Em carta ao senador Eduardo Braga (MDB-AM), relator da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/2019, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) solicita a retirada da ampliação da isenção fiscal às organizações assistenciais e beneficentes associadas das instituições religiosas da PEC, “respeitando, assim, o espírito constitucional de proteger o Estado laico nacional.”
No documento, o presidente da entidade, Renato Janine Ribeiro, lembra que apesar da laicidade do Estado brasileiro, determinada desde a Constituição Federal de 1891, tem havido uma progressiva tendência à retomada de um confessionalismo institucional no Estado Nacional. “Tal confessionalismo manifesta-se, principalmente, na dimensão financeira, com o favorecimento fiscal das organizações religiosas e seus agentes. O caso mais flagrante foi a inclusão na Lei n° 14.057, de 2020, a Lei dos Precatórios, de dispositivo para isentar as igrejas do pagamento de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e perdoar as multas acumuladas pelo não recolhimento deste tributo.”
Segundo ele, a PEC n° 45-A, de 2019, além de proibir a União, os estados, os municípios e o Distrito Federal de instituir impostos sobre “templos de qualquer culto”, estende a imunidade fiscal para “suas organizações assistenciais e beneficentes”.
“Fiel à sua tradição de defesa do Estado laico, manifestada em diversas oportunidades, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC expressa sua oposição a esta ampliação do escopo da isenção para instituições religiosas, tendo em vista as consequências danosas para a ciência e a cultura em nosso País. Vale lembrar que as instituições educacionais de caráter confessional já gozam de isenção de impostos e garantia constitucional para o recebimento de subvenções financeiras”, afirma.
Veja a carta abaixo:
São Paulo, 17 de agosto de 2023
Excelentíssimo Senhor
Senador EDUARDO BRAGA
Relator da PEC n° 45/2019
Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado Federal
Senhor Senador,
Apesar da laicidade do Estado brasileiro, determinada desde a Constituição Federal de 1891, tem havido uma progressiva tendência à retomada de um confessionalismo institucional no seio do Estado Nacional. Tal confessionalismo manifesta-se, principalmente, na dimensão financeira, com o favorecimento fiscal das organizações religiosas e seus agentes. O caso mais flagrante foi a inclusão na Lei n° 14.057, de 2020, a Lei dos Precatórios, de dispositivo para isentar as igrejas do pagamento de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e perdoar as multas acumuladas pelo não recolhimento deste tributo.
Vemos agora a PEC n° 45-A, de 2019, que altera o Sistema Tributário Nacional, prevendo a ampliação da isenção fiscal contemplada pelo art. 150 da Constituição Federal de 1988 para instituições religiosas. Além de proibir a União, os estados, os municípios e o Distrito Federal de instituir impostos sobre “templos de qualquer culto”, acrescenta a imunidade fiscal para “suas organizações assistenciais e beneficentes”.
Esse é um dispositivo que, se inserido na Carta Magna, propiciará a ampliação do uso de tais organizações no campo político e, por implicação, na tutela moral que pretendem exercer sobre a sociedade brasileira.
Faz-se necessário recordar que um dos primeiros atos do Governo Provisório, assim que foi proclamada a República, consistiu na separação da Igreja e do Estado. Tal medida apenas dava continuidade a algo que, na esmagadora maioria das sociedades democráticas, ocorre: nenhum culto é identificado ao Estado; nenhuma Igreja é sustentada por ele; nenhum governante necessita confessar alguma fé em especial; nenhuma religião é proibida, perseguida ou sofre discriminação negativa; a educação e a cultura são abertas a todas as fés religiosas e também aos que não professam nenhuma.
Insistimos no fato de que, em nenhum momento, a defesa do Estado laico ou da laicidade do Estado implica qualquer prejuízo ou preconceito contra o livre exercício das religiões e de seus cultos. Na verdade, é justamente essa neutralidade do Estado que permite a tolerância das mais diferentes religiões, o que vem sendo defendido e praticado desde a Revolução Gloriosa de 1688, na Inglaterra, e aparece em textos luminosos de pensadores como Bayle e Locke, essenciais para a constituição da modernidade democrática.
Finalmente, a ênfase nas vantagens fiscais e econômicas para as Igrejas coloca a grave questão ética de que a fé não deve servir a propósitos mundanos, recordando-se aqui o célebre episódio da expulsão dos vendilhões do templo, por Jesus, no começo de seu ministério. Se mesmo aquele que boa parte da humanidade celebra como fundador de uma das religiões mais influentes da História, mais do que isso, como Deus, repudiou a ideia de ganhos materiais obtidos manipulando-se a dimensão espiritual, por que um Estado laico deveria subvencionar – pois é disso que se trata, quando Igrejas ou templos podem se beneficiar das ações do Estado sem pagar os impostos que as mantêm – aqueles que deveriam, tendo feito profissão de fé, viver modestamente, de acordo com princípios que vigem em praticamente todas as confissões religiosas?
Fiel a sua tradição de defesa do Estado laico, manifestada em diversas oportunidades, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC expressa sua oposição a esta ampliação do escopo da isenção para instituições religiosas, tendo em vista as consequências danosas para a ciência e a cultura em nosso País. Vale lembrar que as instituições educacionais de caráter confessional já gozam de isenção de impostos e garantia constitucional para o recebimento de subvenções financeiras.
Por todo exposto, solicitamos a Vossa Excelência, como relator da PEC n° 45- A/2019, que retire a ampliação da isenção às organizações assistenciais e beneficentes associadas aos templos, respeitando assim o espírito constitucional de proteger o Estado laico nacional.
Atenciosamente,
RENATO JANINE RIBEIRO
Presidente da SBPC
Jornal da Ciência