Primeira presidente mulher eleita para comandar a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Carolina Martuscelli Bori foi uma grande articuladora em prol da difusão da ciência brasileira. Segundo pessoas que conviveram com a cientista, ela enfrentou o conservadorismo da academia para lutar por uma ciência mais próxima da sociedade. Em 4 de janeiro de 2024, a professora e pesquisadora teria completado 100 anos.
“Em 1977, o Governo Federal não disponibilizou recursos para a realização da Reunião Anual da SBPC, que seria em Fortaleza. Além da ausência de recursos, queriam proibir a realização do evento, por conta da ditadura militar. Carolina Bori teve um papel fundamental em não ceder para a realização da reunião. Ela era uma grande força, mas infelizmente não apareceu muito porque, naquela época, quem mais aparecia eram os homens”, contou Eunice Maria Fernandes Personini, secretária executiva da entidade, em entrevista ao podcast ‘O Som da Ciência’, uma produção da SBPC, que foi ao ar no dia 22 de dezembro de 2023.
Para Personini, que atua na administração da entidade há 50 anos, a trajetória de Carolina Bori perpassa inúmeras funções, e sua experiência na articulação da comunidade científica é que a conduziu até a presidência:
“Carolina Bori ficou muito tempo na gestão da SBPC, cerca de 17 ou 18 anos. Ela sempre foi uma mulher muito forte. E eu lembro que ela passou por vários cargos presentes na Diretoria, como secretária, secretária-geral e vice-presidente. Foi também, por alguns meses, presidente interina, quando o então presidente, Crodowaldo Pavan, assumiu a presidência do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), entre 1986 e 1987. Depois, ela se candidatou à Presidência”
Entre a candidatura à Presidência da SBPC e sua eleição, em 1987, Carolina Bori enfrentou desconfianças dentro da comunidade científica. “O que eu me lembro é que houve muita resistência à eleição dela. Naquela época, as cédulas de votação eram impressas e nós, funcionários da comissão eleitoral, ficávamos numa sala para a apuração. Um grupo de sócios nos avisou que iria conferir e fiscalizar as eleições. Era uma resistência muito grande, porque o outro candidato que estava concorrendo era um homem.”
Enquanto outros tentavam bloquear Carolina Bori e sua atuação, a pesquisadora revidava usando a estratégia oposta, chamando cada vez mais pessoas a participarem ativamente da comunidade científica. É o que conta a bióloga Glória Malavoglia:
“Eu tive a grande honra e oportunidade de, ainda muito jovem, trabalhar com a professora Carolina Bori na SBPC durante a década de 1980, quando ela idealizou um departamento de difusão científica da pesquisa brasileira. Até então, os pesquisadores só viam matérias científicas redigidas por jornalistas e editores, e Carolina inverteu a ordem dessa história, colocando a voz do pesquisador, o cientista falando por si, o cientista no ar.”
Para seu projeto, Carolina Bori olhou para a juventude e fechou parcerias com a imprensa e órgãos científicos. “Ela montou uma equipe de jovens recém-formados em diversas áreas do conhecimento para produzir programas radiofônicos. Tudo isso, claro, tratado numa linguagem simples e para leigos sobre o que eram as pesquisas, para que serviam e como eram feitas. Para a realização do projeto, ela fez parcerias com os órgãos financiadores, como o CNPq, e, do outro lado, fez parcerias com empresas de comunicação, como a Rádio Cultura e a Rádio USP, para difusão dos episódios.”
Se na divulgação científica Carolina Bori olhou para os novos cientistas, no seu campo de atuação, a psicologia, a especialista utilizou da mesma estratégia:
“A professora Carolina Bori era verdadeiramente uma cientista, e assim ela é reconhecida em diversas áreas do conhecimento. Na Psicologia, era impecável no respeito à diversidade de pensamento. Foi assim que ela orientou com muita competência e propriedade mais de 100 dissertações e teses. Esse número expressivo de orientações possui uma enorme relevância em si, pois a professora Carolina soube ser generalista quando o desenvolvimento da psicologia necessitava”, pontua Gerson Yukio Tomanari, professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), que trabalhou juntamente com Bori na instituição.
Tomanari complementa que, na contramão de pessoas que desejavam restringir a produção da ciência, Carolina Bori queria difundir a atividade científica. “Era um cenário de poucos doutores e muitas áreas de pesquisa para serem estabelecidas e a professora Carolina, assim, formou inúmeros profissionais e pesquisadores, muitos dos quais hoje lideram a psicologia nacional que se espalha por todo o Brasil.”
Rafael Revadam – Jornal da Ciência