A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) reitera os termos da carta enviada no dia 6 de junho a todos os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), solicitando que a tese do marco temporal e as 19 condicionantes adotadas no julgamento da Terra Indígena Raposa Serra do Sol sejam definitivamente descartadas – “uma verdadeira novela de mau gosto”, como definiu a SBPC.
A continuação do julgamento da tese do marco temporal no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) está marcada para esta quarta-feira, 30 de agosto.
A Corte está deliberando desde setembro de 2021 sobre a validade da tese de que as populações indígenas só podem reivindicar as terras que ocupavam até a data da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988. A última tentativa de votação foi em 7 de junho, mas foi suspensa após o ministro André Mendonça pedir vista.
Até o momento, o placar está em 2 a 1 a favor dos povos originários: o relator do caso, Luiz Edson Fachin, votou contra o marco temporal; o ministro Nunes Marques, a favor; e o ministro Alexandre de Moraes, também se manifestou contrário ao marco temporal. Ainda faltam os votos dos ministros André Mendonça, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes.
Segundo a carta da SBPC ao STF, a tese do marco temporal afronta os direitos fundamentais dos povos indígenas assegurados na Carta Magna e, também, na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). “Ela viola diretamente a afirmação constitucional de que os indígenas têm direito a suas terras tradicionais, o que obviamente, num texto de 1988, não pode significar as terras que naquela data fossem por eles ocupadas: tradição é passado. Jamais poderia ser o presente. Obviamente, se o constituinte quisesse apenas reconhecer aos indígenas as terras por eles ocupadas naquela época, teria adotado outra formulação”, pontua a entidade.
Leia o documento na íntegra:
Ref.: Julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1017365
A SOCIEDADE BRASILEIRA PARA O PROGRESSO DA CIÊNCIA (SBPC), entidade civil, sem fins lucrativos ou posição político-partidária, voltada para a defesa do avanço científico, e tecnológico, e do desenvolvimento educacional e cultural do Brasil, vem, ouvido o seu Grupo de Trabalho (GT) Meio Ambiente, coordenado pela profa. Luciana Barbosa, expressar profunda preocupação com o julgamento do Recurso Extraordinário nº 1017365, de interesse dos Xokleng e as 19 condicionantes adotadas no julgamento da ação popular contra a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol – Petição 3388. Esta preocupação se avoluma frente ao voto do Ministro Nunes Marques, que, divergindo do voto do Relator, Ministro Edson Fachin, pretende que o STF adote como tese de repercussão geral o assim-chamado “marco temporal”, e frente ainda às recentes movimentações do projeto de Lei (PL) 490/2007 no Congresso Nacional , que nos trazem intensa preocupação, especialmente por seu teor belicoso e, por vezes, preconceituoso ante os povos indígenas e as parlamentares indígenas, democraticamente eleitas e empossadas.
A SBPC considera essencial reiterar seu pronunciamento conjunto com a ABA, ABC, ABCP, ANPOCS e SBS, para demandar que os processos de identificação e de demarcação das terras indígenas sejam realizados de acordo com o que está propugnado na Constituição Federal de 1988 – em vigor – rejeitando-se, definitivamente, a tese do marco temporal e as 19 condicionantes adotadas no julgamento da Terra Indígena Raposa Serra do Sol.
Isso porque a tese do marco temporal afronta os direitos fundamentais dos povos indígenas assegurados na Constituição Federal e na Convenção 169 da OIT. Ela viola diretamente a afirmação constitucional de que os indígenas têm direito a suas terras tradicionais, o que obviamente, num texto de 1988, não pode significar as terras que naquela data fossem por eles ocupadas: tradição é passado. Jamais poderia ser o presente. Obviamente, se o constituinte quisesse apenas reconhecer aos indígenas as terras por eles ocupadas naquela época, teria adotado outra formulação.
Além disso, comprometerá a preservação dos ambientes naturais por eles protegidos em suas terras, contrariando os compromissos assumidos pelo país na assinatura do Acordo de Paris e do Protocolo de Kyoto, uma vez que favorecerá a devastação e o esgotamento das terras. Historicamente, as terras indígenas são sumidouros de carbono, áreas de proteção efetiva da biodiversidade e de manutenção de processos e serviços ecossistêmicos, como já comprovado pela ciência, sendo um compromisso da sociedade protegê-las e resguardá-las.
Sobre o tema, a SBPC publicou pronunciamento em conjunto com a Associação Brasileira de Antropologia (ABA), a Academia Brasileira de Ciências (ABC), a Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP), a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS), e a Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS), que segue em anexo e pode ser acessada no link: http://portal.sbpcnet.org.br/noticias/entidades-se-pronunciam-sobre-tese-do-marco-temporal/.
Por estas razões, Excelentíssima Ministra, pedimos que se ponha termo a essa que constitui uma verdadeira novela de mau gosto, vez que frontalmente contraria a Carta Magna e se arrasta há anos, aguardando que o foro adequado para defender a Constituição, que é nosso Supremo Tribunal Federal, descarte definitivamente esse ataque aos nossos povos originários.
Com votos de elevada estima e consideração.
Diretoria da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)
Jornal da Ciência