolsonaro]. Porque nós passamos os últimos quatro anos sem qualquer transparência das ações do Conselho e sem uma representatividade da sociedade civil. Então, a retomada disso é extremamente importante, mas eu acredito que a gente ainda precisa de mais efetividade das ações do Governo Federal.”
Entre as demandas urgentes do atual governo, Barbosa destaca a falta de um plano de ação interministerial, com destaque às atuações do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima e do Fundo Nacional do Clima, para a mitigação das mudanças climáticas. Também há um olhar para uma decisão recente sobre a exploração de petróleo na foz do rio Amazonas.
“Parece que está havendo um movimento de sinalizações positivas para essa exploração no rio Amazonas e isso é algo que, se realmente acontecer, representa um retrocesso diante daquilo que nós buscamos para um novo Brasil”, alerta.
Órgãos governamentais se dividem sobre exploração de petróleo no Amazonas
Em julho deste ano, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, solicitou um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) sobre o processo de licenciamento da área FZA-M-59, que é operada pela Petrobras. Na prática, a empresa estatal quer uma autorização para perfurar um poço a cerca de 175 km da foz do rio Amazonas, dedicado à extração de petróleo e gás natural.
A consulta à AGU veio porque o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), em maio, negou a autorização para essa exploração. Entre os motivos, o instituto alegou que não havia uma Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS) realizada pela Petrobras – a AAAS é um estudo contratado pelo Governo Federal para medir o impacto socioambiental da exploração de petróleo em uma determinada região antes da concessão de sua área.
Entretanto, na última terça-feira (22/08), a AGU se pronunciou com um parecer favorável à Petrobras, alegando que o Ibama pode conceder o licenciamento ambiental antes da avaliação preliminar de uma área. Já o Ministério de Minas e Energia se posicionou afirmando que descarta a necessidade da AAAS para a liberação da exploração na região.
O Ibama confirmou o recebimento do parecer jurídico da AGU, mas ainda não se manifestou a respeito. Diversos especialistas têm se posicionado publicamente para que o instituto não autorize a exploração petrolífera, pois sua prática pode atrapalhar a atividade de pesca de comunidades indígenas, afetar comportamentos de espécies locais, além do risco de vazamentos.
Preservação da biodiversidade é ponto de defesa da ‘Carta de Curitiba’
A preservação da biodiversidade e da diversidade cultural, diretamente afetadas pelas políticas ambientais, estão presentes na “Carta de Curitiba”, um manifesto público de defesa da democracia “e tudo que ela implica”, elaborado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
O documento foi votado e aprovado por unanimidade na Assembleia Geral de Sócios da SBPC, reunida no dia 27 de julho, durante a 75ª Reunião Anual da SBPC. O manifesto também alerta para que o Brasil tome o protagonismo das políticas ambientais, reconhecendo o seu papel de destaque e liderando o desenvolvimento sustentável. Confira o texto na íntegra.
Para a especialista Luciana Barbosa, é possível mensurar o quanto um governo prioriza as questões ambientais na hora de olhar a distribuição dos recursos financeiros. No caso do orçamento do Ministério do Meio Ambiente, ele não é suficiente nem para controlar ações emergenciais, como os incêndios florestais. A especialista afirma que isso, também, é consequência de uma falta de pressão da sociedade.
“Quando nós olhamos para a população, a gente vê que existe uma não-compreensão do que são as mudanças climáticas e como isso já afeta o nosso cotidiano, com extremos climáticos em diferentes regiões do País, como inundações, secas muito mais prolongadas do que era esperado, entre outros. E não é só uma questão da população não estar bem informada, parece que a população se alienou em relação à sua co-responsabilidade de manutenção da biodiversidade e da integridade ecológica nos ecossistemas, por exemplo, como a sua responsabilidade com os reservatórios de abastecimento.”
A especialista defende que o Brasil demora para implementar políticas ambientais adequadas por conta dos diferentes interesses econômicos, mas isso só faz com que o País se mostre socialmente atrasado, um cenário que só mudará com a pressão e participação societária.
“Outro exemplo, nós já passamos do período de termos uma agricultura de baixo impacto, uma agricultura que seja mais ajustada com o fato de termos cenários de secas extremas hoje, o que faz com que a água para irrigação tenha um valor muito alto. E quando a gente pensa em agricultura de baixo impacto, é menos agrotóxico e com menos uso de princípios ativos que são residuais e que afetam a fauna e a saúde humana. Isso só é possível com a implementação de uma política ambiental sustentável, que tenha em vista a mitigação do impacto das mudanças climáticas e das ações humanas. Só que, para isso, a gente precisa de uma adesão de todas as diferentes partes, entre aspas, da sociedade. Ou seja, o agronegócio, os empresários, a própria sociedade civil, os governos, as populações tradicionais, as entidades, todos.”
Rafael Revadam – Jornal da Ciência