Na última segunda-feira (09/10), os presidentes do CNPq, da Capes e da Finep participaram de uma audiência realizada pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), com suas sociedades científicas afiliadas, para trazer à comunidade acadêmica a situação política e financeira dos órgãos de financiamento federais.
Como principal destaque, a reunião girou em torno do PLOA, o Projeto de Lei Orçamentária Anual. No PLOA, o Governo Federal estima quais despesas serão realizadas em cada setor no ano seguinte, e sua proposta é encaminhada para votação na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Com o PLOA 2024 encaminhado à Câmara, a assessoria parlamentar da SBPC fez uma análise dos números apresentados e identificou uma redução dos recursos destinados às políticas científicas.
Presidente da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), Mercedes Bustamante iniciou as falas do evento, confirmando o cenário orçamentário em queda. Bustamante afirmou que a Capes passou por um contingenciamento de verbas em agosto, no valor de R$ 86 milhões.
Apesar do contingenciamento de recursos ser uma prática recorrente na gestão política, e um recurso bloqueado poder retomar ao órgão em que foi designado, a própria Capes já teve o conhecimento de que R$ 50 milhões contingenciados não retornarão ao orçamento deste ano. “O que me preocupa é que o contingenciamento pode ser o primeiro passo para algo mais crítico”, ponderou Bustamante.
Se em 2023 a Capes vive com bloqueios orçamentários, na previsão de orçamento para 2024 seus recursos já foram reduzidos. “Há um déficit de R$ 200 milhões no orçamento previsto para 2024, em comparação com 2023”, acrescentou a presidente da agência.
Enquanto lida com as reduções orçamentárias, a Capes também tenta retomar programas que estavam caminhando a passos lentos ou mesmo parados nos últimos anos. Entre os mais importantes, está a elaboração do Plano Nacional de Pós-Graduação, o PNPG, que entrará em consulta pública na próxima semana, e o Plano Nacional de Pós-doutorado (PNPD).
A Capes também retomou o Conselho Técnico-Científico da Educação Básica, que estava parado há seis anos. O colegiado tem como objetivo ajudar na elaboração das políticas para formação dos professores da educação básica.
Entre as demais frentes que a Capes vem articulando, está a revisão dos regramentos internos, de modo a desburocratizar processos e editais; a intensificação de editais de estímulo à Inovação e o aprofundamento do Plano Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes), para que as bolsas de pós-doutorado tenham um tempo de duração maior e consigam dar subsídios ao universitário em todo o tempo de duração de seu curso.
“Precisamos refletir sobre o papel desempenhado pela Capes ao longo dos anos e a sua importância na formação universitária. A Capes já chegou a atender 40% dos alunos matriculados em todas as instituições públicas brasileiras, e hoje atende cerca de 30%.”
Ao contrário da Capes, CNPq e Finep recebem investimentos
Segundo a falar, o presidente do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), Ricardo Galvão, afirmou que o órgão vive um cenário diferente daquele da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. “A situação orçamentária do CNPq não está tão difícil quanto à da Capes”, ponderou.
O CNPq também passou por contingenciamentos em agosto, mas os valores bloqueados já foram supridos. “Foram cortes bem mais modestos, de R$ 15 milhões. Mas esse valor já foi recuperado pelo orçamento do próprio MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação), e há ainda uma esperança de que o Ministério tenha esse valor ressarcido.”
No comparativo com 2023, o CNPq teve um aumento orçamentário de 8,18%, segundo análise realizada pela SBPC. “Na PLOA 2024, nosso orçamento é de 1 bilhão e 524 milhões de reais”, complementou Galvão.
O presidente do CNPq, no entanto, apontou que é preciso um constante diálogo com deputados e senadores para esclarecer a importância da ciência, tecnologia e inovação junto aos legisladores. Segundo ele, é preciso reiterar que além das bolsas, é preciso planejar o fomento. “Fizemos um documento chamado ‘Orientações para Emendas Parlamentares’ e estamos encaminhando a todos, e, também nos colocando para diálogo.”
Entre as iniciativas mais recentes, o CNPq abriu um edital no valor de R$ 100 milhões para reparos e melhorias em laboratórios e equipamentos. “É importante diferenciar as atuações do CNPq e da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos). A Finep trabalha com grandes projetos, grandes instalações, e o CNPq com pequenos, com a manutenção e difusão da ciência em nível local”, explicou.
O órgão também abrirá em breve um programa de bolsas de pós-doutorado para mulheres negras, indígenas, quilombolas e ciganas, além de outro edital de incentivo à iniciação científica para mulheres.
“Existem questões que estão sendo analisadas. Por exemplo, como o programa Ciência sem Fronteiras, que custou R$ 13 bilhões e ainda não temos a sua avaliação.”
Presidente da Finep, Celso Pansera afirmou que a instituição compartilha um panorama similar ao do CNPq. “2023 foi o primeiro depois de sete anos em que tivemos todos os recursos do FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) para aplicarmos, ou seja, não houve qualquer contingenciamento.”
A Finep aprovou R$ 5,1 bilhões em empréstimos para projetos científicos, e terá, segundo a PLOA 2024, R$ 12 bilhões para a articulação de seus projetos, sendo 50% de recursos reembolsáveis e 50% de não-reembolsáveis.
“O que temos percebido é que existe muita burocracia e dúvidas sobre os editais que abrimos. Já deliberamos e entendemos que todos os editais abertos serão precedidos de uma live de lançamento com nossa equipe técnica, para que as dúvidas sejam sancionadas. Agora, estamos focando no debate sobre como desburocratizar o sistema de Ciência, Tecnologia e Inovação”, considerou Pansera.
Para o presidente da SBPC, é desanimador que uma das principais financiadoras da Ciência brasileira como a Capes esteja num panorama de bloqueios e redução de recursos, principalmente em um Governo Federal que se colocou como reconhecedor do papel da ciência no desenvolvimento do País.
“É triste receber essas informações sobre os constantes contingenciamentos e, agora, a redução orçamentária da Capes para o ano que vem, principalmente considerando os bloqueios recorrentes que a Ciência brasileira sofreu nos últimos anos. Lutamos para sobreviver àquela época, e vamos continuar lutando.”
Sobre a situação da Finep, o presidente da SBPC lamentou que dos R$ 12 bilhões definidos no orçamento de 2024, 50% são recursos reembolsáveis e 50% não-reembolsáveis. Os recursos reembolsáveis são aqueles que, como o nome sugere, devem ser devolvidos, portanto, são aqueles normalmente usados em empréstimos e amortizações, dedicados mais a empresas e indústrias do que para estrutura científica do País.
“A divisão entre recursos reembolsáveis e não-reembolsáveis tem relação direta com onde os recursos serão colocados. Destinar a metade para empréstimos beneficia mais as empresas, que têm condições de retornar os montantes, do que as cadeias científicas, como universidades e institutos de pesquisa, que não atuam nessa lógica comercial. Defendemos uma base de 75% para os recursos não-reembolsáveis e 25% para os reembolsáveis”, disse.
Janine Ribeiro ponderou também sobre um ponto em comum apresentado nas falas dos três especialistas. “Tanto Capes, quanto CNPq e Finep identificaram grandes burocracias em seus processos. Isso afeta o acesso das universidades, institutos de pesquisa e dos cientistas aos programas de estímulo à Ciência. Precisamos olhar para essa situação de modo a entender como ela vem afetando, na ponta, o desenvolvimento científico do País”, concluiu.
O presidente da Finep propôs, por fim, uma reunião de trabalho da sua Diretoria com a Direção da SBPC. “Pretendemos, também, a partir da próxima reunião com as sociedades científicas afiliadas, promover encontros com uma agência de fomento por vez – Capes, CNPq, e FINEP -, de modo a maximizar os resultados”, contou Janine Ribeiro.
Rafael Revadam – Jornal da Ciência